Topo

Incêndio no CT: Após 6 meses, Flamengo só fechou 3 acordos por indenização

Incêndio no Ninho do Urubu vitimou 10 jovens da base do Flamengo Imagem: Folhapress

Alexandre Araújo e Leo Burlá

Do UOL, no Rio de Janeiro

08/08/2019 02h00

Seis meses após o incêndio no alojamento do Ninho do Urubu, que vitimou 10 jovens que dormiam em um alojamento provisório, o Flamengo fechou apenas três acordos para indenizações, e outras oito negociações ainda deixam famílias esperando um desfecho.

Dos casos finalizados, há a família de Athila Paixão e a de Gedson Santos, o Gedinho, além do pai de Rykelmo. Com a mãe de Rykelmo e os familiares de Arthur Vinícius, Bernardo Pisetta, Christian Esmério, Jorge Eduardo, Pablo Henrique, Samuel Thomas e Vitor Isaías não houve um denominador comum em relação a valores.

As defesas estão sendo feitas de maneira independente umas das outras. Em contato com o UOL Esporte, os respectivos responsáveis pelo amparo jurídico às famílias, novamente, fizeram críticas ao Rubro-Negro, alegando que não houve procura por parte do clube para que as questões pendentes pudessem ser finalizadas.

Torcedor presta solidariedade após o incêndio no Ninho Imagem: Folhapress

Alguns advogados aguardam a finalização do inquérito policial para que os próximos passos possam ser analisados. No caso de Gislaine Nunes, que representa Rosana de Sousa, mãe de Rykelmo, a família optou por uma ação judicial contra o presidente Rodolfo Landim e também Rogério Caboclo, presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

O UOL Esporte conversou também com Rodrigo Dunshee, vice-presidente geral e jurídico rubro-negro, que justificou o fato de ainda não ter tido acordo com boa parte das famílias. Segundo o dirigente, os tratos foram em valores maiores que os pagos no Brasil em casos indenizatórios. Ele acrescentou também que o Fla tem como base para eventuais negociações o valor já pago àqueles que concordaram com o que foi proposto.

"Entendemos que a dor delas não é diferente das demais", disse Dunshee.

O que disseram os advogados?
Familiares fazem corrente em frente ao Ninho do Urubu Imagem: Reginaldo Pimenta / Raw Image

Arley Carvalho, advogado da família de Christian Esmério

"O último contato que o clube fez conosco foi há, aproximadamente, dois meses. Apresentaram a mesma proposta que já havia sido recusada. Oferecemos uma contraproposta e não tivemos mais nenhum tipo de contato, nem para falar que sim e nem para falar que não. Mostram uma inércia, uma frieza muito grande para um acontecimento desta magnitude.

Esperamos a conclusão do inquérito, que é de suma importância para termos o suporte daquilo que vamos elaborar. Não estamos vendo outra alternativa a não ser buscar o judiciário. O nome do Flamengo, quando falado, acaba gerando uma tristeza. Foi lá em que se perdeu a maior preciosidade, que é um filho. É uma frieza, um distanciamento. Na primeira partida após a tragédia, naquele Fla x Flu, houve homenagem e colocaram um laço de luto no escudo, que já está na barra da camisa".

Paula Wolff , advogada da família de Jorge Eduardo

"Não houve contato. Naquela época, houve conversa para os primeiros acordos, mas com os valores muito abaixo. Depois, mais nada. A família continua muito mal. Voltaram às atividades, mas até por necessidade mesmo. Os pais estão trabalhando, mas sempre com uma dor profunda. Choram, sentem falta, ainda mais que tinham um contato constante. É um vazio agravado pela falta de solidariedade do clube. Não há uma ligação, saber como estão. A criança morreu com a camisa do clube".

Mariju Maciel, advogada da família do Pablo

"No meu caso, não existem negociações. O Flamengo fez uma proposta há quase três meses. Fizemos uma contraproposta que não foi aceita e, desde então, não houve mais contato algum. Nossa posição é que estamos esperando a finalização completa do inquérito para ingressar com a demanda. É muito difícil conseguir valorar a dor de um pai que perde o filho. É algo que vai contra a natureza e é absurdamente dolorido. Além disso, o abandono do Flamengo, não só na negociação, é o que entristece muito. Independentemente da discussão jurídica, o sentimento é o abandono emocional. E o Flamengo, quase que diariamente, fazendo grandes contratações. A cada anúncio é como se o Pablo tivesse sido deixado totalmente de lado, como se estivesse morrendo de novo".

Thiago D'Lvanenko, advgados das famílias de Bernardo Pisetta e Vitor Isaías

"Até uns 40 dias atrás, havia uma negociação em curso. As famílias submeteram uma proposta ao Flamengo e, após longo período de silêncio, o Flamengo disse que não conseguiria chegar ao proposto. Vamos sentar com as famílias para discutir quais os caminhos a serem tomados para garantir todos os direitos delas. Desde o começo, a intenção é esgotar toda e qualquer possibilidade de um acordo extrajudicial.

A convivência [com a família] tem sido frequente e, como se pode imaginar, é uma dor que não diminui. Todos os dias falo com as famílias e há uma sensação de que as coisas não se resolvem. O principal, eles já perderam. Ainda ontem [anteontem, 6], estive com o pai do Bernardo e ele contou que, outro dia, estava dirigindo e se pegou pensando que chegaria em casa e não veria mais o Bernardo. Isso é uma dor que não tem como mensurar.

Eles estão tendo acompanhamento. O Flamengo designou psicólogas locais para isso, mas não houve, por parte dos poderes designados no clube, um contato, um afeto. Ninguém imaginava que algo como esse pudesse acontecer, as pessoas do Flamengo também sofreram, mas parece que toda essa negociação afastou um pouco o lado humano de tudo isso".

Gislaine Nunes, advogada da mãe de Rykelmo

"Entrei com uma ação há cerca de 20 dias. O Flamengo não manteve mais contato, ninguém falou mais nada. Ela [Rosana de Sousa] fica muito mal sempre. Muito abalada. É uma dor que não se pode mensurar".

Alexandre Soares, advogada da família da Arthur Vinícius

"Em relação à família do Arthur não há e nem houve qualquer negociação com o Flamengo. O clube, em nenhum momento, procurou a família para negociar. Apenas houve uma tentativa, logo após o incidente e com a presença do Ministério Público e de todas as famílias. O Flamengo se recusou a fazer o acordo sugerido pelo MP [Ministério Público]. E nada mais desde então".

Família de Samuel

A família de Samuel está tendo o auxílio da Defensoria Pública do Estado Rio de Janeiro, que, através da assessoria, confirmou que não houve acordo.

O que diz o Flamengo?
Presidente Rodolfo Landim fala após o incêndio que destruiu o Ninho do Urubu Imagem: Thiago Ribeiro/AGIF

Rodrigo Dunshee, vice-geral e jurídico do Flamengo

"Fechamos acordo com "duas famílias e meia" [Athila, Gedinho e pai do Rykelmo] das vítimas fatais, além de todos os demais sobreviventes. Tivemos muito trabalho para chegar ao valor que foi acertado com essas famílias. Conversamos com o Ministério Público, advogados, partes envolvidas, e fomos evoluindo e crescendo os valores. Chegamos em um patamar que é muito superior a tudo que se tem notícia no Brasil em casos de indenização, até em casos de culpa comprovada.

Entendemos que esses valores são corretos, tanto que foi avisado a essas famílias que não seriam lesadas em acordos futuros com outras famílias. Entendemos que a dor delas não é diferente das demais. Não pagaríamos mais do que essas receberam, até pelo ponto de vista do compromisso. Há como negociar prazos e formas, mas o nosso compromisso é esse e a vontade depende das conversas. Mas não há como negar que há um impasse.

As conversas estão sendo mantidas, estão andando. A questão do acordo é muito mais emocional que financeira. O valor é muito acima do que se paga no Brasil em termos indenizatórios. Há também a questão de se aceitar que foi um acidente.

As conversas pelas indenizações

No dia 20 de fevereiro, 12 dias após o incêndio, oito das famílias das vítimas fatais estiveram reunidas com a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. No encontro, foi explicitado como foi a negociação dos órgãos públicos com o clube. Após a reunião, Danielle Cramer, procuradora do Ministério Público do Trabalho e que integrava a Câmara de Conciliação, comentou sobre o caso.

À época, Cramer falou que a câmara buscou que as famílias recebessem danos morais e também pensão mensal até a data em que os jovens completariam 45 anos - R$ 2 milhões e R$ 10 mil mensais. Já o Rubro-Negro apontou uma soma que ficava em torno de R$ 300 a R$ 400 mil e um salário mínimo por 10 anos.

No dia seguinte, no Tribunal de Justiça, um novo encontro terminou novamente sem acordo. Os familiares pediram os valores apontados pelo Ministério Público. O Flamengo não aceitou. Na ocasião, a reunião ficou marcada pelo fato de Rodrigo Dunshee ter saído mais cedo alegando "compromissos profissionais".

Sobreviventes
Jhonata Ventura, sobrevivente do Ninho Imagem: Marcelo Cortes/Flamengo

O incêndio fez com que Cauan Emanuel, Francisco Dyogo e Jhonata Ventura ficassem internados. Cauan recebeu alta no dia 11 de fevereiro e já retornou aos gramados. Francisco Dyogo, que deixou o hospital no dia 15 de fevereiro, também já está integrado à base rubro-negra.

Já Ventura, que teve 30% do corpo queimado e recebeu alta no dia 13 de abril, ainda se recupera. Ele está tendo apoio médico do Flamengo, que vem acompanhando a situação de perto.

Inquérito
Eduardo Bandeira de Mello, ex-presidente do Flamengo, foi indiciado Imagem: Júlio César Guimarães/ UOL

No dia 11 de junho, a 42ª Delegacia de Polícia, no Recreio dos Bandeirantes, que investiga o caso, finalizou o inquérito sobre o incêndio no Ninho. O documento, assinado pelo delegado Márcio Petra, pediu o indiciamento do ex-presidente Eduardo Bandeira de Mello, por dolo eventual (quando se assume a intenção de matar) pelas mortes dos 10 jovens.

Houve ainda o pedido de indiciamento do monitor Marcos Vinicius Medeiros, Marcelo Sá e Luis Felipe Pondé, engenheiros do Flamengo; Danilo da Silva Duarte, Weslley Gimenes e Fábio Hilário da Silva, da empresa de contêineres NHJ, e Edson Colman da Silva, técnico em refrigeração.

No dia 17 de julho, porém, o Ministério Público (MP) devolveu à Polícia Civil o inquérito para que um aprofundamento nas negociações pudesse ser feito - o prazo estipulado foi de 45 dias.

No documento, o MP pede depoimento de Lucia Helena Pereira Damasceno de Lima, gerente da 5ª Gerência de Licenciamento e Fiscalização da Prefeitura, que acusa o Flamengo e dirigentes de terem colaborado por não terem cumprido o auto de interdição do Ninho do Urubu.

Além disso, depoimento de Fernando Anmibolete, presidente da ASPROCITEC (Associação dos Profissionais de Ciência e Tecnologia), instituição que denunciou que a construtora dos contêineres não estava regularizada junto aos órgãos competentes.

Uma consulta ao Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) para o esclarecimento se o mobiliário do alojamento colaborou para a propagação do fogo e uma elaboração de Autos de exame de corpo de delito indiretos, com base nas informações dos boletins de atendimento médicos (BAMs) das vítimas sobreviventes.

Ninho do Urubu
Jogadores prestam homenagem no Ninho do Urubu, CT do Flamengo Imagem: Alexandre Vidal/Flamengo

Poucos dias após o incêndio, a Justiça vetou a presença de crianças e adolescentes no Ninho do Urubu. No dia 27 de fevereiro, quase 20 dias depois da tragédia, o local foi interditado pela prefeitura. O documento que causou a interdição foi o mesmo de 2017, e nunca cumprido pelo clube. Na decisão, a Prefeitura garantia que o Ninho do Urubu funcionava "sem o competente alvará de licença para estabelecimento".

Enquanto o CT esteve interditado, o elenco profissional fez atividades na Gávea, sede do clube, na Zona Sul do Rio de Janeiro, enquanto a base utilizou a CT do Audax, em São João de Meriti, Baixada Fluminense.

Em meados de março, os campos, academia e vestiários do local foram disponibilizados aos profissionais. O local só foi totalmente liberado para todas as atividades no dia 24 de março. O elenco profissional está usando um novo módulo, inaugurado no fim do ano passado, ainda na gestão de Eduardo Bandeira de Mello. A base passou a utilizar o módulo que era usado pelo grupo principal.

Até então, a base utilizava um alojamento improvisado, em uma área que, segundo a planta original do Ninho, era destinada a um estacionamento. Cerca de 17 dias após o incêndio, os contêineres foram retirados.

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Incêndio no CT: Após 6 meses, Flamengo só fechou 3 acordos por indenização - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade


Flamengo