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Sucesso de Jorge Jesus pode abrir mercado brasileiro para portugueses?

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Marcus Alves

Colaboração para o UOL, de Lisboa (POR)

08/10/2019 04h00

Pelo menos três emissoras diferentes de Portugal já transmitiram jogos do Flamengo nos últimos meses. Antes do confronto de ida com o Grêmio, pelas semifinais da Libertadores, uma delas dedicou, inclusive, um programa inteiro de duas horas para discutir os rumos do time carioca. Some-se aí, também, o destaque quase diário nas capas dos jornais esportivos do país. Não é exagero dizer que existe atualmente uma Jorge Jesus mania para além de fronteiras rubro-negras, alcançando também o outro lado do oceano.

É um fenômeno jamais visto na imprensa portuguesa, facilmente notado nas ruas da capital Lisboa. Algo que possivelmente somente um outro técnico, José Mourinho, seria capaz de motivar hoje em dia.

Com cinco pontos de vantagem na liderança do Brasileirão, o sucesso de Jesus no Flamengo empolga, põe a imagem do clube na crista da onda e é tratado como um possível divisor de águas na relação histórica entre Brasil e Portugal. Para muitos, pode haver um antes e depois do "Mister", como o treinador acabou sendo batizado carinhosamente. A esperança dos portugueses é que o técnico de 65 anos escancare de vez as portas do mercado brasileiro.

Excetuando o Belenenses SAD, quase todos os outros 17 times da Liga Portuguesa costumam levar a campo equipes repletas de jogadores do Brasil a cada fim de semana. Na quarta rodada, por exemplo, levantamento feito pelo UOL Esporte mostrou que o número de brasileiros e portugueses que atuou por algum minuto foi o mesmo: 84.

É quase como se houvesse uma versão menos badalada do Brasileirão na Europa. Por outro lado, o mesmo está longe de acontecer com os portugueses no sentido contrário. As últimas passagens foram quase todas elas frustradas.

"Eu sinto uma certa tristeza em dizer que o mercado e a relação que existe no futebol entre Brasil e Portugal não é recíproca da parte do Brasil. Tivemos duas experiências em dois anos", conta o agente Vítor Gonçalves, da empresa ProEleven, uma das principais do país, ao UOL Esporte.

Paulo Bento no Crueiro - Washington Alves/Light Press/Cruzeiro - Washington Alves/Light Press/Cruzeiro
Ex-técnico da seleção portuguesa, Paulo Bento dirigiu Cruzeiro por 17 jogos em 2016
Imagem: Washington Alves/Light Press/Cruzeiro

"A primeira foi com o (meio-campista) Bruno Pereirinha no Athletico Paranaense. Não funcionou. Esteve bem nos primeiros jogos, depois acabou afastado da equipe, foi uma situação difícil para gerirmos. E logo em seguida, o (técnico) Paulo Bento no Cruzeiro, que carregávamos a expectativa de que pudesse fazer um bom trabalho e abrir o mercado para os técnicos", prossegue.

"Os treinadores portugueses estão bem cotados em todo o mundo, temos a vantagem em termos de língua e mesmo culturais, então, seria um novo mercado a desbravar. Não ocorreu bem por diversos fatores. [O Paulo] Entrou no clube com a temporada em andamento, expectativas altas, não foi fácil. Espero agora que o Jorge Jesus tenha todo o sucesso do mundo e consiga mostrar de novo que os portugueses estão preparados para qualquer desafio em qualquer parte do mundo", completa.

Outro cliente de Gonçalves, André Villas-Boas, que já passou pelo Chelsea e se encontra agora no Olympique de Marselha, chegou a viajar pelo Brasil e negociar com o São Paulo, mas as conversas nunca se concretizaram.

Portugueses deveriam ocupar vaga de estrangeiro?

Alex Telles no Porto - Divulgação - Divulgação
Alex Telles é um dos jogadores brasileiros de destaque na liga portuguesa
Imagem: Divulgação

Em duelo recente da Liga Portuguesa, Gil Vicente e Boavista se enfrentaram em Barcelos, no norte do país. Recém-promovido, o Gil Vicente tinha oito brasileiros entre seus titulares. O Boavista, por sua vez, contava com sete atletas na escalação. Ou seja, dos 22 nomes que começaram a partida, 15 eram nascidos do Brasil, entre eles, o goleiro Denis, ex-São Paulo, o lateral direito Fabiano, ex-Palmeiras, e outros menos famosos.

Isso acontece porque, a exemplo de outras nacionalidades, brasileiros não ocupam vaga de estrangeiros em Portugal. Até em função da ligação histórica entre os países, o desejo local é que o impacto causado por Jorge Jesus pudesse resultar em mais espaço para os portugueses também. Ou mesmo o fim do limite para lusitanos na Série A.

"O injusto nessa falta de reciprocidade é que o atleta brasileiro não conta como estrangeiro em Portugal, não existe limite, enquanto o português conta. Não digo que, por isso, levaríamos mais ou menos porque, no fim das contas, depende das estruturas, dos treinadores, se acham que o jogador português se adapta ou não ao mercado. Mas criar essa resistência, eu acho que é injusto", afirma Vítor Gonçalves.

"Esse assunto já foi falado por diversas vezes entre os empresários porque é uma limitação para a gente. Quando olhamos para o perfil do jogador, nunca trabalhamos o mercado Brasil. Trabalhamos Estados Unidos. E o Brasil, que está ali ao lado, com todo potencial que tem, clubes que tem, é um mercado apenas exportador. Não entendo o porquê. É importador apenas de jogadores da América do Sul", acrescenta.

O técnico português Sérgio Vieira passou três anos no Brasil em clubes como Athletico, América-MG e Ferroviária, entre outros. Ele vê dois cenários distintos.

"Para o treinador português, eu vejo possibilidade de mais abertura, desde que, claro, houvesse um contexto para que existisse a adaptação. Agora para os jogadores, eu enxergo um pouco mais difícil essa entrada porque o mercado brasileiro é muito grande, tem muitos jogadores, muita qualidade, então, não teria, em tese, a necessidade de buscar atleta em Portugal", afirma Vieira, atualmente no comando do Farense, ao UOL Esporte.

"Em Portugal, sim, temos essa demanda para trazer atletas de fora simplesmente porque precisamos para completar nossos elencos. Não é um luxo ou qualquer coisa do tipo", conclui.

Esse debate já acontece há anos nos bastidores do futebol local, mas só está ganhando os microfones por um motivo: o sucesso de Jorge Jesus no Flamengo. Resta ver se ele será capaz de provocar alguma mudança mais profunda na relação entre Brasil e Portugal.