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Desconfiança não abala Alisson, que cita até Neymar: "não tem unanimidade"

Alisson e Weverton com a companhia de Tite na seleção - Pedro Martins/MoWa Press - Pedro Martins/MoWa Press
Alisson e Weverton com a companhia de Tite na seleção
Imagem: Pedro Martins/MoWa Press

Dassler Marques e Karla Torralba

Do UOL, em São Paulo

28/08/2017 04h00

Já se vão quase dois anos desde outubro de 2015, quando Alisson assumiu o gol da seleção brasileira pelas mãos de Dunga. Desde então, ele se manteve com a posição de titular intacta, só sofreu dois gols em mais de um ano com Tite, mas ainda assim enfrenta alguma desconfiança de torcedores e jornalistas. Algo que, nesta entrevista exclusiva ao UOL Esporte, ele afirma deixar em segundo plano. 

"Considero importante convencer a todos, mas no futebol não tem unanimidade", afirmou antes de se apresentar a Tite nesta semana para os encontros com Colômbia e Equador. 

Um motivo que dá força a Alisson é a titularidade no clube, conquistada depois da concessão da camisa 1 ao brasileiro. Nesta entrevista, ele fala sobre a falta de abertura com o antigo chefe da Roma, Luciano Spalletti, além da questão confiança e tudo que a envolve. As conversas com Tite e com a direção do clube diante de uma oferta de outra grande equipe, além de como ele lida com o fato de ainda não ser uma unanimidade da posição. Mesmo com o time tão bem e mesmo com a segurança exibida por ele em boa parte do tempo. 

Hoje, Alisson sabe: a chegada de um concorrente como Cássio, a ascensão de Vanderlei e a necessidade de provar tudo outra vez são seus mais novos desafios até a Rússia.  

Confira a entrevista exclusiva com Alisson na íntegra:

A camisa 1: símbolo para Alisson

Não foi tão fácil no sentido humano [a primeira temporada]. Tive algumas alegrias jogando, fiz a minha estreia pela Roma em competições oficiais, joguei a pré-Champions League, a Europa League foi uma experiência boa e importante em futebol europeu. Foi uma experiência a mais. Me preparei da melhor maneira possível e o tempo nos ensina muito. Eu tive paciência em um ano para chegar no momento de receber agora a camisa 1 como símbolo, de ter a titularidade. Lógico que tenho que continuar provando meu valor, como fiz esse ano, em treinamentos e nas oportunidades que tive.

Spalletti não era um treinador aberto ao diálogo

Com o treinador, não conversei. Spalletti é uma pessoa que não se mostra tão aberta. Eu não me sentia confortável para esse tipo de conversa com ele. Com os diretores cheguei a conversar, porque tive a sondagem de um clube grande europeu por empréstimo em janeiro, mas acabou não acontecendo a saída. Conversei com os diretores sobre qual seria o planejamento deles em relação à minha situação.

Eles me disseram que tinham a Liga Europa e eu não poderia deixar na mão, sair em momentos desses em que entrávamos em finais e tínhamos até a projeção de vencer, mas infelizmente não aconteceu. A Roma teve trocas na direção, o Sabatini [diretor] que me contratou saiu após dois meses [para a Inter], e ocorreram mudanças. Apesar disso, sempre tive meu foco em campo, trabalhei de maneira forte para mostrar de alguma maneira, e mostrar ao Spalletti, o que manteve nas outras competições.

NR.: Alisson foi reserva na Liga Italiana, mas titular na Copa Itália e na Liga Europa em 2016/17.

Alisson mostrou caráter no banco de reservas

Alisson com o ex-titular Szczesny, agora reserva de Buffon na Juventus - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Alisson com o ex-titular Szczesny, agora reserva de Buffon na Juventus
Imagem: Reprodução/Instagram

Se não confiassem em meu trabalho e no que mostrei aqui para assumir a camisa 1, eles provavelmente teriam contratado o Szczesny e me mandariam seguir meu caminho. Ou eu continuaria disputando um lugar. Mas eles demonstraram muita confiança em mim, agradaram do que viram de mim.

Acredito que, no meu ponto de vista, fiz bem o meu trabalho quando me chamaram e dei conta do recado. No dia a dia, nos treinamentos, mostrei mesmo o meu valor. Quando você está jogando, é muito fácil ter um bom comportamento. Mas quando as coisas estão difíceis, tu vês o caráter e como se comporta. Eu fiz tudo da maneira correta esperando o meu momento e sou presenteado por Deus com esse momento. 

Medo dos concorrentes? Vanderlei e Cássio em ascensão

Sempre confiei muito no meu trabalho. Claro que acompanho o futebol brasileiro, os outros goleiros. Gosto de olhar e sempre aprender com os outros,ver os erros e acertos, acho importante como parte da avaliação. Não sinto medo em relação a isso, porque eu faço meu trabalho, independente de 30, 40 ou 10 partidas no ano, sempre fiz muito bem feito o meu trabalho e isso me deixou tranquilo. Se eu tivesse cometido algum erro, talvez teria medo ou insegurança, mas fazendo as partidas que tive e bem feitas, isso me trouxe segurança e ao mesmo tempo e um pouco de tranquilidade para seguir meu trabalho. Sigo respeitando os outros goleiros, o Brasil está muito bem servido, com certeza. A gente vê a mídia falando bastante deles, mas sempre faço meu trabalho.

Reencontro com Cássio

Já tive oportunidade de ser chamado junto com o Cássio na época do Dunga. Eu o conheço, é uma grande pessoa e profissional, com muitas conquistas no futebol e que agora faz um ótimo trabalho no Corinthians com o time à frente dos outros, jogando muito bem, sendo consistente atrás e fazendo uma grande campanha no Brasileiro. O Cássio dispensa palavras, se foi chamado é porque merece. O Vanderlei também, mas infelizmente são só três vagas e não se pode chamar todo mundo. Importante é o goleiro estar da melhor maneira para quem for entrar. 

Foi lançado por Dunga há quatro anos

O Dunga foi e é uma pessoa muito importante dentro do futebol. Ele me lançou no Inter, a minha primeira partida em 2013 foi com ele como treinador na época. Ali comecei a ganhar a confiança dele. Cheguei a ser titular no decorrer da temporada, mas me machuquei e ele saiu. Quando voltei, trocou de treinador (Clemer assumiu) e não joguei. Depois, o Dunga acabou indo para a seleção, e eu me destaquei no cenário nacional e internacional na Libertadores, e ele me convocou, me deu a oportunidade de estrear na seleção, me deu sequência jogando.

O Dunga é uma pessoa que gosto muito e que me ajudou bastante no futebol. Aprendi muito com ele na liderança, sempre foi um líder como jogador. E no mesmo time que eu, temos isso em comum. É uma pessoa de fibra, com muita vontade de vencer e que deixou seu legado como jogador e treinador, além de ser importante para mim. 

Dunga ainda torce pela seleção

O Dunga é um cara mais fechado (risos), como vemos no dia a dia, então acabei não conversando muito com ele. Só me encontrei com o auxiliar dele uma vez pessoalmente, o Andrei Lopes, que eu tive oportunidade de trabalhar antes da seleção e é uma grande pessoa e profissional. Mas, pelo que sei, ele torce muito por nós e já acompanhei as entrevistas dele. Creio que tenha carinho por mim e pelos outros. 

E para ele, o Brasil ganhou muito com as voltas de Marcelo e Thiago Silva

Do Marcelo: hoje para mim é o melhor lateral esquerdo do mundo. Ele prova a cada partida, a cada jogo, que é um jogador de recurso técnico espetacular, que sempre pode receber uma "jogada suja" e fazer dela uma "jogada limpa". Ele também me ajuda muito nas partidas, me dá muita confiança, tem uma liderança como já um jogador experiente. Com um estilo mais "molecão", digamos assim, ele consegue dessa maneira impor uma liderança também em campo. Pela técnica, pela história que fez no Real, que é grandiosa.

O Thiago Silva eu vejo da mesma maneira. Um jogador experiente, consagrado no futebol mundial, com muita experiencia positiva e negativa já vivida para acrescentar no nosso ambiente. Ele se dedica, independente de jogar ou não, e tem nos ajudado no dia a dia. A concorrência interna é muito grande na seleção, o nível é muito alto. Um jogador como ele ficar de fora [do time titular] é meio estranho, mas todos em campo, como o Marquinhos e o Miranda, dão conta. 

A experiência de Copa Libertadores nas Eliminatórias

Alisson tigres - Eduardo Verdugo/AP Photo - Eduardo Verdugo/AP Photo
Inter foi à semi, mas acabou eliminado pelo Tigres em grande atuação de Alisson
Imagem: Eduardo Verdugo/AP Photo

Cheguei a me arrepiar quando você falou do jogo [semifinal com o Tigres-MEX, em 2015]. Foi um momento muito importante na minha carreira, um ano muito importante que poderia ter terminado com o título da Libertadores e de uma maneira melhor. O grupo era muito competente e infelizmente não veio a vaga na final e o título, ficou uma certa frustração, mas foi um momento em que comecei a ser chamado, logo depois daquela Libertadores. Aquilo me credenciou e me fez entrar no cenário como uma promessa para seleção, um goleiro de seleção e também jogando aqueles jogos me fez entrar pronto na seleção quando tive que jogar, já conhecendo o estilo dos sul-americanos. Me ajudou bastante a entrar mais tranquilo quando tive a oportunidade.

Ser unanimidade? Alisson tem outra preocupação

Considero importante convencer a todos, mas no futebol não tem unanimidade. Criticam até o Neymar, então você nunca vai agradar todo mundo. Importante é fazer um trabalho bem feito e conseguir o que o Tite e o Taffarel esperam de mim. Esse é o mais importante: os companheiros. Eu não me apego ao que algumas pessoas falam, cada um tem sua opinião, e o que conta é o campo, a aceitação dos colegas. A confiança deles e da comissão é o mais importante.

Ele só sofreu dois gols em um ano com Tite

Acho que isso conta bastante. A nossa consistência defensiva conta muito e devido ao trabalho de todos, nós deixamos isso claro sempre. Vejo que o mérito é de todos quando se ganha e se perde. Mas foi importante você falar isso e acredito que em alguns momentos as pessoas não avaliam tanto, por isso não espero tanto [ser unanimidade]. Espero seguir o meu caminho e fazendo o meu melhor. Como disse, jogando da melhor maneira para continuar com os números a nosso favor e levar a seleção a lugares mais altos.

Para Alisson, Tite tem um dom

O primeiro mérito do Tite é conseguir extrair aquilo que cada jogador tem de melhor na sua característica. Ele montou uma equipe sem tirar a característica de nenhum jogador, começando por mim como goleiro, os zagueiros, meias e atacantes. Ele encontrou uma maneira que todos jogassem confortáveis, como nos seus clubes. Ele não muda a característica do jogador para ter o que ele quer, então essa é grande mudança que ele fez.

Sobre a pessoa Tite, acho que ele tem o dom de saber como lidar com o ser humano, de tratar todos da melhor maneira e deixar todos à vontade. No meu caso, tendo as dificuldades [pela reserva na Roma], ele no momento me apoiou, me deixou tranquilo para fazer o melhor em campo e acredito que tenha me ajudado muito. 

Bons resultados = bom ambiente

Lógico que o que mais ajuda o ambiente são os resultados. Quando você vence, é muito mais tranquilo de trabalhar e não tem tanta cobrança externa. No futebol, tem a cobrança diária, claro, mas ficamos mais tranquilos com as vitórias, com os méritos de cada atleta e do conjunto. A seleção eu vejo no caminho certo, temos um grandes coisas para conquistar pela frente. Primeiro, é buscar a classificação em primeiro lugar. Depois, o maior objetivo que é a Copa do Mundo. 

Como Taffarel e Tite administraram o problema de Alisson

Foi [administrada] de uma maneira bem natural. Eles souberam administrar de uma forma perfeita, não me deixando acomodado, mas nem desconfortável. É uma situação que poderia colocar um pouco de pressão em mim de alguma maneira. Fui chamado sempre, estava no ambiente da seleção e me tratavam da melhor maneira. Tivemos algumas conversas, é lógico, mas sem dar ênfase ali dentro quanto se dava fora. A reserva no clube não foi enfatizada ali dentro, e me deixou confortável para fazer meu trabalho. Agradeço sempre a confiança deles, sempre vou fazer meu melhor em campo para fazer valer a pena essa confiança.

A preparação enquanto estava no banco de seu clube

Todos têm me ajudado. Quando fui chamado [na reserva], sempre me preparei muito bem na Roma, sempre treinando forte para que a falta de jogabilidade não me fizesse errar de alguma maneira ou fizesse me tornar omisso em campo. Entrava mais concentrado nas partidas porque sabia que era difícil a falta da naturalidade de jogar. Acho que todas as partidas foram positivas, e vou seguir trabalhando assim, concentrado e focado para chegar em 2018 e disputar a Copa do Mundo. Se Deus quiser, buscar o hexa para o Brasil.

Os goleiros em quem se inspira

Eu assisto aos outros goleiros. Tenho como ídolo, como todo brasileiro, o Taffarel. Também o Buffon, porque gosto muito do estilo dele, me inspiro bastante ainda hoje. O Neuer eu também gosto de acompanhar. Vejo muito principalmente os goleiros, não assisto a muitas partidas, mas procuro ver os gols que eles sofrem e as defesas que fazem. 

O treino na Itália é muito diferente do Brasil

Aqui na Itália, o meu treinador de goleiros, Marco Savorani, trabalha de maneira diferente do Brasil. Na base, trabalhamos mais explosão, a força de pernas, a velocidade, as características do goleiro brasileiro, além da saída de gol. Aqui, trabalhei muito a parte técnica esse ano. São muitos trabalhos aqui de coisas básicas, de fundamento do goleiro, da parte técnica, e acredito que aprimorei algumas questões. A saída baixa e a saída alta são coisas que acabei lapidando e que agregam ao meu estilo de jogo.