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Como exército colombiano reabriu ferida na família de astro do River Plate

Juanfer Quintero, à esquerda, é consolado por Matías Suárez durante jogo do River Plate em 2019 - ALEJANDRO PAGNI / AFP
Juanfer Quintero, à esquerda, é consolado por Matías Suárez durante jogo do River Plate em 2019 Imagem: ALEJANDRO PAGNI / AFP

Arthur Sandes e Bruno Grossi

Do UOL, em São Paulo

30/12/2019 17h18

Resumo da notícia

  • Juanfer Quintero se manifestou após nomeação do novo chefe do exército colombiano
  • Eduardo Zapateiro foi acusado de estar envolvido no sumiço do pai de Quintero
  • Desaparecimento aconteceu em 1995 e nunca foi esclarecido pela justiça colombiana
  • Familiares do astro do River mostram indignação com a escolha do militar

Uma escolha política do governo colombiano mexeu com um dos principais astros do River Plate, finalista das duas últimas edições da Copa Libertadores da América. O militar nomeado para chefiar as forças armadas do país é acusado pela família do meia Juanfer Quintero de ter participado do desparecimento do pai do atleta do clube argentino na década de 1990.

Jaime Quintero se alistou no exército colombiano em 1º de março de 1995 e sumiu depois de quatro dias. O caso nunca foi solucionado. O único movimento da Justiça do país foi feito por um tribunal do departamento de Antioquia, que eximiu Eduardo Zapateiro Altamiranda, o novo comandante do exército da Colômbia, de culpa no sumiço do pai de Quintero.

A nomeação revoltou a família do craque, que se tornou ídolo por marcar um dos gols do título da Libertadores sobre o rival Boca Juniors em 2018. O tio Carlos Quintero, irmão de Jaime, concedeu entrevista à Rádio Caracol, e desabafou: "Não entendo como alguém que comete delitos seja premiado. É algo muito doloroso para todos nós. Não entendo como conseguem prosperar. Queremos o que aconteceu com nosso irmão. Quem era a pessoa responsável que nos diga o que aconteceu, cara a cara".

Mais tarde, o próprio Juanfer Quintero se pronunciou em sua conta no Twitter. Confira o comunicado emitido pelo jogador, que tinha dois anos quando o pai desapareceu:

"Bom dia. Vou esclarecer uma situação que está acontecendo há vários dias e que envolve o caso de meu pai. Nunca falei sobre esse tema porque respeito e honro o legado que ele me deixou. Mas hoje vou falar e espero que essas palavras não tragam problemas a ninguém, não é minha intenção.

Não me interessa e não quero me aproveitar da notícia de que o novo general do exército, Zapateiro, a quem o presidente designou para comandar o exército do meu país (a quem respeito demasiadamente). Mas espero e desejo ter um diálogo muito em breve e saber o que aconteceu.

Estou alheio às declarações feitas por meus tios, a quem também respeito muito e sei a dor que sentem ao saber que meu pai já está desaparecido há mais de 24 anos. E ainda não sabemos o que aconteceu com ele ou para onde foi. Sofremos muito e o vazio de meu pai permanece.

Tenho direito, como filho, de saber o que aconteceu com meu pai e é isso o que busco, porque sofro com isso e vi minha família sofrer com problemas sociológicos e mentais gerados pela ausência de meu pai. O vazio permanece e eu o sinto todos os dias. Só quero saber o que aconteceu.

Para terminar, espero que tenha ficado tudo claro, mas ainda sigo esperando uma resposta e sei que saberemos a verdade".

Irmã de Jaime Quintero posa com cartaz de "desaparecido" - Reprodução/Twitter - Reprodução/Twitter
Irmã de Jaime Quintero, Silvia ainda busca explicações 24 anos após desaparecimento
Imagem: Reprodução/Twitter

A história do pai de Quintero

Jaime Enrique Quintero Cano foi jogador de futebol e passou pelas categorias de base do Atlético Nacional e do Deportivo Itagüí. Em 1º de março de 1995, saiu de casa para se apresentar à IV Brigada do Exército Nacional, na cidade de Medellín. Tinha a expectativa de ser liberado do serviço militar obrigatório, assim poderia seguir trabalhando e sustentando os oito filhos. Depois deste dia, no entanto, nunca mais foi visto por sua família.

Segundo dados levantados pelo Instituto de Capacitação (IPC), Jaime foi imediatamente integrado às Forças Armadas e, em 2 de março, enviado com outros recrutas num voo para a cidade de Carepa, a 300 km de distância. Chegou a ser designado a um batalhão, mas dois dias depois acabou expulso do Exército e enviado de volta a Medellín. É seu último registro nas Forças Armadas.

A família só soube do desaparecimento semanas depois, sendo informada por terceiros que Jaime tinha tido uma discussão com o capitão da Companhia de Instrução, Eduardo Zapateiro Altamiranda. "O capitão disse [a um vizinho dos Quintero] que Jaime deveria estar 'usando drogas nas ruas de Medellín', mas antes disso o próprio Zapateiro tinha mandado que Jaime se apresentasse à IV Brigada", contou Silvia Quintero, tia do meio-campista do River Plate, em uma entrevista à rádio Caracol.

Oficialmente, o Exército Colombiano atribui a expulsão de Jaime a "mau comportamento e consumo de drogas". Sem dar detalhes, diz que Jaime foi enviado de volta a Medellín em um ônibus de linha e que teria sido sequestrado quando este ônibus foi interceptado por um grupo armado.

Em 2001, a família Quintero entrou na Justiça contra o Ministério da Defesa e do Exército, pedindo explicações a Eduardo Zapateiro Altamiranda e cobrando indenização por danos morais e materiais, mas o Tribunal Administrativo da província de Antioquia negou todas as solicitações.

Juan Quintero criança - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
"Onde está meu papai?", diz cartaz carregado pelo pequeno Juan Quintero, em manifestação após o desaparecimento de Jaime
Imagem: Arquivo Pessoal

O desaparecimento forçado na Colômbia

O desaparecimento forçado é uma prática de violência que se desenvolveu durante as Guerras Mundiais. Um decreto da Alemanha nazista de 1941, por exemplo, determinava claramente "o desaparecimento do inimigo e a negação do conhecimento de seu paradeiro", o que transformou a ação em uma prática de Estado.

Nos Anos 1970, em vários países da América Latina, o desaparecimento esteve relacionado à perseguição de opositores em um período de repressão. Foi este o modo de operação de ditaduras não só no Brasil, mas também na Argentina, no Chile e no Paraguai.

Na Colômbia, a prática do desaparecimento forçado quase sempre tem relação íntima com o conflito armado entre Exército, guerrilhas e grupos paramilitares. Segundo um levantamento do Centro Nacional de Memória Histórica, estão documentados mais de 60 mil desaparecidos entre 1970 e 2015 - um recorde do Ocidente. Deste total, só 8% das vítimas (cerca de 2,3 mil) são agentes do Estado como era Jaime Quintero.

Os desaparecimentos na Colômbia ganharam regularidade no final da década de 1970, assim como os sequestros, os assassinatos seletivos e os massacres - todos crimes ligados ao conflito armado. Os índices aumentam regularmente até alcançarem o ápice no começo dos anos 2000. O levantamento mais recente, publicado pelo Observatório de Violência do Instituto de Medicina Legal, aponta que 3.811 pessoas foram dadas como desaparecidas entre janeiro e julho de 2019.

Eduardo Zapateiro Altamiranda - REUTERS/Luisa Gonzalez - REUTERS/Luisa Gonzalez
Eduardo Zapateiro Altamiranda tomou posse como novo comandante do Exército colombiano em cerimônia de hoje (30)
Imagem: REUTERS/Luisa Gonzalez