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Jogadora protesta, é mandada embora e sugere ter sido censurada no Sport

Sofia Sena, jogadora do Sport - Divulgação
Sofia Sena, jogadora do Sport Imagem: Divulgação

Lucas Faraldo

Em colaboração para o UOL

28/07/2019 04h00

Brigando na parte de cima da tabela de classificação na Série B do Campeonato Brasileiro masculino, o Sport vive situação distinta em sua categoria feminina, cuja equipe principal é última colocada na elite do Brasileirão, já inclusive rebaixada antecipadamente. O auge da crise que abate o time rubro-negro de mulheres data da última sexta-feira (26): Sofia Sena, meio-campista, foi desligada após reclamar publicamente das condições de trabalho oferecidas pelo clube. Em entrevista ao UOL Esporte, a atleta sugeriu ter sido censurada pela diretoria, que nega censura e condiciona a saída da atleta "à falta de clima" entre ela e a coordenação da equipe feminina.

Sofia foi contratada pelo Sport há cerca de um mês, durante paralisação parcial do Brasileiro feminino para a disputa da Copa do Mundo da categoria. Para entender a história dela e do próprio time pernambucano, contudo, se faz necessário voltar para a primeira quinzena de março, quando o clube rubro-negro fez um "vai e vem" com a equipe feminina.

Alegando dificuldade financeira, o presidente do Sport, Milton Bivar, aboliu o time, atual bicampeão pernambucano e maior campeão da história do Estadual, com sete conquistas e outros seis vices num total de 16 edições disputadas. "A gente dava apoio, investia. O que se passou? Tivemos de tirar, porque essas meninas eram todas de fora, nenhuma pernambucana. O que acontecia? O Sport tinha de dar moradia, alimentação diária, preparação diária e salário. Elas eram assalariadas, na faixa de R$ 2 mil a R$ 2,5 mil. E causava um impacto financeiro grande, uma despesa enorme. Não dava para manter", explicou o mandatário, em entrevista coletiva concedida semana passada, na ocasião da confirmação do rebaixamento das meninas rubro-negras no Brasileiro.

O que ninguém no Sport sabia em março é que, àquela altura, já havia expirado o prazo dado pela CBF para os clubes avisarem sobre a desistência da participação no Brasileiro. Se mantivesse a decisão de fechar o time, o clube poderia ser punido - entre as sanções possíveis, estava a proibição de reativar a equipe feminina por duas temporadas. O Licenciamento de Clubes da CBF, vale enfatizar, obriga agremiações da Série A, a partir de 2019, a terem equipes femininas adulta e de base.

Às vésperas da estreia no campeonato, portanto, o Sport voltou atrás e decidiu reativar o time feminino. Dessa vez, porém, seriam contratadas apenas atletas da região, prioritariamente do próprio estado de Pernambuco. Ao longo do Brasileiro, a equipe chegou a ser escalada com jogadoras de linha improvisadas no gol porque não havia goleiras no elenco. A reportagem apurou que algumas atletas recebem R$ 200 de bolsa-auxílio por mês - umas ganham mais; outras, menos. Há também promessa de pagamento das passagens.

"Nosso presidente havia montado o time de acordo com a situação real do clube ao invés de deixar o clube punido sem time por dois anos. Oferecemos as passagens e ajuda de custo. A gente sabe que, na ajuda de custo, as passagens estão no meio. Mas nosso presidente foi tão legal que ofereceu também as passagens para que as meninas usassem a ajuda de custo para comprar as coisinhas delas", alega Janira Ricardo, coordenadora da equipe, em conversa com a reportagem.

O resultado do corte de gastos é visto dentro de campo com a campanha de 0% de aproveitamento. Mais do que isso, as condições de trabalho das jogadoras estão longe das ideais. Se encontrando para os treinos de duas a três vezes por semana apenas e tendo de dividir as obrigações enquanto atletas com outros empregos, as atletas amadoras treinavam há poucos dias num campo com mato cobrindo as pernas até o joelho. Uma imagem do gramado viralizou semana passada e causou espanto entre internautas nas redes sociais.

Foi a esse cenário que Sofia se juntou, tendo procurado a diretoria do Sport mês passado em busca de uma oportunidade após perder emprego que nada tinha a ver com futebol, em Caruaru, no interior de Pernambuco. Bastaram dois jogos pelo clube rubro-negro para a meio-campista se revoltar: numa derrota de 9 a 0 para o Santos, no último dia 13, durante entrevista concedida à CBF TV ainda na saída de campo, ela disparou:

"Elas treinam todos os dias, a gente mal tem horário para treinar (...) Elas convivem mais com a bola, a gente mal toca na bola. O que falta para o Sport é foco do clube em nós. É uma dificuldade tremenda, não tem prioridade para o feminino. 'Se vira do jeito que pode, tem horário, tem uma professora, uma bola e se vira'. Isso não ganha jogo. Pode ter raça, vontade, amor? Mas isso não vai ganhar jogo."

Sofia foi repreendida internamente numa reunião com a coordenadora Janira. Uma semana se passou, e o próprio presidente do Sport, na mesma entrevista coletiva em que havia detalhado os problemas que marcaram a participação do clube no Brasileiro feminino, ironizou a jogadora por seu desabafo: "No caso da Sofia... A bichinha não tem... Se ela imaginar, se voltar a estrutura anterior que existia no Sport, ela vai ter de sair para dar lugar a jogadoras profissionais", afirmou Bivar.

Na última terça-feira (23), então, após derrota para o Audax por 2 a 0, Sofia posou para foto com as mãos na boca simulando espécie de mordaça. Ela depois compartilharia a imagem em seu perfil nas redes sociais. Foi a gota d'água para o clube desligar a meio-campista, em decisão comunicada à atleta ontem (26).

Temos mesmo que ficar calada diante dessas situações??? Conheçam a @sofiasena04 atleta do Sport Clube do Recife , que após o o jogo do Santos relatou o que estava se passando no clube. Relembre : Sofia Sena soltou o verbo após a derrota do Sport para o Santos por 9 a 0, no último sábado, pela Série A1 do Campeonato Brasileiro. Na saída de campo, a jogadora falou à CBFTV para explicar a goleada sofrida e criticou duramente a falta de apoio e investimento na equipe feminina. A gente se vira do jeito que pode, [eles falam] tem um horário, uma professora para ensinar, tem uma bola e se vira, e o resto a gente mesmo resolve. Acho que isso não ganha jogo. A gente pode ter raça, pode ter vontade, pode ter amor, mas com certeza isso não vai ganhar jogo. Falta o investimento, que a gente não tem de nenhuma forma." Ontem (23) foi mais um jogo do brasileirão feminino contra o Audax perderam por 2x0 porém tinha algo diferente que poucas pessoas pudessem perceber ... Nesta semana em uma entrevista coletiva, a resposta do presidente Milton Bivar veio expondo a própria Sofia " Além das reais condições financeiras do clube, que já é de conhecimento público. "No caso de Sofia, a bichinha não tem... Se ela imaginar se voltar a estrutura anterior que existia no Sport ela vai ter que sair para dar lugar a jogadoras que eram profissionais", comentou Milton. Imagina o que é pra uma atleta ouvir isso ? - Foi um baque , nem consegui ler toda a entrevista Depois desse triste acontecimento ontem no jogo ela estava lá , e eu perguntei Sofia por que você ainda irá jogar hoje depois do que aquele cara falou ? - Eu pensei muito nisso , mas minhas companheiras precisam de mim , eu não posso agir igual , vou até o fim por elas . Finalizou ELA ESTAVA ALI MAIS NÃO ERA SÓ POR AS COMPANHEIRAS DELA , ELA ESTAVA ALI POR MIMPOR VOCÊ QUE PASSA OU JA PASSOU POR ISSO , ELA ESTAVA LUTANDO POR NÓS MENINAS , ACORDEM !! NÃO DEIXE A SÓFIA LUTAR SOZINHA , ENFRENTEM O QUE TEM QUE ENFRENTAR ! O futebol feminino não precisa viver de migalhas, temos que lutar !! Nesse momento desejamos força a atleta , que não deixe nada nem ninguém te dininuir, ESTAMOS COM VOCÊ!

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"Já no segundo jogo de Sofia, em Santos, deu uma reportagem denegrindo a imagem do Sport (...) Aí agora em Osasco contra o Audax ela tira foto como que sendo calada pelo nosso presidente. Por que essa afronta? Eu não entendo o porquê, acabo ficando com a opinião de que ela queria os holofotes para ela", discorre Janira.

Em conversa com a reportagem, porém, Sofia rebate sua ex-coordenadora: "Nem tudo o que ela (Janira) fala é verdade. Holofotes pra mim? Fala sério, né? Em que momento falei em melhoria para mim? Se fosse assim, eu teria meu próprio time com meu nome estampado. Busquei melhoria para todas, todas as meninas e mulheres que jogam futebol."

Durante a entrevista, a jogadora enviou a foto viral da grama alta na qual as atletas treinavam. "Dá pra correr aí com bola? Além de não ter um campo adequado, há atraso de passagens e ainda da ajuda de custo", relata Sofia.

Tais informações foram negadas por Janira: "Tem médico, tem nutricionista, tem almoço e janta em dia de jogo, não deixamos faltar nada. Não entendi o porquê de Sofia criar essa polêmica toda. A gente faz de tudo pelas meninas aqui. E ela denegrindo a imagem do Sport usando nosso manto?", retruca a coordenadora.

A tal foto em Osasco, de acordo com Sofia, ilustra que teria havido tentativa de censura da diretoria do Sport diante dos protestos feitos publicamente pela atleta: "Creio que meu desligamento foi por isso (suposta tentativa de censura do clube). Janira me mandou embora e não falou nada de clima. Falou 'eu avisei para não dar mais entrevista'. Bati de frente com o presidente e ele falou com ela. Aí você já sabe", explica a jogadora.

Janira nega ter havido censura e condiciona o desligamento de Sofia a suposto comportamento inadequado: "Não havia mais clima para eu continuar trabalhando com Sofia depois das falas dela e da foto com as mãos na boca", alega.

Sobre a declaração dada pelo presidente Bivar, na qual ficou subentendido que Sofia seria inferior tecnicamente às jogadoras que defendiam o Sport até o início de março, a atleta questiona o profissionalismo da categoria feminina no Sport e no próprio futebol brasileiro.

"São pessoas que pensam nelas próprias (...) Que primeiro a categoria volte a ter condições para depois ele achar o que deve fazer. Ninguém nasce profissional, não somos preparadas para isso. Mas e ele? Falou como amador ou como profissional?", questiona. "Caráter e personalidade a gente adquire decorrer da vida", acrescenta.

Procurado por meio da assessoria de imprensa do Sport, o presidente Bivar reafirmou as declarações concedidas na entrevista coletiva de semana passada.

"Seria uma hecatombe se não fosse rebaixado"

Remendado desde o início da disputa do Campeonato Brasileiro, o lanterna Sport acumula 13 derrotas nos 13 jogos disputados até aqui, com 50 gols sofridos e apenas dois feitos. O pior dos reveses foi justamente o de 9 a 0 para o Santos que culminou nas primeiras críticas públicas feitas por Sofia. O time perderia de 2 a 1 para o São José no duelo seguinte, sendo assim rebaixado.

O jornalista Anderson Malagutti, de Recife, editor do jornal Aqui PE e do portal "Superesportes", acompanha desde o início a trajetória desastrosa do Sport no Brasileirão feminino de 2019. A convite do UOL Esporte, ele dá seu relato sobre a tragédia anunciada:

"Era muito previsível. O Sport vive um dos seus piores (senão, o pior) momentos financeiros. E às vésperas do Brasileirão resolveu cortar despesas internamente. O futebol feminino foi um deles. O time era bom, com jogadoras com passagem pela seleção e bem estruturado. Teve que correr contra o tempo para montar um novo time, já que dispensou todo o elenco. Então sem tempo, sem jogadoras de qualidade e, principalmente, sem dinheiro, seria uma hecatombe se não fosse rebaixado", analisa.

Entre as dispensadas do Sport, por exemplo, está a hoje são-paulina Ary, camisa 10 e uma das principais jogadoras do time do Morumbi, semifinalista da Série A2 do Brasileiro. Nycole, que chegou a ser convocada em janeiro para a seleção do técnico Vadão, também foi mandada embora no processo de desativação da equipe feminina; hoje está no Minas Icesp, do Distrito Federal, décimo colocado entre os 16 clubes da divisão principal.

Questionada sobre o porquê do mau desempenho do Sport, a coordenadora Janira minimiza: "No caminhar até melhoramos. Todo mundo achou que ia dar (derrota de) 10, de 15. E teve jogo que foi derrota de dois, de um gol de diferença". Restam ainda mais duas rodadas para o clube de Pernambuco cumprir tabela no campeonato.