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Fazenda espanhola faz jogadores brasileiros ficarem até 20% mais caros

José María Cruz é diretor geral do Sevilla - Reprodução/sevillafc.es
José María Cruz é diretor geral do Sevilla Imagem: Reprodução/sevillafc.es

Marcus Alves

Colaboração para o UOL, de Lisboa (POR)

08/09/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Hacienda (Receita Federal da Espanha) aproveitou brecha na lei para taxar brasileiros em torno de 20%.
  • França, Inglaterra e Itália, por exemplo, não sofrem com este imposto.
  • Clubes brasileiros costumam repassar taxa aos times espanhóis.
  • A prática chegou a ameaçar a ida de Renan Lodi para o Atlético de Madri

A cobrança de um imposto que gira ao redor de 20% tem feito times espanhóis apelarem ao Governo brasileiro e repensarem até a contratação de jogadores saídos direto do Brasil. A prática é relativamente nova e, na última janela de transferências europeia, chegou a ameaçar a ida do lateral esquerdo Renan Lodi do Athletico para o Atlético de Madri. No mercado recém-encerrado, outro nome a cruzar o oceano no mesmo sentido foi a revelação Rodrygo, que trocou o Santos pelo Real Madrid.

Na linha de frente do recolhimento dos tributos está a Hacienda (a Receita Federal local), que, desde 2016, aproveitou a interpretação vaga de uma norma existente no país para começar a taxar equipes brasileiras em suas vendas para a Espanha, gerando, assim, um custo extra para as operações. Em linhas gerais, contratar hoje um jogador direto do Brasil está mais caro para Barcelona & Cia.

Na prática, o cálculo se dá da seguinte forma: as autoridades cobram o imposto em cima da diferença entre o que os clubes espanhóis pagam pelo jogador e o que ele havia custado anteriormente ao time vendedor. Ou seja, caso um clube brasileiro compre um atleta por R$ 1 milhão e depois o negocie com uma equipe espanhola por R$ 2 milhões, a Hacienda fatura R$ 200 mil.

A responsabilidade pelos pagamentos recai sobre os times do Brasil, mas, naturalmente, na hora de discutir uma transação, eles têm sido empurrados para os espanhóis. A situação é ainda mais delicada quando envolve atletas que fizeram toda a formação em apenas um clube brasileiro e que, portanto, não tiveram qualquer transação prévia. Nesse caso, os 20% têm como base o valor total do acordo. O mesmo problema acontece com equipes argentinas.

Esse imbróglio surgiu graças a um acordo fiscal para evitar dupla tributação entre os dois países que, até pouco tempo atrás, nunca havia respingado nos gramados. "Temos um risco e um problema muito importante com o futebol brasileiro que possivelmente não chega ao grande público, mas influencia na saída de jogadores de lá para a Espanha", contou o diretor geral do Sevilla, José María Cruz, ao UOL Esporte durante o evento Soccerex, em Lisboa, na última sexta-feira.

"É um problema impositivo grande, um problema fiscal. Se um time do Brasil vende um jogador para a Espanha, a Hacienda vai obrigar o clube brasileiro a pagar um imposto considerável, em torno de 20% de mais valia. É uma questão que hoje só existe com Brasil e Argentina. Mas o meu ponto com isso é que esse mesmo atleta, por outro lado, pode ir para França, Inglaterra, Itália ou qualquer outro país e não terá a mesma dificuldade", acrescentou.

"Eu já tentei, dentro das minhas possibilidades, dialogar com o governo brasileiro para que negocie com o espanhol uma mudança no acordo fiscal porque acredito que nosso mercado é importante para o Brasil. Não vão deixar de vir jogadores para cá, claro, mas, hoje em dia, é mais caro e complicado fiscalmente que venha um atleta de um clube brasileiro, não importa a sua nacionalidade", completou.

Segundo Cruz, os representantes espanhóis têm discutido a questão entre si e a colocaram na mesa do presidente da Liga local, Javier Tebas, para tentar que uma solução seja encontrada e se resolva de uma vez por todas. "É algo recente. Embora a norma não tenha sido alterada em nada, a interpretação que a Hacienda dava a ela nos últimos três anos mudou para pior. É algo discutível, mas eles encontraram um filão importante para conseguir esse dinheiro antes que o assunto seja debatido num tribunal para definir quem tem razão ou não", afirmou Cruz. "De forma resumida, existe uma dupla interpretação. Antes, não a interpretavam nesse sentido", concluiu.