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Entenda por que esse torcedor inglês só vai aos jogos de sunga

Craig Brough/Reuters
Imagem: Craig Brough/Reuters

Caio Carrieri

Colaboração para o UOL, em Manchester (Inglaterra)

29/09/2017 04h00

O Everton não compõe o seleto grupo dos seis grandes do futebol inglês, com o rival Liverpool, Manchester United, Chelsea, Manchester City, Arsenal e Tottenham. No entanto, um dos seus torcedores atrai holofotes nos estádios da Premier League pelo traje (mínimo) escolhido para acompanhar os Toffees: sunga, touca e óculos de natação azuis. Michael Cullen, 52 anos, tornou-se figura conhecida pela pouca vestimenta nos jogos dentro e fora do Goodison Park, no país em que a temperatura média anual não ultrapassa os 11°C.

O “Speedo Mick”, apelido em alusão ao vestuário, enfrenta o frio, a chuva, e o vento por uma causa nobre: arrecadar fundos para instituições de caridade, como maneira de retribuir a ajuda que recebeu no passado. “Eu era uma alma perdida, praticamente sem volta”, relata ao UOL Esporte. “Mas pessoas dedicaram a energia delas para me resgatar, mesmo parecendo um desperdício de tempo na época. Retribuo com fé na humanidade e não fico com nada para mim”. Sem-teto durante anos, o hoje técnico em iluminação mora em Londres, onde também passou momentos difíceis após deixar a cidade-natal Liverpool, a 350 km da capital da Inglaterra.  

“Me deram comida, confiaram em mim e me ofereceram trabalho. Mesmo quando eu f*** tudo, as pessoas nunca desistiram de mim. O que aprendi é que não precisava de álcool ou drogas, e não consumi nenhum tipo dessas substancias nos últimos 17 anos. Não digo que esse era exatamente o meu problema, era mais relacionado à minha saúde mental”.

As aparições de sunga no Goodison Park, estádio do Everton e casa do Brasil na Copa do Mundo de 1966, começaram no fim de 2014. Cullen escolheu comemorar com o clube do coração, pelo qual herdou da família a paixão, o sucesso de uma campanha beneficente. Em setembro daquele ano, a fim de chamar a atenção para as suas ações solidárias, ele atravessou o Canal da Mancha, que separa a Grã-Bretanha da região norte da França, enquanto une o Mar do Norte e o Oceano Atlântico. Em quase 16 horas, percorreu 33 km a nado.

“Fui acompanhado de um barco, com instrutores, senão haveria risco de morte. A reserva acontece com dois anos de antecedência, e nesse período me dediquei aos treinos de preparação, todos os dias, em diversos tipos de temperatura”.

Desde então, assistiu a mais de 80 jogos apenas de sunga e levantou 97 mil libras (cerca de R$ 415 mil) para hospitais e diversos tipos de instituições carentes. Por conta desta dedicação, recebeu prêmios como forma de reconhecimento. Até esta temporada, contava com a ajuda de outros torcedores para frequentar as partidas. A partir deste ano, ganhou do Everton um carnê com ingressos para os jogos em casa, e passou a contribuir com a fundação do clube engajada com o público local de Liverpool – algo bastante comum nas equipes do futebol inglês.

Neste domingo (1), Michael Cullen iniciará outro – longo – desafio. Com a meta de alcançar 15 mil libras (R$ 64 mil) para o Alder Hey Children Hospital, voltado exclusivamente para crianças na sua cidade-natal, ele caminhará do Goodison Park, no noroeste da Inglaterra, até Lyon, no leste da França – uma distância de 1126 km. O planejamento estabelecido é de 48 km por dia – 6 km a mais do que o percurso de uma maratona – para chegar ao destino a tempo de assistir ao jogo contra o Lyon, dia 2 de novembro, pela Liga Europa.

“Não estou muito preparado (risos), vai estar frio demais. E também não tenho certeza de como os franceses vão reagir comigo (risos)”, brinca o torcedor do 14° colocado na Premier League e com uma derrota e um empate no torneio europeu de segundo escalão. “O futebol que o time está jogando não vale esse esforço, apesar de eu acreditar que o apoio ao seu time de coração tem de ser nos bons e nos maus momentos. Mas o que faço não é pelo Everton, é para agradecer a reviravolta gigante na minha vida”.