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Ex-Santos largou vida de técnico para investir em "profissão do futuro"

Reprodução/Facebook
Imagem: Reprodução/Facebook

Marcello De Vico e Vanderlei Lima

Do UOL, em Santos e São Paulo

18/06/2017 04h00

“Se eu tivesse tido um processo de coaching com 20 anos eu teria sido jogador de Copa do Mundo, teria chegado muito mais longe do que cheguei, com certeza. A minha carreira teria sido outra”. A frase é de Jamelli, ex-Santos, São Paulo e Corinthians, que hoje, aos 42 anos, dedica-se a uma nova profissão na carreira. Ele deixou de lado os trabalhos como treinador ou dirigente para se aventurar em algo que ainda é recente e não muito reconhecido no Brasil: o coaching.

Mas o que é isso? Antes de continuar, vale uma breve explicação do Instituto Brasileiro de Coaching: “Um mix de recursos que utiliza técnicas, ferramentas e conhecimentos de diversas ciências como a administração, gestão de pessoas, psicologia, neurociência, recursos humanos, planejamento estratégico, entre outras, visando a conquista de grandes e efetivos resultados em qualquer contexto, seja pessoal, profissional, social, familiar, espiritual ou financeiro. Trata-se de um processo que produz mudanças positivas e duradouras em um curto espaço de tempo de forma efetiva e acelerada. Coaching significa tirar um indivíduo de seu estado atual e levá-lo ao estado desejado de forma rápida e satisfatória”.

Em uma explicação menos formal que a do instituto, Jamelli, que classifica o coaching como um "negócio do futuro", dá a sua versão sobre a profissão que lhe cativa cada vez mais. “O processo de coaching não é psicologia, não é análise, não é programação neolinguística, não é terapia, não é nada dessas ciências que a gente tem por aí, psicólogo, psiquiatra... O coaching é um pouquinho de cada delas. Tem coach financeiro, coach para emagrecimento, coach para relacionamento de casal, coach para a carreira profissional... Para diversas áreas da vida, principalmente na área corporativa”, disse em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.

Jamelli (dir.) durante jogo entre Santos x Corinthians - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Jamelli (dir.) durante jogo entre Santos x Corinthians na década de 90
Imagem: Arquivo pessoal
“O coaching surgiu na década de 80: The Inner Game,  a essência do jogo Interior, é um livro que foi escrito por um treinador de tênis, psicólogo, que usava as técnicas da psicologia adaptadas no tênis. Daí, um belo dia, como ele dava aula de tênis também, alguns CEO’s, vice- presidentes de algumas empresas, viram o que ele fazia e quiseram levar isso para o mundo corporativo, e aí começou. Os caras que eram líderes de equipes começaram a fazer coach para transformar as táticas, as regras na área empresarial, na área corporativa. Com o tempo o negócio foi mudando, foi fazendo sucesso e realmente é um processo em que a pessoa aprende muito, e é muito extenso. Foi se desenvolvendo e o pessoal do esporte começou a aproveitar isso aí como uma ferramenta para ajudar os atletas na parte mental”, acrescenta.

Interesse pelo coaching surgiu no Zaragoza

Depois de passar pelo Santos entre os anos de 1995 e 1996, passagem esta que lhe rendeu um vice Campeonato Brasileiro, Jamelli seguiu para o Japão e depois foi parar na Espanha, onde defendeu o Zaragoza por mais de cinco anos. E foi no clube espanhol que teve o seu primeiro contato com algo ao menos semelhante ao coaching. Desde então, o interesse só cresceu.

“Eu tive um princípio do coaching há alguns anos, quando estava no Zaragoza, da Espanha. Não era coaching, mas também não era o trabalho psicológico que hoje a gente está acostumado aqui no Brasil, era um trabalho diferente, voltado para o esporte, e assim eu me interessei. Eu sempre me interessei por isso e, no final do ano passado, acabei fazendo o curso de coaching no IBC, Instituto Brasileiro de Coaching, e comecei a atender a parte do coaching, a fazer trabalhos especialmente com jogadores de futebol, nosso carro chefe, mas também com atletas do tênis, golfe, basquete, e estamos começando alguma coisa com o pessoal do vôlei. É uma área em que estou gostando muito de trabalhar, sempre gostei. Estou até dando um tempinho na minha carreira como gestor e treinador para me dedicar ao coach”, contou.

A ideia de Jamelli é que o trabalho como coach ocupe cada vez mais a sua vida profissional. Quem sabe até deixando de lado todas as outras profissões – atualmente ele também trabalha como comentarista de forma esporádica na TV Bandeirantes.

Paulo Jamelli hoje trabalha como comentarista na TV Bandeirantes - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Jamelli atualmente trabalha também como comentarista na TV Bandeirantes
Imagem: Arquivo pessoal
“Eu estacionei a minha carreira de treinador. Estava como treinador até o ano passado, fui gerente de futebol e aí vi que não era o que eu queria fazer. Adorei treinar, pensei que era o que eu queria fazer para vida toda, mas hoje, no momento, eu quero ser coach profissional e viver de coaching. Tem várias pessoas que vivem de coaching hoje, são profissionais mesmo. A ideia é seguir a carreira junto com a de comentarista esportivo e viver de coaching”, disse.

“Hoje estou fazendo um curso de psicologia esportiva, que é para agregar mais ainda. Eu estou pensando fazer o curso de coaching fora do Brasil para ver o que está acontecendo lá fora. Para se ter uma ideia, praticamente mais de 60% dos americanos têm coach. E eu sempre fui um cara que gosta de estudar o comportamento humano, entender: Por que aquele cara é igual a mim e faz as coisas melhor que eu? Hoje, se me perguntarem qual é a minha profissão, eu vou falar coach profissional”, acrescentou.

A meta de Jamelli é um dia trabalhar apenas com coach, mas, para que isso aconteça, ele ainda depende de algo, digamos, extremamente necessário: o dinheiro. “Eu não vou falar que hoje eu já vivo de coach porque com três filhos, separado, tendo que pagar pensão... É muita coisa, mas boa parte da minha renda mensal hoje vem do coaching, e a minha ideia é chegar a um momento que venha 100%”, torce Jamelli.

Como funciona o coaching

Já experiente no assunto, Jamelli contou ao UOL Esporte alguns detalhes de como ocorre o processo de coaching, que pode ser individual ou em grupo. Segundo ele, muito do que viveu no futebol pode ser passado aos jogadores - maior parte dos clientes atuais – que o procuram.

“Normalmente é semanal, numa sala, num ambiente de total confiança, liberdade. Nada é gravado, o que aconteceu ali, fica ali. É uma relação de confiança total e que você vai se baseando nas experiências. O que eu passei na minha carreira, muitas vezes esses meninos estão passando, os jogadores que estão encerrando a carreira estão passando. O estresse da competição, o convívio com o insucesso de estar jogando e de repente ir para o banco, não ser convocado, como ele lida com isso, como lidar com a imprensa...”, analisa o ex-jogador.

Jogador tímido, mãe que atrapalha... Exemplos no esporte

Durante o papo com a reportagem, Jamelli destacou trabalhos que vem realizando e algumas situações em que o coaching pode ser usado. Ressaltou, porém, que muito dos ‘clientes’ optam pela discrição, como, por exemplo, um jogador que disputa a Série A do Brasileiro.

“Eu estou trabalhando com um jogador profissional de Série A que o projeto do cara é jogar na seleção brasileira. Eu só posso falar quem é quando o cliente me autoriza, e esse jogador pediu para eu não falar o nome”, explica Jamelli, para depois citar outro caso totalmente diferente.

Ex-jogador Jamelli durante jogo beneficente - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Jamelli durante jogo beneficente
Imagem: Arquivo pessoal
“Eu também estou fazendo um trabalho com a mãe de um jogador da base. O empresário do jogador, um empresário forte aqui do Brasil, me procurou porque ela estava atrapalhando a carreira do filho, e disse: ‘eu quero que você faça um trabalho com a família’. Aí nós tivemos uma reunião, eu conversei com a família e detectei que o problema era a mãe, e estamos fazendo esse trabalho de coaching com a mãe, e é impressionante o que o moleque melhorou”, conta o ex-jogador.

Ainda no mundo do futebol, Jamelli falou também sobre um caso em que a timidez fora de campo vinha sendo o principal obstáculo para a queda de rendimento do jogador.

“Eu tenho um exemplo de um jogador que estava jogando na primeira divisão de São Paulo, bom jogador, categoria de base, seleção brasileira, era o segundo time dele. Saiu do time grande, não deu certo, foi para um time pequeno, não deu certo,  e a gente detectou que era um menino que não se relacionava com ninguém. Jogava muito, tinha qualidade, só que, primeiro, ele não se relacionava com o treinador, não prestava atenção no que ele falava, e fazia tudo errado. Aí no vestiário ele era uma ilha no meio dos jogadores, não se comunicava, não tinha inter-relação com ninguém, então ele já ia treinar nervoso porque tinha até receio de falar bom dia e os caras responderem mal, e isso refletia no campo. A carreira dele estava indo para o buraco porque ele não se relacionava com os caras”, recorda.

“Negócio do futuro” e parte da comissão técnica

Para Jamelli, o coaching passará, daqui a um tempo, a fazer parte inclusive das comissões técnicas, especialmente no futebol. E citou o exemplo do técnico Tite para mostrar como as coisas evoluem no esporte.

Toninho Cerezo, Cafu, Jamelli e Pelé (esq. para dir.) - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Toninho Cerezo, Cafu, Jamelli e Pelé
Imagem: Arquivo pessoal
“O Tite, quando foi pra seleção brasileira, a primeira coisa que falou foi: ‘eu quero levar o meu analista de desempenho’, e a equipe dele. Então eu vejo o coach uma profissão, uma função, como o analista de desempenho. Eu acredito que daqui a 10, 15 anos, todos os times vão trabalhar assim e o coach vai participar da comissão técnica”, acredita o ex-jogador.

Jamelli não esconde o prazer pelos trabalhos que fez como treinador, mas já aponta o coach como uma profissão tão prazerosa quanto estar à beira do gramado.

“Como treinador ainda está empatando, agora, como gestor ou diretor de futebol, já passou, com certeza. Ainda não é uma profissão reconhecida, as pessoas não sabem para que serve, como que é, quanto custa, em quanto tempo... E a maior barreira que a gente encontra é que as pessoas não sabem o que é coaching. Coaching é o negócio do futuro”, completou.