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Najila: "Fui enganada por pessoas que só se aproveitaram da minha situação"

Najila Trindade em cena do clipe "Fogo Cruzado", de Zula, em que contracenou com o então namorado Estivens - Reprodução
Najila Trindade em cena do clipe "Fogo Cruzado", de Zula, em que contracenou com o então namorado Estivens Imagem: Reprodução

Felipe Pereira e Ricardo Perrone

Do UOL, em São Paulo

27/07/2019 04h00

A modelo Najila Trindade concedeu entrevista exclusiva ao UOL Esporte em um dos poucos contatos com a imprensa desde o início do caso. Sua última aparição pública havia acontecido há mais de um mês, quando prestou novo depoimento à polícia. Após adiantar questões centrais da conversa, o UOL publica hoje (27) a íntegra da entrevista com a mulher que acusa Neymar de estupro

Najila detalha como reagiu à alegação do ex-marido de que não houve estupro no encontro entre ela e Neymar, e fala também da relação com o filho e como tenta proteger o menino de 7 anos da superexposição pela proporção que o caso tomou nacionalmente.

A modelo ainda reclama que foi traída por muitas pessoas e bate na tecla de que o machismo afeta a maneira como o caso é avaliado pelas pessoas. A modelo se considera injustiçada e acrescenta que pretende ir até o final com a acusação. A respeito do que teria vivido no quarto com Neymar, classificou aquela noite como "macabra".

A entrevista foi feita em trocas de mensagens por WhatsApp e intermediada pelo atual advogado de Najila, Cosme Araújo Santos. Leia abaixo a íntegra da conversa com a modelo.

UOL Esporte: Como está sua rotina?

Najila Trindade: Estou me recuperando fisicamente, mentalmente e psicologicamente. Resolvi me afastar com meu filho, assim me recupero e privo-o dessa situação terrível que está me matando.

Você tem saído de casa? Qual é a reação das pessoas ao te ver?

Não tenho saído muito, na verdade. Eu saí essa semana para conhecer umas escolas e matricular meu filho, comprar uniforme, materiais didáticos etc. Saio às vezes para ir ao mercado. Algumas pessoas reconhecem, batem foto, algo bem invasivo, inclusive. Umas sorriem, outras olham com indiferença, enfim, eu não observo muito.

Como seu filho está reagindo a toda esta situação?

Tenho poupado ele disso tudo. Aqui não acessamos internet e nem vemos televisão. Mas agora ele volta à escola e é essa a minha preocupação, ou seja, cuidar dele para que cresça como um homem honesto e respeitador.

Você ainda está muito abalada?

Tem como não ficar? Eu fui conhecer alguém que queria chegar perto e isto acabou em tragédia, expectativas totalmente frustradas. Depois, fui enganada por pessoas que só quiseram se aproveitar da minha situação deplorável. Na sequência, fui exposta para o mundo inteiro na minha intimidade e tudo mais, salientando que quando "dei entrevista" ao Cabrini estava extremamente dopada. E eu, que já estava achando que estava recebendo apoio, houve um reverso e meu sofrimento aumentou. Após a entrevista pré-ordenada, a história foi totalmente distorcida de propósito, passando a ser divulgada na mídia como se eu fosse uma aproveitadora. Veja que até minha família foi vítima de acusações levianas e despropositadas.

E teve meu apartamento também que foi roubado, onde levaram todos meus pertences de valor, isto enquanto eu estava dopada, entraram e saíram de lá como se fosse casa de ninguém. Tiveram a ousadia de filmar e colocar tudo na internet. Meu filho não quis mais voltar ao apartamento porque ficou traumatizado.

Você está fazendo tratamento psicológico?

Estou me tratando, sim. Reclusa não por dever nada, mas para me recuperar, porque os danos foram grandes. Estou passando, sim, no psiquiatra. Ele tem me ajudado bastante, porque eu não estava conseguindo administrar tudo isso que aconteceu, porque veio tudo ao mesmo tempo. Muita coisa de uma só vez, comecei a sofrer dia 15 de maio e depois disso tudo desmoronou. Só passa na minha cabeça um furacão seguido de outro. Mas, hoje, estou melhor se comparado aos outros dias logo após o episódio macabro naquele hotel em Paris.

O que você achou das brincadeiras na internet de as pessoas te agradecendo pelo título brasileiro na Copa América?

Não vi muito sobre, porque não estou acessando a internet. Estou reclusa do meio social, provisoriamente, contudo, recebi de alguns amigos umas imagens, visualizei e pensei: "queria estar feliz e comemorando a Copa América com as pessoas que estão ao meu lado", mas não foi possível, pois estava muito abalada. Embora cruelmente algumas pessoas desprovidas de sentimentos acham que quis dar golpe. Golpe baixo foi o que recebi. Mas vida que segue. Deus sabe de tudo.

O que você acha das declarações de seu ex-marido de que não houve estupro?

Como eu disse, não vejo nada na internet. Desde que tudo isso começou, fiquei fora do ar, literalmente. Mas hoje várias pessoas me enviaram o link da matéria sob o título: "Não houve estupro", então eu acabei lendo.

Achei desnecessário e até mesmo me gerou um certo repúdio quando eu li que Estivens era "testemunha-chave". Mas chave de quê? Eu realmente não sei o que está acontecendo com as leis ou com a aplicação das leis com igualdade. Seja para rico ou pobre.

Primeiro, Estivens não pode afirmar nada com total convicção por que ele não estava lá, portanto nada viu, nada sabe e nada prova. Deve ser levado em consideração que ele é meu ex e não sabe da minha vida, sequer sabia que eu ia viajar, o que já demonstra que da minha vida ele não tem conhecimento. Então, como pode ser testemunha-chave?

Quando você tratou do estupro com seu ex-marido? Ele diz que foi por telefone no dia seguinte a seu encontro com Neymar.

Falamos, sim, ao telefone porque eu liguei para falar com meu filho, e acabei contando meio que por cima e envergonhada a aflição que eu estava passando, e ele não demonstrou compaixão e tão pouco interesse em saber. Por perceber frieza e descaso da parte dele, resolvi então cessar o assunto.

Vejo que hoje ele está se interessando mais pelo assunto do que na época. Por qual motivo? Por que não relatou sobre ter visto a outra parte do vídeo? Por que só agora? Não é muito estranho?

Depois que toda essa tragédia veio a público, percebo com clareza que a forma com que ela está sendo conduzida me dá mais certeza de que precisamos falar urgente da cultura do estupro e do machismo.

Por outro lado, como acreditar no Estivens que é uma pessoa que tem ficha na polícia por agressões a mulheres em dois relacionamentos? Ele pode ter mais credibilidade e voz do que a vítima agredida e violentada sexualmente? Ainda falando sobre o tal ex. Ele não é meu porta-voz, até pelo desenlace amoroso.

Agradando ou não quem não acredita em mim, lutarei em defesa das mulheres e não contra elas. O senhor Estivens tem parcela de culpa dessa minha ira contra os homens que maltratam mulheres, e ele sabe muito bem o porquê...

Você não pretende desistir?

Estou sofrendo retaliações, porque as pessoas ainda não entenderam o que de fato aconteceu. Cada um analisa o caso ao bel prazer, quando não é com fanatismo, e por conta do futebol.

Registro ainda que, como fiquei muito fragilizada, sem energia e dopada demais, não pude dar continuidade na minha luta. Foi aí que entraram pessoas que não entendem ao certo o que está acontecendo, mas visando um momento oportuno, para notoriedade ou mesmo levar vantagem de qualquer forma, e isto tem dificultado o bom andamento de uma situação, que, se fosse envolvendo uma pessoa diferente, tudo teria sido mais simples.

Você se considera traída por quem se aproximou de você?

Desde que tudo isso aconteceu, ninguém se aproximou de mim com o intuito de me ajudar. A forma com que as coisas estão hoje mostra claramente isso. A todo tempo eu peço por justiça somente. Justiça.

Sinto que se aproveitaram do meu desespero, do meu trauma e desorientação. O que me preocupa ainda mais como esse caso é tratado aqui no Brasil. De forma ignorante e desumana.

Não tive apoio em nenhum momento, só porque se trata de uma celebridade com poder aquisitivo e econômico, circunstância esta que está me sufocando, e que posso afirmar, deve ser o mesmo grito de socorro sem eco da mulher que está sendo violentada agora, ou daqui a alguns minutos.

Desculpe, mas o que um homem sabe a respeito das lutas de uma mulher? Crio meu filho sozinha. Saí de um relacionamento extremamente abusivo, no qual o agressor tem ficha de agressão a um relacionamento anterior, e nega que agrediu em ambos os relacionamentos.

Pega o filho uma vez no mês para passar a tarde no parque e não ajuda com pensão alimentícia há mais de dois anos. Então, o que eu tenho a dizer é que essa pessoa [Estivens], não me representa porque essa pessoa nunca me respeitou como mulher e não sabe nada sobre minhas lutas diárias.

E parte desse meu jeito de viver na defensiva contra esses tipos de homens eu devo a Estivens, que agora vem também de maneira dissimulada defender meu algoz.

Essa luta se tornou bem maior do que eu imaginava. Estou tentando fugir dela, mas irei meu recuperar para enfrentá-la. Acho que é meu karma.

Como você pretende reconstruir sua vida?

Eu ainda não sei como vou reconstruir minha vida, mas de uma coisa eu sei: eu irei reconstruí-la. Não é a primeira vez que o machismo e a injustiça me destroem. Dessa vez, teve um impacto maior, mas tenho fé e esperança que essa tempestade irá passar.

Antes de mais nada quero voltar a me sentir viva, me reencontrar porque em meio a todo esse fogo cruzado eu me perdi. Eu me fortaleço dia após dia pelo meu filho, pois sei que ele precisa de mim e preciso criá-lo para não ser um futuro agressor de mulheres, já que referência boa ele não tem. Principalmente do nosso país, infelizmente.

Procurado pela reportagem, Estivens rebateu as acusações feitas por Najila.