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Ex-atletas dizem que CBF ignorou estudos e cobram demissão de Vadão

O técnico Vadão e o coordenador Marco Aurélio Cunha têm sido criticados pelo trabalho à frente do futebol feminino na CBF - Lucas Figueiredo/CBF
O técnico Vadão e o coordenador Marco Aurélio Cunha têm sido criticados pelo trabalho à frente do futebol feminino na CBF Imagem: Lucas Figueiredo/CBF

Jamil Chade

Colaboração para o UOL, em Genebra (Suíça)

17/07/2019 04h00

Ex-integrantes de um grupo de trabalho convocado pela CBF para montar um plano para o futebol feminino criticam a atual gestão da entidade e cobram mudanças.

Com exclusividade pelo UOL, o grupo alerta que as recomendações feitas pelas especialistas que trabalharam a pedido da CBF foram ignoradas e aponta que a entidade está mantendo administradores e técnicos que fracassaram em seus resultados.

O protesto foi elaborado pelas ex-atletas da seleção Juliana Cabral, Marcia Taffarel e Leda Maria, e pela pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Silvana Goellner, que também fez parte da iniciativa da CBF. O levantamento de dados também contou com a jornalista Lu Castro, que fez parte do grupo de trabalho da entidade máxima do futebol nacional.

A decisão do grupo de atacar a atual gestão da CBF ocorre depois de a seleção cair nas oitavas de final na Copa do Mundo, na França.

"2019 já se tornou um marco para o futebol de mulheres. A visibilidade conquistada pela modalidade, seleção e jogadoras em função da Copa do Mundo da França e sua inédita transmissão por um canal aberto brasileiro mostraram que o futebol feminino tem público, audiência e mercado", declararam.

Mas as ex-integrantes de iniciativas propostas pela entidade do futebol lamentaram a situação do Brasil. "A pífia participação de nossa seleção no Mundial e o silêncio da CBF sobre as necessárias alterações no comando administrativo e técnico do futebol feminino são reveladores do quanto as mulheres ainda são pauta secundária na agenda política da instituição", alertaram.

marta - Loic Venance/AFP - Loic Venance/AFP
As integrantes do protesto trataram a participação do Brasil na Copa de 2019 como "pífia"
Imagem: Loic Venance/AFP

Para elas, porém, não se pode falar de falta de tempo. "Marco Aurélio Cunha e a comissão técnica capitaneada por Vadão não chegaram ontem à instituição", lembraram.

"Vadão passou a comandar a seleção feminina em abril de 2014 e Marco Aurélio Cunha, após renunciar ao cargo de vereador de São Paulo, assumiu como coordenador das seleções femininas em maio de 2015", indicaram.

"Ambos integraram o Grupo de Trabalho sobre Futebol feminino, estruturado pela CBF em 2016 para subsidiar o seu Comitê de Reformas. Este grupo debateu vários temas relacionados ao desenvolvimento da modalidade elaborando um documento com onze recomendações, todas elas aprovadas pelo Comitê de Reformas e grande parte delas, passados quase 4 anos, ainda não implementada", atacaram.

De fato, uma das denúncias se refere à decisão da CBF de ignorar o que o Grupo de Trabalho, em 2016, havia sugerido.

"A insatisfação com a atuação do Coordenador Técnico de Seleções, Marco Aurélio Cunha, resulta da percepção de que não apresenta vontade política nem planejamento estratégico para o desenvolvimento da modalidade de forma a atingir patamares compatíveis com os países nos quais o futebol feminino tem projeção e reconhecimento", alertam.

Como coordenador técnico, ele não teria implementado as seguintes ações recomendadas e definidas do Grupo de Trabalho:

  • Criação de um departamento específico do Futebol Feminino na CBF;
  • Metodologia de trabalho para orientação do Futebol Feminino;
  • Realização de um curso específico para treinadoras;
  • Normatização das competições organizadas por terceiros e chanceladas pela CBF;
  • Implantar Campeonatos de Categorias de Base sub-17 e sub-20, com o apoio de plano de marketing;
  • Criação de um sistema para cadastramento e monitoramento de atletas vinculadas às seleções. O trabalho chegou a ser efetivado em parte pela comissão técnica que acabaria sendo demitida;
  • Criação de metodologia de trabalho pela CBF para direcionamento e orientação geral nas diferentes categorias do futebol feminino;
  • Aprimoramento da categoria sub-15;
  • Pesquisa nacional do futebol feminino buscando a elaboração de um diagnóstico sobre número de praticantes, equipes, regiões.

Demissão

emily lima - Pedro Ernesto Guerra Azevedo/Santos FC - Pedro Ernesto Guerra Azevedo/Santos FC
A demissão de Emily Lima do comando da seleção feminina foi lembrada
Imagem: Pedro Ernesto Guerra Azevedo/Santos FC

Um dos pontos destacados refere-se ao desligamento precipitado de Emily Lima, primeira mulher a comandar a seleção principal. Segundo elas, o prazo exíguo de dez meses na função impediu que tivesse tempo suficiente para que consolidasse a estruturação e execução de seu planejamento.

Em seu lugar vieram Vadão e a comissão técnica anterior, ainda que com resultados precários e sem grande expressividade considerando o investimento que a CBF havia feito na criação de uma seleção permanente no período de 2014 a 2016.

"Esta atitude explicitou o que consideramos refutável em tempos de reavaliação das posturas institucionais: o retorno de Vadão e sua comissão parece ter se dado por afeto e não por capacidade", denunciaram.

Emily Lima chegou à seleção em 2 de novembro de 2016 e realizou dez jogos com a seleção. Quatro deles pelo Torneio Internacional de Manaus, onde foi campeã com quatro vitórias (duas diante da Itália, uma contra a Rússia e outra contra a Costa Rica).

Em 2017, sem a oportunidade de disputar a Algarve Cup (competição tradicional em Portugal em que o Brasil participou em apenas duas ocasiões, em 2015 e 2016 sob o comando de Vadão), foram marcados alguns amistosos que aconteceram ao longo do mesmo ano até sua demissão, em 22 de setembro de 2017.

Nestes jogos, Emily enfrentou Bolívia, Espanha, Islândia, Alemanha e Austrália obtendo três vitórias e três derrotas contra seleções ranqueadas entre a 2ª até 18º posições e a Bolívia, que não atingiu marcas para ranqueamento.

Base

seleção 1 - Naomi Baker - FIFA/FIFA via Getty Images - Naomi Baker - FIFA/FIFA via Getty Images
Marta alertou que não estará disponível para sempre; futuro da seleção preocupa ex-atletas
Imagem: Naomi Baker - FIFA/FIFA via Getty Images

Também preocupa o grupo a ausência de um plano para a base. "Em maio de 2015, Doriva assumiu a seleção sub-20 e disputou dois Sul-Americanos e três Copas do Mundo. Em setembro de 2018, a CBF o demitiu e desde então as categorias de base femininas estão sem comando e atividade, além da ausência de competições nas categorias sub-15, sub-17 e sub-20", alertaram.

"Esta ação tem favorecido o pouco investimento de clubes nas categorias de base que se deparam com a ausência de um calendário sistemático de competições", explicaram.

Elas apontam que ainda que se fale com entusiasmo em 2019 sobre a criação do Brasileiro Feminino sub-18, o formato da competição e os grupos formados indicam que a categoria de base feminina "tem um longo e árduo caminho a percorrer se falarmos de Brasil".

"Algumas competições estão acontecendo neste momento e estão sem acompanhamento de uma comissão técnica da CBF dado que as atividades de base estão sem comando desde setembro de 2018", indicaram.

Uma situação diferente estaria ocorrendo em São Paulo, onde elas acreditam que as categorias de base femininas têm recebido atenção e ações especiais. Um dos motivos: a liderança da ex-capitã da seleção, Aline Pellegrino, como Diretora de Futebol Feminino da Federação Paulista de Futebol.

Para elas, isso é a "prova irrefutável de que para gerir a modalidade é necessário ter vivência, aptidão para o comando através do conhecimento das necessidades e, por fim, mas não menos importante, amor por aquilo que faz".

Números

vadão - Naomi Baker - FIFA/FIFA via Getty Images - Naomi Baker - FIFA/FIFA via Getty Images
O nome de Vadão é questionado por falta de envolvimento com o futebol feminino
Imagem: Naomi Baker - FIFA/FIFA via Getty Images

Para o grupo, o que existe hoje é a "manutenção de uma comissão técnica vacilante amparada por uma coordenação com nenhum - até então sabido - envolvimento com o futebol de mulheres". Segundo elas, as provas seriam os números e resultados dos últimos anos.

"Vadão esteve à frente da seleção por 33 jogos oficiais contando Copa do Mundo, Jogos Olímpicos e Sul Americano. Nestes jogos, obteve 24 vitórias, dois empates e seis derrotas. Não seria um número ruim não fosse pelas adversárias e as situações", alegaram.

Desses 33 jogos oficiais, o percentual de vitórias totais da seleção sob o comando de Vadão é de 73%. Mas se considerar apenas jogos contra seleções de peso entre as sete melhores do ranking, a taxa de vitórias cai para apenas 20% e o número de derrotas é de 60%.

No caso dos amistosos, elas destacam que "os números mais recentes assustam e já deveriam ter sido levados em consideração": foram nove derrotas consecutivas. No total, foram 34 jogos amistosos com dez vitórias, sete empates e 17 derrotas. "Contra as potências, obteve vitória em apenas 20% das vezes e derrota em 67% dos jogos", indicaram.

Destes 33 jogos oficiais, 27 foram contra seleções que ocupam da 7ª até a 91ª posição no ranking.

"O percentual de vitórias com este recorte é bom, mas não traduz nada de novo ao olharmos para o desempenho dos outros técnicos que passaram pela seleção", alertaram. Elas ainda completam que esses números incluem disputas de primeira fase de torneios. Mas que o time cai nas oitavas ou quartas de final, quando finalmente se enfrenta seleções de peso.

"Se é por resultado, se é por desempenho que um técnico deve ser mantido no cargo, então este não é o caso de Vadão, muito menos de Marco Aurélio Cunha que o avalizou num retorno comprovadamente fracassado", completaram.

Como resultado, a seleção feminina brasileira que chegou a ocupar a 3ª posição do ranking FIFA ao final de 2011, ainda ocupa hoje a 10ª posição, a pior desde a criação do ranking, em 16 de julho de 2003. "E ainda há quem diga que estamos muito bem. A pergunta que nós fazemos recorrentemente é: quanto tempo ainda teremos de atraso?", questionam.

Todos ouvidos

rogério caboclo - Lucas Figueiredo/CBF - Lucas Figueiredo/CBF
O presidente da CBF, Rogério Caboclo, é cobrado por mudanças
Imagem: Lucas Figueiredo/CBF

Procurada, a CBF rebateu os argumentos e insistiu que o Comitê de Reformas "foi uma iniciativa muito importante para aperfeiçoamento de processos da entidade". "Um fórum amplo, democrático, onde especialistas em cada um dos Grupos de Trabalho se reuniram, foram ouvidos, debateram ideias e apresentaram sugestões para o constante desenvolvimento institucional".

"Trata-se de um plano contínuo para ajuste dos processos, muitos já finalizados e outros tantos em evolução", explicou a entidade.

Segundo a CBF, "o relatório final do Comitê de Reformas apresenta 8 sugestões para o tema futebol feminino, divididas basicamente em duas grandes áreas: competições e seleções".

"Em ambas, há notória evolução, o que não retira da CBF a prerrogativa e a responsabilidade de fazer um permanente acompanhamento para implementar as soluções em busca dos melhores resultados", disse.

"Importante referir que hoje o Brasil já conta com um Campeonato Brasileiro organizado e normatizado, em duas divisões, como, aliás, era sugestão do GT do Futebol Feminino do Conselho de Reformas. São o Campeonato Brasileiro Feminino A1 e o Campeonato Brasileiro Feminino A2, totalizando 56 clubes em atividade", explica a entidade.

"Por conta do Programa de Licenciamento de Clubes da CBF, os chamados "clubes de camisa" voltaram ao cenário do futebol feminino, o que tem atraído torcedores e marcas interessadas em patrocinar a modalidade", disse a CBF, em uma nota.

"Inclusive notícias recentes dão conta de patrocínios exclusivos fechados pelos clubes para suas equipes femininas, o que é um grande avanço em relação ao financiamento do futebol feminino por parte das agremiações. A CBF vem tendo papel decisivo nesta retomada, auxiliando e orientando os projetos, que, obviamente, necessitam de tempo para maturação", apontou.

"Importante ressaltar ainda que está sendo realizado no Brasil, pela primeira vez na história, um campeonato de categorias de base feminino: o Campeonato Brasileiro sub-18, com 24 equipes", disse a entidade.

"Isso tudo resultou em um número recorde de atletas registradas no sistema da CBF este ano: 3.639 em clubes de todo o país", destacou.

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Com o São Paulo na Série A2, Cristiane é uma das atletas que disputam o Brasileirão feminino
Imagem: Renata Damasio/saopaulofc.net

Na área do marketing e do desenvolvimento do produto, a CBF informa que "pela primeira vez os campeonatos femininos contam com transmissão de 100% dos jogos e em tantas plataformas diferentes, que vão desde a televisão aberta até as redes sociais".

"A CBF entende que esta visibilidade é, sem dúvida, o primeiro grande passo para valorização e expansão do produto do ponto de vista comercial. Era algo historicamente reivindicado pelas jogadoras, pelos clubes e pelos torcedores", indicou.

Sobre seleção brasileira feminina, a CBF manifesta um "extremo orgulho pelo papel desempenhado pelas jogadoras nas competições disputadas recentemente, algo reconhecido pela opinião pública e pela imprensa do país".

"Inclusive, em reconhecimento, a CBF decidiu triplicar a premiação paga às jogadoras que disputaram a Copa do Mundo, que receberão a bonificação como se tivessem disputado a fase semifinal", argumentou a entidade.

"Do ponto de vista estrutural, a CBF tem feito todos os esforços para dar à seleção brasileira as melhores condições de trabalho em busca dos resultados, que iniciam pelo frequente uso das instalações de excelência da Granja Comary e passam pelos melhores equipamentos e recursos tecnológicos", destaca.

"Um dos exemplos é o projeto que vem sendo desenvolvido pela coordenadora técnica Beatriz Vaz, em parceria com o Departamento de Análise de Desempenho, de criação de um sistema de monitoramento de atletas para todas as categorias da seleção brasileira, algo fundamental para o acompanhamento e a revelação de novas jogadoras", explica.

Sobre o futuro, a CBF ressalta que "os profissionais à frente de cada uma das equipes têm feito um trabalho dedicado e merecedor de extremo respeito".

A entidade ainda "reitera que quaisquer avaliações sobre mudanças ou melhorias a serem executadas devam ser tratadas internamente e depois, no devido tempo, comunicadas aos torcedores brasileiros".

"Por fim, a CBF ressalta que tem estado aberta à participação de representantes do futebol feminino brasileiro em suas diversas instâncias de discussão, como já foi à época no Comitê de Reformas e está sendo agora no recém criado Conselho de Craques, para onde convocou duas ex-atletas históricas da seleção feminina: Pretinha e Michael Jackson", justifica.

"Um ambiente democrático e colaborativo, onde são debatidas as melhores soluções para o desenvolvimento cada vez maior do futebol brasileiro de forma integral", completou a nota da entidade.