Topo

Coronavírus: SporTV deixa funcionários "apavorados" ao lançar novo programa

Gustavo Villani apresentou o "Faixa Especial" na terça-feira (18) no SporTV - Reprodução/SporTV
Gustavo Villani apresentou o "Faixa Especial" na terça-feira (18) no SporTV Imagem: Reprodução/SporTV

Beatriz Cesarini e Caio Blois

Do UOL, em São Paulo (SP) e no Rio de Janeiro (RJ)

19/03/2020 04h00Atualizada em 19/03/2020 21h13

Uma fatia considerável dos funcionários do Esporte do Grupo Globo está insatisfeita nos últimos dias. Isso porque, apesar da pandemia do coronavírus, o SporTV aumentou sua grade com o "Faixa Especial", de 2h de duração e de segunda a domingo. Para produzir e colocar o programa no ar, a chefia recrutou 35 empregados, que, apesar das escalas, se reúnem na redação.

Alguns estão "apavorados" com a possibilidade de contrair a doença e contagiar outros dentro e fora do ambiente de trabalho, já que residem com pessoas no grupo de risco, como idosos acima de 65 anos, familiares diabéticos e hipertensos ou com doenças cardiovasculares.

Os funcionários do esporte da Globo também estão irritados com a manutenção de programas apesar das paralisações no esporte mundial, como o Redação SporTV e o Tá na Área. Além disso, o home office "alternado" - com metade da equipe se revezando na escala - é alvo de críticas, pois segue aglomerando pessoas e mantendo o contato entre os empregados no dia a dia.

Apenas os funcionários que tiveram contato com pessoas que testaram positivo para o COVID19 foram liberados, por exemplo, mas, antes, tiveram contato com outras pessoas no trabalho diário na redação.

Os colaboradores do Grupo Globo têm também outra preocupação: após o processo de transição entre SporTV, o site do Globo Esporte e a equipe de esportes da TV Globo, todos hoje trabalham em "sinergia", lado a lado, dividindo também espaços físicos. Há o temor em, na necessidade de trabalhar na redação, contagiar alguma estrela da companhia com o vírus.

SporTV Twitter - Reprodução/Twitter - Reprodução/Twitter
Imagem: Reprodução/Twitter

Em sua conta oficial do Twitter, o SporTV publicou uma imagem da redação vazia com a mensagem "se puder, trabalhe de casa". A mensagem trouxe indignação aos funcionários, pois além de não ter sido tirada na hora, ia contra a realidade que estão vivenciando. Depois de um tempo, a publicação foi apagada.

Uma carta foi redigida pelos funcionários (leia a íntegra abaixo) e compartilhada em alguns aplicativos de trocas de mensagens. Os empregados não entendem como problema o prosseguimento das atividades profissionais, algo que é normal no jornalismo, mas acreditam que não havia necessidade da manutenção de um contingente tão grande de pessoas para conteúdos que, durante a pandemia de coronavírus, sejam de menor relevância se comparados aos programas jornalísticos da TV Globo e da Globo News.

Empresa adotou medidas especiais

A Globo adotou diversas medidas especiais por conta do coronavírus. Mesmo a parte de entretenimento, carro-chefe da casa, paralisou a gravação de episódios das novelas, ampliando a cobertura jornalística da doença. Os Estúdios Globo no Projac foram fechados. Antes do anúncio, a emissora já havia realizado mudanças grandes em sua grade de programação e em toda a estruturação da empresa.

Programas como "Globo Esporte", "Mais Você", "Fora de Hora" e "Se Joga" saíram da grade para abrir espaço para a ampliação dos jornais locais e nacionais, que tiveram a reportagem reforçada com profissionais de outras equipes do Grupo Globo. Além disso, alguns programas como o Big Brother Brasil 20 retiraram a presença de pessoas nos auditórios. O BBB20 também teve instruções ao vivo de um infectologista para os "brothers" confinados na casa, procedimento que se repetiu na programação dos canais das organizações nas TVs aberta e fechada.

O site do Globo Esporte e outras equipes de produção digital estão totalmente em home office, bem como alguns canais da Globosat, o braço de TV por assinatura das organizações. A produção de TV reduziu drasticamente a presença física e também liberou o trabalho em casa para seus profissionais.

Há uma discussão interna sobre a liberação de transporte individual por aplicativo. As medidas, apesar de terem sido consideradas boas, foram "demoradas" de acordo com funcionários, já preocupados com o coronavírus desde que a doença se espalhou pela Europa.

O UOL Esporte conversou com a assessoria de imprensa da Globo antes da publicação da matéria, mas a resposta só foi enviada 11 horas após a publicação do material. Confira ao final do texto.

Chefia manda suspeitos seguirem no trabalho

A alta cúpula do esporte da Globo também tomou outras decisões que desagradaram os funcionários. Mesmo com casos suspeitos na família, o editor-chefe de um dos programas, que havia sido liberado por 15 dias, voltou ao trabalho antes de cumprir o período de quarentena.

A explicação era que "não havia pessoas capacitadas para realizar seu serviço", o que gerou revolta entre a equipe do programa e outros funcionários cientes. Após pedir de novo para ir embora ao final do programa, sem cumprir o dia completo de trabalho, o funcionário em questão foi dispensado.

Um outro caso envolve a segunda morte confirmada por coronavírus no estado do Rio de Janeiro, em Niterói. Um funcionário do SporTV teve contato com o idoso de 69 anos, que além da doença, tinha diabetes e hipertensão, características que o colocavam no grupo de risco. O caso foi confirmado pelo prefeito da cidade, Rodrigo Neves.

Uma reunião entre os funcionários insatisfeitos e alguns chefes foi realizada na quarta (18), na sede do canal na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Diferente do que informou a emissora por meio de sua assessoria, os diretores do canal estão cientes da revolta de parte dos empregados. Uma mensagem de e-mail da diretoria do setor chamou o SporTV de "desafogo" durante a pandemia do coronavírus, e contribuiu para a indignação de quem segue no trabalho.

Confira a carta dos funcionários:

Muitos profissionais do Esporte do Grupo Globo estão APAVORADOS.

Grande parte dos funcionários que trabalham na redação, editores, produtores, editores de imagem, moram com pessoas do grupo de risco como idosos acima de 65 anos, pais diabéticos, hipertensos ou com doenças cardiovasculares e estão sendo recrutados para trabalharem em outras áreas ou para produzir um programa especial, o FAIXA ESPECIAL, simplesmente para manter e aproveitar a audiência de quem está sendo obrigado a ficar em casa.

Esta semana funcionários que tiveram contato com pessoas que testaram positivo para o COVID19 foram liberados. O problema é que antes de serem liberados, estiveram trabalhando na redação e em contato com muitos que ainda estão sendo escalados para trabalhar nesse absurdo de "programação especial".

Em um momento em que a maioria das grandes empresas no mundo está consciente e priorizando a saúde de seus funcionários e familiares, a Globo corre na contramão e opta por expor seus colaboradores do Esporte. Tudo em nome da audiência.

Confira o comunicado da Globo:

Nada procede nessa matéria. Não temos conhecimento da citada carta dos funcionários. Nada chegou à liderança do Esporte. Ao contrário do que indica a matéria, as redações não estão cheias. Estamos trabalhando com menos de um terço dos funcionários, em esquema de rodízio. Os funcionários do Globoesporte.com estão trabalhando em esquema de home office. Fizemos uma escala flexível e adotamos home office para as funções possíveis. Grávidas, pessoas acima de 65 anos e quem se encontra em grupo de risco não estão trabalhando.

Cerca de 50 jornalistas do time do Esporte foram cedidos ao Jornalismo para reforçar o esquema de cobertura que se intensificou nos últimos dias por conta do avanço da pandemia no país. E a segurança dos profissionais que neste momento trabalham para levar informação a toda a população é prioridade para a Globo.

No SporTV, reduzimos a nossa transmissão ao vivo de 13 para 9 horas diárias, mesmo com o lançamento do Faixa Especial, que passa a ocupar um lugar importante no horário nobre do SporTV para discutir os impactos que a pandemia do coronavírus está causando no mundo do Esporte. Investimos em reprises e compactos especiais do nosso acervo, como forma de ocupar o vazio deixado pela paralisação do calendário esportivo. Um movimento similar ao que tem sido feito em outros canais esportivos nos EUA, na Europa e na América Latina, misturando programação ao vivo com jogos históricos. Fizemos acordos com as principais entidades esportivas para darmos ao público a oportunidade de acompanhar novamente fatos importantes da história esportiva. Seja no futebol nacional, Libertadores, Copa do Mundo, NBA, tênis, UFC.

Somos jornalistas e faz parte da nossa profissão continuar informando, como imaginamos que o UOL continue fazendo. Mantemos a grade do SporTV no ar para cumprir nossa missão de levar informação e sermos uma companhia para milhões de amantes do Esporte que estão em casa. Lamentamos que em um momento tão difícil e delicado como esse, o UOL se preste a procurar assuntos irrelevantes em busca de cliques e de audiência.