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Tottenham viveu caos com estádio e não gastou um centavo para ir à final

Lucas Moura, a última contratação do Tottenham, marcou três gols e colocou o time na decisão - VI Images via Getty Images
Lucas Moura, a última contratação do Tottenham, marcou três gols e colocou o time na decisão
Imagem: VI Images via Getty Images

José Edgar de Matos

Do UOL, em São Paulo (SP)

09/05/2019 04h00

O Tottenham contrariou todos os prognósticos para chegar pela primeira vez à final da Liga dos Campeões da Europa. Os três gols anotados pelo brasileiro Lucas Moura, responsáveis pela vitória de virada por 3 a 2 sobre o Ajax, na Holanda, colocaram um time com temporada caótica fora das quatro linhas na decisão mais nobre do futebol de clubes europeus. O adversário será o Liverpool, dia 1º de junho, no estádio Wanda Metropolitano, em Madri.

O clube londrino tratou como principal acontecimento da temporada a inauguração do novo estádio. Orçado em mais de R$ 5 bilhões, a arena que substituiu o antigo White Hart Lane se sobrepôs aos objetivos esportivos e quase se tornou um problema institucional.

O alto investimento na própria casa impediu o técnico Mauricio Pochettino de simplesmente reforçar o próprio elenco. Não foi gasto um centavo em reforços para a temporada 2018/2019, que pode terminar com o maior título da história do centenário clube londrino.

O novo estádio do Tottenham ficou pronto com seis meses de atraso, depois de dois anos de construção. A inauguração veio somente no mês passado. Com toda a modernidade, a arena afastou a pressão da diretoria pela demora na entrega da casa dos Spurs, que jogaram durante este período de obras no histórico Wembley, palco da final da Copa de 1966.

Lucas Moura bola - Tottenham Hotspur FC via Getty Images - Tottenham Hotspur FC via Getty Images
Lucas fez três gols, levou a bola do jogo e entrou para a história do Tottenham
Imagem: Tottenham Hotspur FC via Getty Images

Todo este investimento e foco na conclusão das obras atrapalhou o campo. Uma das principais forças da liga que mais investe em contratações no planeta (Campeonato Inglês), o Tottenham se afastou de qualquer disputa pelo título na briga com Manchester City e Liverpool e via a Liga dos Campeões como alternativa. Entretanto, não havia dinheiro para novos jogadores, ainda mais em um mercado inflacionado.

Foram duas janelas completas sem contratar ninguém. Coube justamente ao último reforço, Lucas Moura, colocar o time na decisão. O brasileiro chegou aos Spurs no dia 31 de janeiro de 2018, o derradeiro dia da janela de transferências de meio de temporada na Europa.

Jogador de elenco, mas nunca incontestável com Pochettino, Lucas substituiu a estrela e símbolo Harry Kane na Holanda e justificou o investimento de 25 milhões de euros (R$ 98,7 milhões no ato para contratar o ex-são-paulino). Três gols que tiraram uma desvantagem de dois gols contra o embalado Ajax e colocou o Tottenham na decisão europeia.

Pochettino se "vira com o que tem"

A falta de recursos para o mercado da bola, ainda mais comparados a rivais diretos na Inglaterra como Manchester City, Manchester United e até o próprio Liverpool, obrigou Pochettino a reinventar o próprio time. Nesta reta final, por exemplo, o treinador argentino mudou parte da dinâmica ofensiva para encaixar Lucas como substituto do goleador Harry Kane, fora desde janeiro por uma lesão no tornozelo.

Pochettino Tottenham - Matthew Childs/Reuters - Matthew Childs/Reuters
Pochettino comemora depois de fazer história: sem investimento, levou o Tottenham para a final da Champions
Imagem: Matthew Childs/Reuters

O brasileiro, costumeiramente um jogador de lado de campo (ponta), atuou por vezes centralizado para ocupar a vaga do capitão da seleção da Inglaterra. Diante do Ajax ontem (08), o substituto direto de Kane, o espanhol Llorente, entrou apenas no segundo tempo e deu ainda maior liberdade para Lucas, que decidiu a classificação para os Spurs.

As mudanças de panorama nasceram no início da temporada. Pochettino era informado de que não havia dinheiro para investimentos no mercado. A chance de perder peças fundamentais como Kane, Dele Alli e Son crescia, mas todos seguiram e obrigaram o argentino a modificar o discurso para um elenco que já estava acostumado ao modo de trabalho do treinador.

"Possibilidades para contratar: nulas. Jogadores que queriam ir: vários. Chamavam-me durante a Copa do Mundo e me diziam: 'mister, se tal equipe me quiser, eu vou'. Respondia para falar com o presidente, e diziam: 'sim, mas quero te dizer que sonho em jogar em tal clube'. Eu dizia ao presidente: 'desconfie do jogador que quer ficar, não do que quer sair, porque o que sair muitas vezes faz isso por ser ambicioso e ganhar títulos, e é esse cara que o Tottenham precisa", declarou, em entrevista ao jornal El Pais.

"Fomos honestos: 'garotos, aqui todos buscaram uma saída e os objetivos individuais, então me comprometo a julga-los a partir de agora. Não vou pensar se você quis sair, se não jogou no ano passado ou se teve problemas de comportamento. Não me importa nada o que passou no ontem. Vou enxerga-los como se estivessem chegado agora no time'. Sem esse compromisso que adquirimos, seria impossível, porque assim manteríamos as mesmas batalhas dos últimos quatro anos. Como fazer uma gestão disso? Todos verem que começariam no mesmo nível fez a gente estar aqui", acrescentou o treinador, antes de bater o Ajax.

Esta análise permitiu a jogadores como Lucas terem a chance de assumir o papel de protagonista. Depois de o brasileiro ter a noite mais marcante da carreira na Europa e classificar o Tottenham, Pochettino chorou ainda no gramado. Os limites impostos pelo investimento zero acabaram ignorados, e o time londrino chegou surpreendentemente à final da Champions League.

"Choro de alegria por ver meus jogadores lutarem contra a adversidade. Há que trabalhar com muita paixão para conseguir as coisas", declarou, ainda no gramado, depois de comandar a equipe em uma noite histórica em Amsterdã.