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Flu emite nota e repudia cânticos de "time assassino" por incêndio no Ninho

Nenê comemora gol do Fluminense contra o Flamengo junto com torcedores no Maracanã - Lucas Merçon/FFC
Nenê comemora gol do Fluminense contra o Flamengo junto com torcedores no Maracanã Imagem: Lucas Merçon/FFC

Caio Blois

Do UOL, no Rio de Janeiro (RJ)

30/01/2020 15h58

O Fluminense se manifestou por meio de uma nota oficial repudiando os cânticos da sua torcida, que chamou o rival Flamengo de "time assassino" no clássico de ontem (29) no Maracanã - o Flu venceu por 1 a 0, gol de Nenê, pela quarta rodada da Taça Guanabara. A música fazia alusão ao incêndio que matou 10 crianças no Ninho do Urubu, em fevereiro do ano passado.

O Tricolor considerou "inadequada" a postura de parte da torcida no Fla-Flu e fez um apelo que outros torcedores de outras equipes não repitam o ato, chamado de "excessivo" pelo clube das Laranjeiras.

O Flamengo avalia se vai ingressar com uma notícia de infração por conta dos cantos. O clube formalizaria a notificação no Tribunal de Justiça Desportiva do Rio de Janeiro (TJD), e caberia à procuradoria-geral do órgão colocar a questão em julgamento. Em tese, o episódio poderia ser enquadrado no artigo 213 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, que trata sobre desordem na praça de desporto. Há previsão de multa e perda de mando de campo.

O presidente do Fluminense, Mário Bittencourt, também comentou o caso citando situações anteriores de natureza semelhante e reações da imprensa sobre isso: "Esse é um comportamento de todas as torcidas. A conduta de uma parte da nossa torcida foi inadequada. Não é uma crítica a quem fez, mas nós reprovamos cânticos nesse sentido. A gente reprova e não compactua com a atitude, mas não admitimos que a torcida do Fluminense seja rotulada. Não aceitamos que o clube seja sempre exposto como rótulo de tudo o que há de ruim no futebol brasileiro. Semana passada houve cânticos da torcida do Vasco e não vimos os meios de comunicação criticando. Nós não estamos aqui para julgar atitudes do Flamengo. Pedimos que se possível a torcida não repita as atitudes. Esse é um comportamento, infelizmente, de todas as torcidas."

Teve a música do Dener, o AVC do Ricardo Gomes... uma série de eventos que não vimos a mesma comoção. Esperamos que a imprensa esteja de olhos e ouvidos bem abertos para todas as torcidas, como por exemplo a do Flamengo, que lamentavelmente também tem comportamentos, de parte dela, que são reprováveis.

"Esperamos que haja matérias contra todos os comportamentos reprováveis. O futebol, nesses momentos de paixão, às vezes causa atitudes explosivas. Temos que tentar que isso pare, sem que o futebol também fique chato. O que aconteceu ontem não se encaixa nisso: é reprovável. O que houve ontem ultrapassa o limite da razoabilidade. Não podemos deixar de nos manifestarmos. Faço esse pedido à torcida que a gente possa repensar", completou o mandatário máximo tricolor.

O canto da torcida tricolor repercutiu desde o momento do jogo. Maurício Souza, técnico do sub-20 do Flamengo que esteve no comando ontem, disse que a lembrança da tragédia é um absurdo: "A gente não controla, o que podemos afirmar é que não há assassinos no Flamengo. O que aconteceu, até hoje, nos machuca. Vai ficar marcado na história do clube. Não controlo o grito da torcida adversária, que tenta de alguma forma ferir a gente com esse absurdo. Acho que deveríamos ter um pouco mais de consciência, respeitar mais o que aconteceu, porque foi um trauma para todos nós."

Hoje, o tema foi pauta em programas esportivos de televisão. Mário Marra, comentarista da ESPN, chamou a tentativa de provocação de "mesquinha": "Acho que o Flamengo tem que procurar fazer os acordos da forma mais rápida possível. São pessoas que estão passando dificuldade, e o que aconteceu não é uma coisa que possa perdurar. Agora, ali, acho que a gente precisa interpretar. Algumas pessoas da torcida do Fluminense cantando aquilo, essas pessoas não estão preocupadas com a justiça, mas estão preocupadas em desestabilizar alguém, e aí, eu acho mesquinho. Se fosse uma reivindicação em favor das famílias, eu não acharia mesquinho, mas, ali, era apenas para desestabilizar jogadores."

Confira a nota oficial na íntegra:

"Pelo Fair Play do futebol brasileiro

O Fluminense Football Club manifestou desde o primeiro momento sua solidariedade com as vítimas da tragédia ocorrida no Ninho do Urubu. Portanto, não pode deixar de registrar a inadequação da manifestação de parte de sua torcida ontem, no Fla-Flu, pois soou excessiva ao chamar o Flamengo de time de assassinos.

O fato do clube da Gávea ainda não ter resolvido a questão com todas as famílias, o que não deve ser avaliado por nós, mas sim pelos órgãos competentes, não nos dá o direito de manifestações ofensivas neste sentido, até mesmo porque temos a certeza de que independentemente da responsabilização da instituição na esfera legal, não houve qualquer conduta intencional no triste incidente ocorrido.

Aliás temos a certeza de que não só as famílias sofrem com o que ocorreu. O clube sofre, os funcionários sofrem e os dirigentes também. Seremos sempre solidários.

O fortalecimento do futebol brasileiro passa pelo entendimento de que a paixão verdadeira, embora inevitavelmente distanciada da estrita racionalidade, não pode naturalizar a ofensa como forma de manifestação.

Mas, sem abrir mão do pedido de desculpas em nome de sua torcida, o Fluminense aproveita o fato para fazer um apelo de que cessem atitudes semelhantes por parte de todas as torcidas.

Sem nos estendermos, devemos lembrar casos passados e que não envolveram o Fluminense. Lembrar também de casos atuais. Em jogo recente contra o Flamengo, parte da torcida do Vasco entoou o mesmo cântico repetido ontem por parte da nossa torcida e não vimos qualquer repercussão ou cobrança da opinião pública e das mídias esportivas sobre o fato. Em síntese, não aceitamos que o Fluminense seja mais uma vez rotulado num caso onde todas as torcidas, sem exceção, estão envolvidas. Sem falar no racismo, na homofobia ou no insulto à honra que são costumeiros nos estádios por todo o mundo.

O futebol vive da paixão, mas assim como na vida, não pode se deixar capturar por ela de forma a justificar todo o tipo de atitude inadequada.

Por fim, após relembrar que casos como o de ontem são corriqueiros em todas a torcidas, rogamos para que os olhos e ouvidos da opinião pública e especialmente da imprensa esportiva, estejam sempre abertos e atentos a este tipo de conduta que envolva todo e qualquer clube de futebol."