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Fã de Mourinho, uruguaio volta ao Flu anos após barbárie nas Laranjeiras

Leo Percovich retorna ao Flu duas décadas depois de defender o gol tricolor - Mailson Santana/Fluminense
Leo Percovich retorna ao Flu duas décadas depois de defender o gol tricolor Imagem: Mailson Santana/Fluminense

Leo Burlá

Do UOL, no Rio de Janeiro

29/09/2017 04h00

“Cidadão do mundo”, como ele mesmo se autodefine, Galileu Galilei Percovich, o Léo, está de volta ao Fluminense depois de cerca de duas décadas. Protagonista de uma batalha campal nas Laranjeiras em 1996, o uruguaio de família italiana rodou o planeta, aprendeu a admirar nomes como José Mourinho e agora é técnico do sub-20 do Tricolor.

Os cabelos loiros ganharam tons grisalhos, mas não se confunda. Foi ele que, com o Fluminense ameaçado de rebaixamento, cruzou o campo para peitar Ricardo Pinto em uma das confusões mais tristes do futebol brasileiro. Ex-goleiro do clube tricolor e à época titular do Atlético-PR, Ricardo foi acusado de provocar a antiga torcida nas Laranjeiras e despertou a ira de Léo, que chegou a fazer uma falta no rival depois de subir ao ataque para cabecear.

Quando o apito final soou, uma multidão invadiu o gramado e Ricardo Pinto acabou levando uma verdadeira surra. Deixou o campo carregado, precisou fazer uma cirurgia para retirar um coágulo no cérebro e nunca mais jogou futebol em alto nível. Foi só o episódio mais extremo de um ano muito ruim para o Fluminense, que terminou aquele Brasileirão rebaixado à Série B – só cairia de fato no ano seguinte, após mais uma campanha entre os quatro piores.

A paquera para que o uruguaio voltasse ao Flu em outra função começou em 2013, em Milão. Só que o pedido de namoro só foi feito este ano, assim como a efetivação do casamento. Neste intervalo de 21 anos de distância, o treinador enxerga os tempos sombrios do clube como uma memória remota. Sentado em um degrau da arquibancada das Laranjeiras, Percovich contou à reportagem dos dias sombrios que culminaram na queda do clube à Série B em 1996: viagens de ônibus, refeições na beira da estrada e a falta de salário compunham o cenário do pesadelo tricolor

Mas a relação de Percovich com o Fluminense foi à prova de dor. Exceto a mágoa com a diretoria do ex-presidente Álvaro Barcellos ["era desesperador e frustrante trabalhar", lembra], o ex-goleiro ocupou um lugar de destaque no coração da torcida na época. Em um time que o torcedor prefere esquecer, o uruguaio assumiu o papel de porta-voz do sofrimento tricolor em campo. Alçado ao posto de "herói" após a briga por ter encarado Ricardo, o uruguaio deixou o estádio nos braços da torcida, literalmente. No meio da rua, prometeu até que o time não deixaria o clube ser rebaixado.

"Só tínhamos a cara para dar à tapa, mas alguns preferiram esconder a cabeça. Aquela lembrança [da briga] foi a da consequência de uma soma de frustrações, de uma impotência que você materializa ao tentar levar o time adiante na cara e na coragem. Foi um momento triste, é anti-futebol, mas foi um aprendizado para todos nós. Você se identifica tanto com o torcedor que passa a ser um deles. Aí é que está o erro: você é um profissional quando entra em campo", contou.

Voltas pelo mundo e lições de Mourinho

Léo Percovich hoje está de volta às Laranjeiras em outra função. A bagagem veio carregada de experiências acumuladas pelo mundo. Como assistente-técnico, passou anos nos Estados Unidos em equipes como Chicago Fire, Toronto FC, Chivas USA e Colorado Rapids. Depois, foi ser o auziliar de Aitor Karanka, braço direito de José Mourinho no Real Madrid, no inglês Middlesbrough.

No Flu, chega com a missão de entregar a Abel jogadores o mais lapidados possíveis. E o novo comandante do sub-20 tem sido figurinha carimbada nas atividades da equipe de cima. Como inspiração para servir bem o profissional, Leo pretende adotar a intensidade com a qual o famoso treinador português, hoje no Manchester United, encara um simples coletivo.

"O Brasil tem um talento individual incrível, mas é um futebol com uma intensidade mental muito baixa. A concentração durante o jogo é muito intermitente, e isso dá problemas táticos. Mas você não pode chegar aqui, fazer um modelo europeu e mudar tudo de uma vez. Tem de ser degrau por degrau. Se quiser fazer tudo de uma só vez, os jogadores vão ficar estressados em um mês", disse Leo.

Percovich em ação pelo Middlesbrough - Divulgação/Middlesbrough - Divulgação/Middlesbrough
Imagem: Divulgação/Middlesbrough

Leituras e o desejo de curtir o mar

Agitado, Leo fala com grande velocidade e não economiza nos gestos largos. Fã de literatura, terminou recentemente um livro escrito por Tim Grover, personal trainer de Michael Jordan, e uma obra de Carlo Ancelotti, demitido do Bayern de Munique na última quinta. De volta à cidade que escolheu viver quando pendurou as chuteiras, Leo vive na Barra da Tijuca.

Sua relação com a cidade é intimamente ligada ao estilo de vida carioca. Segundo ele, o que "faz" um lugar se tornar uma casa são as pessoas que lá vivem. Bom de papo, fez amigos no futebol e também pelas praias. Mas, diferentemente dos tempos em que saía sempre na companhia do amigo Renato Gaúcho, ele agora redescobre a Cidade Maravilhosa ao lado da mulher e dos dois filhos.

Percovich em ação pelo Chivas USA: anos de Estados Unidos - Divulgação/Chivas - Divulgação/Chivas
Imagem: Divulgação/Chivas

Mergulhado na rotina do Fluminense, Percovich teve de abrir mão de um hobby desenvolvido nos tempos de Europa. Admirador confesso do explorador brasileiro Amyr Klink, ele também se lança ao mar quando pode. Com cursos e formação na área, o uruguaio espera ir bem fundo na vida. E não apenas no Fluminense:

"Gosto muito de navegar, gosto muito do mar. Fiz o curso, me especializei, mas sempre vou com a família a bordo. A gente fazia na Europa umas viagens pelas Ilhas Baleares, na Espanha. Quando tiver umas férias no Rio, vou curtir, isso serve para eu me desconectar. A lição é que temos de desfrutar de todo o processo, não adianta só trabalhar, trabalhar, trabalhar. Importante é aonde você está, com quem você trabalha, a cidade que você está vivendo, a camisa que você representa. Isso potencializa o resultado dentro de campo, tudo isso ajuda.", garantiu ele.

Com nome de pensador e alma de navegante, o comandante assume o leme de Xerém e espera navegar longe em sua travessia pelo Fluminense.