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"Confiei no Ronaldinho": padeiro tem R$ 77 mil presos em firma ligada a R10

Empresa está sendo investigada pelo Ministério Público por indícios de pirâmide financeira - Reprodução
Empresa está sendo investigada pelo Ministério Público por indícios de pirâmide financeira Imagem: Reprodução

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

24/12/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Padeiro do Mato Grosso afirma ter R$ 77 mil bloqueados na 18kRonaldinho e, assim como outros investidores, se diz vítima de fraude
  • Empresa dizia atuar no marketing multinível e prometia rendimentos de ate 2% ao dia sobre o valor aportado
  • Ministério Público investiga as atividades da firma, após denúncias de que se trata de uma pirâmide financeira
  • Após o fim da parceria com Ronaldinho, a 18k mudou de nome e parou de pagar a seus clientes
  • Ex-jogador disse ao MP que também foi lesado e que sua imagem foi usada indevidamente
  • 18k afirmou que já fez os esclarecimentos devidos em comunicados oficiais

Dois meses depois do anúncio do rompimento do ex-jogador Ronaldinho com a empresa 18kRonaldinho, centenas de clientes permanecem com seu dinheiro bloqueado na plataforma on-line que usavam para operar suas contas. A empresa, que prometia rendimentos de até 2% ao dia, mudou de nome, se disse vítima de fraude e parou de responder ao questionamento de clientes após bloquear saques.

O padeiro Carlos André da Silva Costa, de 28 anos, falou sobre o golpe que ele afirma ter sofrido. Habitante de Rondonópolis, no Mato Grosso, Carlos depositou todas as suas economias na empresa, confiando nas promessas de rendimento e na imagem do ex-jogador do Barcelona e da seleção brasileira. No total, o padeiro fez três aportes de R$ 48 mil.

Ele chegou a sacar uma parte desse valor com rendimento, mas ainda teria R$ 77 mil a receber, de acordo com comprovantes que enviou à reportagem. Os saques estão indisponíveis, e a empresa não deu uma data para que eles voltem a acontecer. Sem esse dinheiro, o padeiro teve que aprender a viver com o orçamento apertado: adiou uma reforma que tinha programado para sua casa e refinanciou seu carro para ter fôlego financeiro.

"Fiquei sabendo da 18k pela internet", contou ele por telefone. "O povo começou a falar, e eu admirava demais o Ronaldinho, sempre fui fã do cara, gostava do futebol dele. E como ele estava no projeto, confiei nele. Eu achava que era uma coisa legal, nunca pensei que fosse um golpe."

Carlos afirma que, depois do primeiro aporte de R$ 48 mil, ele e alguns amigos assistiram à transmissão online de um evento da empresa no Rio de Janeiro. Na ocasião, Ronaldinho foi ao palco e fez propaganda do negócio.

2% - Reprodução - Reprodução
Empresa promete rendimento de até 2% ao dia
Imagem: Reprodução

"Vi o Ronaldinho chamando a população, falando que quem entrava não perdia, que não associava o nome dele a coisa ruim, que ele estava lá só pra retribuir a paixão dos fãs, pra ajudar as pessoas. Então eu falei: 'É agora!' e coloquei mais duas contas de R$ 48 mil. Quem estava lá colocou tudo que tinha, não fui só eu. Foram várias pessoas. Tudo por causa do cara."

O UOL Esporte vem acompanhando as atividades da 18kRonaldinho desde março de 2019, quando a reportagem participou de uma reunião para captação de novos membros em São Paulo. Na época, potenciais clientes foram incentivados a fazer aportes na empresa em troca de produtos como relógios e premiação para novas indicações.

Semana depois, a 18k passou a oferecer, além disso, altos rendimentos que seriam frutos de operações na criptomoeda Bitcoin. Em outubro, o Ministério Público anunciou a abertura de uma investigação contra a empresa, que tinha indício de operar uma pirâmide financeira, prática considerada crime contra a economia popular. Na mesma época, Ronaldinho anunciou que havia quebrado o seu contrato de marketing com a 18k, o que levou muitos clientes a tentarem sacar seus investimentos, sem sucesso.

Marcelo Lara, o dono da empresa que vive nos Estados Unidos, e diretores e líderes como Bruno Rodrigues e Athos Trajano, têm dito que trabalham para resolver os problemas dos clientes.

Clientes como o youtuber Johnny Helder, cujo canal apresenta dicas de investimento. Johnny afirma ter investido cerca de R$ 200 mil na 18k.

18kRonaldinho - Reprodução - Reprodução
18kRonaldinho apresenta ex-jogador como fundador do negócio
Imagem: Reprodução

"Quando eu vi o nome do Ronaldinho eu falei: 'Gente, esse negócio é sério.' O cara não ia se expor assim. Eu estive num evento e ele estava na minha frente. Quando ele subiu no palco, eu fiz o investimento que chegou a essa cifra. Nunca imaginei que ia acabar desse jeito."

Depois que passou a questionar as dificuldades para sacar seu dinheiro e a pedir garantias sobre as operações da empresa, Johnny teve a conta bloqueada. Agora, ele faz parte de um grupo de investidores que pretende entrar com uma ação judicial contra a 18k.

Encarregado convenceu amigo a participar

Gildásio Soares, de 28 anos, mora em Brasília e trabalhava como encarregado de serviços gerais em um hospital da capital quando conheceu a 18kRonaldinho. Pensando nos altos rendimentos prometidos, ele assinou o pacote mais barato da empresa, no valor de 30 dólares (R$ 122, na cotação de hoje). Como a 18k tem operação fora do país, seus serviços são negociados na moeda americana.

"Esperei receber meu salário e fiz mais uma conta de 30 dólares. Mostrei o vídeo da empresa a um amigo que trabalhava e ele fez um aporte de 120 dólares [R$ 490] e outros dois de 30."

O dinheiro fez falta naquele momento, mas Gildásio acreditava que em poucos meses poderia vê-lo até dobrar.

"Nem contei pra minha espoa. Fiz achando que ia render, mas isso não aconteceu. Dois meses depois, antes de chegar a ter qualquer rendimento, já houve a primeira mudança de plano. Então teve uma reportagem sobre Ronaldinho sair da 18k, até que chegou na palhaçada de zerar o rendimento."

Para piorar, Gildásio foi demitido e hoje, desempregado, ainda tem que conviver com a culpa de ter levado o amigo para a empresa. "Ele ficou um pouco chateado e eu me senti culpado", conta. "Se eu tivesse dinheiro, pagava o que ele perdeu. "

Após vender moto, piloto diz que "está na mão de Deus"

Hélton Fernandes trabalha como pintor em Recife e chegou a vender sua moto para ter o capital investido na 18k. Seu investimento totalizou R$ 1.200. A ideia era conseguir o dobro disso em "três ou quatro" meses.

"O Ronaldinho disse que não associava o nome dele a coisa ruim e isso deu grande credibilidade. Até por ser um ídolo mundial, resolvemos seguir. Achamos que ganharíamos um dinheiro em cima, mas foi um golpe. No final das contas, eu e milhares de pessoas fomos lesados", conta o pernambucano.

Em vídeos e áudios que circulam no Whatsapp, o presidente Marcelo Lara tem afirmado que a empresa foi vítima de uma fraude e que por isso bloqueou o acesso de alguns clientes a sua plataforma digital. Uma auditoria teria sido contratada para esclarecer a questão e liberar os saques. Como alternativa, Lara afirmou que pessoas que tenham valores a receber seriam pagas em relógios (que poderiam ser revendidos), mas nem isso parece estar funcionando.

"Eles não falam nada, não se pronunciam", diz Hélton. "Só falaram uma vez que iam pagar com produtos. Mas já selecionei na minha conta e o produto não chegou. É só enrolação. Resolvi entregar a Deus, já era."

"Eu sabia do risco, mas achava que duraria mais"

A estudante de administração Gabriela Alves, de 25 anos, investiu sabendo do risco de a 18kRonaldinho ser uma pirâmide financeira. Nessa modalidade, um negócio obtém lucro a partir da indicação de novos membros, que remuneram a camada superior da pirâmide até o momento em que há mais gente a ser paga do que dinheiro efetivamente entrando. Essa é a hora em que a pirâmide quebra e deixa no prejuízo quem está na parte de baixo dela.

"Não é a primeira empresa nesse ramo que aparece", afirma a estudante, que trabalha como técnica de logística. "Eu já sabia como seria o fim, mas como tinha o Ronaldinho, acabou dando mais credibilidade. Eu pensava que entrando no início conseguiria recuperar o dinheiro. Como estava sentindo o risco, eu sempre fazia os saques, porque se quebrasse pelo menos eu estava com dinheiro."

Gabriela diz que investiu ao todo 2.100 dólares (o equivalente a R$ 8.575, na cotação atual). Após todos os saques que conseguiu fazer, permanecia com 100 dólares bloqueados quando conversou com a reportagem.

Prejuízo maior teve a vendedora Milca Azevendo, de 56 anos, e moradora de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Ela foi apresentada ao modelo de negócio da empresa durante uma reunião em hotel da cidade, onde conheceu seus líderes pessoalmente e resolveu investir. Tinha interesse nos rendimentos prometidos e na possibilidade de fazer um curso online de arbitragem financeira, outro dos produtos oferecidos pela empresa. No final, ficou sem rendimento e sem os cursos.

Seu primeiro aporte foi de mais de R$ 4 mil, dinheiro que hoje está bloqueado.

"Eu e meu amigo achamos que o Ronaldinho não ia atrelar o nome dele a uma pirâmide, mas não houve produto e nem rentabilidade prometida", declarou.

Advogado diz que Ronaldinho também foi lesado

Procurado, o advogado que representa Ronaldinho, Sergio Queiroz, afirmou que seu cliente também foi lesado pela 18k, já que não teria autorizado o envolvimento de seu nome em operações com criptomoedas. Ouvido por promotores do Ministério Público que investigam as atividades da empresa, o ex-jogador afirmou que foi apenas garoto-propaganda e que seu contrato só permitia à 18k vender relógios e outros produtos.

A defesa de Ronaldinho diz que tudo foi esclarecido ao Ministério Público.

Já a 18k, que hoje atende pelo nome de 18k World, afirmou através do advogado Gabriel Villarreal que "a empresa já prestou os devidos esclarecimentos aos participantes através de seus comunicados oficiais".

"A empresa não é de investimentos. Como já informado anteriormente, a empresa concedia uma bonificação à rede sobre operações feitas com capital próprio da empresa. A empresa jamais captou recursos de terceiros para suas operações. Os participantes nunca fizeram aportes a título de investimentos. Todos os valores provenientes dos participantes dizem respeito à compra de produtos que foram entregues pela empresa", afirmou Villarreal.