Treinador acusado de abusar de 17 meninos cria trauma em cidade de SP
Não se fala em outra coisa em Ribeirão Branco, município com cerca de 18 mil habitantes que dista 310 quilômetros de São Paulo. O treinador de futebol Altamir Pontes de Matos, 34, foi preso na última quarta-feira (23), acusado de ter abusado de pelo menos 17 garotos com faixa etária entre nove e 12 anos – 11 estupros confirmados pelo IML (Instituto Médico Legal), além de seis relatos que envolvem assédio, masturbação e sexo oral. Deflagrada após confissão de um dos meninos, a história do suposto projeto social já motivou ameaças de morte, tentativa de suicídio, agressão e uma corrida na cidade: faltam psicólogos para lidar com tanta gente traumatizada.
Matos chegou a Ribeirão Branco em 2014 e se dispôs a fazer um trabalho voluntário com crianças na cidade. Ofereceu a escolas e pais a criação de um projeto social para ensinar futebol a garotos carentes. Trabalhava diretamente com 60 meninos com faixa etária entre nove e 12 anos – rejeitava atletas mais velhos alegando limitação de agenda.
Ribeirão Branco é um município em que praticamente metade da população vive em zona rural. Segundo o Atlas do desenvolvimento humano no Brasil, edição publicada em 2013, é o pior IDH (índice de desenvolvimento humano) municipal do Estado de São Paulo. De acordo com o delegado Lucio Antônio Barbosa, Matos conseguiu alicerçar uma rede de confiança, com bom discurso e um cenário carente, – seu trabalho era endossado por escolas, por exemplo.
Na última sexta-feira (18), contudo, um garoto confessou à coordenadora de uma escola de Ribeirão Branco que havia sido estuprado pelo profissional. Relatou outros casos – o Conselho Tutelar foi chamado e já encontrou nove denunciantes no primeiro contato.
“Uma criança foi falando para outra. A gente levou os garotos até a delegacia, e lá eles foram delatando tudo. Ele dizia que ia treinar as crianças no futebol e que pretendia tirar crianças das drogas”, explicou Josiane Teodoro, 39, conselheira do Conselho Tutelar.
Meninos dormiram na residência de Matos
Duas profissionais do órgão conversaram individualmente com crianças e ouviram relatos extremamente similares. Segundo essas versões, Matos abordava sobretudo os garotos que moravam longe do campo em que os treinos eram realizados. Dizia aos pais que as atividades aconteceriam nas primeiras horas do dia, o que criava uma dificuldade logística para a família. Apresentava então uma solução: os meninos eram convidados a pernoitar na casa do técnico.
Era naquele espaço, de acordo com os meninos, que Matos os abordava. “Ele começou a dar presentes como celulares, sapatos, chuteiras e dinheiro, dependendo da criança, para ganhar confiança. Quando conseguia o que queria, ameaçava matar parentes dos garotos se eles contassem para alguém. Eles ficavam nas mãos dele”, completou Josiane.
Com só uma psicóloga, cidade vê famílias traumatizadas
Como em qualquer caso de abuso, as cicatrizes são tão profundas quanto indeléveis. Os traumas são gigantescos, evidentemente, mas no caso de Ribeirão Branco há fatores potencializadores: os garotos são carentes, alguns provenientes de famílias desestruturadas, e tiveram de lidar com uma questão de gênero que ainda é posta na sociedade. A masculinidade deles foi aviltada, e os parentes também precisaram lidar com esse aspecto do problema. O que pode parecer menor em uma denúncia tão grave ganha em proporção pela composição da sociedade.
“Ainda existe revolta. Mesmo ele estando preso, existe uma angústia porque a gente só vê esse tipo de coisa na TV. A gente não esperava ver de tão perto. Como ninguém viu isso? Não tem como ver. No começo as crianças até negaram muito. Depois é que foram confessando. Elas estavam com muito medo de os pais morrerem”, explicou a representante do Conselho Tutelar.
Um dos garotos tentou cometer suicídio. Outros mudaram drasticamente a relação com a família e com a escola. Os reflexos do episódio criaram uma demanda para a prefeitura de Ribeirão Branco, que tem apenas uma psicóloga à disposição para trabalhar com casos do tipo. Com pelo menos 17 meninos a serem atendidos, além de seus parentes diretos, existe uma ideia de promover contratação em massa às pressas para lidar com o trauma.
Na segunda-feira (27), uma reunião na sede da prefeitura deve falar sobre essa necessidade e discutir orçamento para contratar mais psicólogos. A apuração sobre o caso também continua em andamento – ainda há crianças a serem ouvidas, e todos estão sendo submetidos a exames para identificar possíveis DSTs (doenças sexualmente transmissíveis).
Treinador nega abusos e faz BO por agressão
Na segunda-feira (21), a despeito de a polícia de Ribeirão Branco já contar com exames do IML e relatos de alguns garotos, Matos seguiu andando normalmente por Itaboa, bairro em que vive. No dia seguinte, um grupo de pais resolveu extravasar a revolta: foi até a casa do treinador e promoveu um linchamento que só foi interrompido pela chegada de policiais.
Matos foi à delegacia na quarta-feira (23) e registrou boletim de ocorrência por agressão. Acabou detido por medidas de segurança até que fosse expedido o mandado de prisão temporária.
“Ele pode responder pelo estupro de um número muito grande de crianças. Se condenado, pode pegar até 90 anos”, disse o delegado Lucio Antônio Barbosa, da Polícia Civil de Ribeirão Branco.
Em post na rede social Facebook, Matos negou que tenha cometido qualquer infração. O treinador afirmou que tem colaborado com a polícia, mas que as acusações dirigidas a ele são injustas.
“Fui injustamente acusado de abuso contra crianças no bairro de Itaboa, onde morava. Estou fazendo minha defesa e colaborando com a polícia”, disse o treinador, que não teve advogado constituído. “Estou com a consciência limpa e vou provar minha inocência”, adicionou.
Não há provas materiais de que Matos tenha sido o responsável pelos abusos. No entanto, a polícia se apoia nos relatos – muitos dos garotos, além de contarem seus casos, testemunharam o que aconteceu com seus companheiros de time. Alguns meninos chegaram a filmar cenas, mas disseram ter apagado os vídeos por terem recebido ameaças do técnico.
“Ele nega, mas todas as crianças dizem que foi ele. A gente não combinou nada. As conversas todas batem, e todos os relatos fazem sentido. Ele tentou colocar mais alguém no meio, mas as crianças disseram que não tem mais ninguém”, finalizou Josiane.
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