Topo

Como uma briga política levou um time de SC a tomar 74 gols em quatro jogos

Sem receber dinheiro de empresas locais e sem retorno do investimento que alega ter feito em estádio, Operário de Mafra (foto) esperava apoio de Prefeitura; acabou terceirizando a base para poder atuar na segunda divisão profissional - Divulgação
Sem receber dinheiro de empresas locais e sem retorno do investimento que alega ter feito em estádio, Operário de Mafra (foto) esperava apoio de Prefeitura; acabou terceirizando a base para poder atuar na segunda divisão profissional Imagem: Divulgação

Emanuel Colombari*

Do UOL, em São Paulo

06/06/2017 04h00

Quem acompanha as divisões de acesso dos campeonatos estaduais pelo Brasil vem se surpreendendo com os resultados na segunda divisão de Santa Catarina. Tanto na categoria infantil (sub-15) quanto na juvenil (sub-17), o Operário de Mafra tem alcançado uma sequência bastante negativa de resultados.

No sub-15, o time somou um ponto em oito jogos, sofrendo 58 gols. Na sétima rodada do primeiro turno, o time foi a Palhoça e perdeu para o Guarani por 23 a 0 em 20 de maio. No jogo seguinte, no dia 27, enfrentou o Barra em Itajaí e perdeu por “apenas” 13 a 1.

Na categoria sub-17, a situação não é muito melhor. Em oito jogos, foram quatro pontos (uma vitória e um empate), sofrendo 52 gols. Na sétima rodada, levou 17 a 1 do Guarani de Palhoça; na oitava, 21 a 0 do Barra. As partidas também aconteceram nos dias 20 e 27 de maio, respectivamente.

Mas como explicar tal desempenho? No Operário, diante dos 74 gols sofridos em quatro jogos, a insatisfação é generalizada. Sobrou para a Federação Catarinense de Futebol, para a Prefeitura de Mafra e para os próprios responsáveis pelas categorias de base – no caso, Fabiano Reis, da cidade de Campo Tenente (PR), convidado para coordenar a formação dos elencos.

“A gente terceirizou a base. Metade dos guris são de Mafra (SC), de Rio Negro (cidade vizinha no PR)”, explicou o treinador Edmar Heiler, uma espécie de faz-tudo no clube. Heiler é marido de Luciana Teixeira Borges, presidente do clube.

Segundo Heiler, a terceirização da base foi a saída do clube para cumprir uma exigência da Federação Catarinense de Futebol: clubes que não disputam os torneios da base perdem as vagas nos torneios profissionais. Assim, para disputar a Série B do Campeonato Catarinense a partir de julho, o Operário de Mafra precisa disputar as categorias sub-15 e sub-17 do torneio.

”No ano passado, tínhamos recursos da Prefeitura, então tinha recurso para a base – alimentação, transporte. Hoje, eles (jogadores) mesmos pagam a despesa e não têm mais chance de classificação, (então) jogam pela motivação. Acabam se humilhando”, criticou Heiler, que classificou a exigência da FCF como “uma coisa que não é normal”.

“Tivemos uma briga na associação de clubes nesta semana, discutimos muito sobre isso. É uma falta de responsabilidade a Federação fazer uma competição dessas. Se eu tivesse um filho de 13, 14 anos, não colocaria no ônibus para fazer uma viagem dessas. O menino sai daqui às 3h da manhã, chega a Itajaí (a 220 km) às 8h50 e tem que jogar às 9h. O clube não tem estrutura para pagar hotel”, acrescentou.

O próprio Fabiano Reis explica que as equipes foram formadas por jogadores de escolinhas públicas e particulares da região. O encarregado endossou o discurso de Heiler e lamentou a falta de apoio da Prefeitura - segundo ele, "o fator que mais dificultou a montagem do elenco".

"Os jogadores tinham que bancar as refeições na viagem do bolso deles. Consegui ajudar com muito pouco, ir atrás de alguns amigos, algumas pessoas para ajudar a financiar pelo menos uma parte da alimentação. Teve viagens que a gente saiu daqui 1h da manhã, passou a noite viajando, chegou na cidade e jogou. A gente dependia de carona, de amigos. Fui atrás de alguns patrocínios para alimentação também, porque nenhum deles tem uma condição financeira capaz de bancar facilmente. Eu ajudava da forma que podia”, disse Fabiano.

“Alguns meninos que começaram conosco foram nos primeiros jogos e não foram mais, porque não podiam mais arcar com as despesas de lanche, refeição. Isso foi deixando a gente cada vez mais limitado no número de jogadores, e até mesmo na qualidade técnica", acrescentou.

"A gente é contra o prefeito"

Em 2015, o então prefeito de Mafra, Roberto Agenor Scholze (PT), foi denunciado pelo Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC) por nepotismo. Acabou cassado pela Justiça. O vice, Milton Pereira (PMDB), falecera dois anos antes, deixando o cargo vago.

Sem prefeito e vice, a cidade seria administrada pelo presidente da Câmara de Vereadores, Edenílson Schelbeauer (PSDB) – que, no entanto, havia renunciado ao cargo na casa. Assim, Abel Bicheski (PR) assumiu interinamente o posto.

Wellington Bielecki, prefeito de Mafra (SC) - Prefeitura de Mafra/Divulgação - Prefeitura de Mafra/Divulgação
Wellington Bielecki, prefeito de Mafra (SC)
Imagem: Prefeitura de Mafra/Divulgação
Em junho de 2015, em eleição indireta, a Câmara de Vereadores elegeu Wellington Bielecki (PSD) à Prefeitura. Em 2016, Bielecki foi eleito também nas urnas para comandar a cidade entre 2017 e 2020. E, para o Operário, os problemas começaram aí.

“Nós tivemos uma promessa no ano passado de uma ajuda de empresas para o profissional, sem dinheiro público”, acusou Heiler. “Fui cobrar dele o que ele (Bielecki) tinha prometido. Ele ficou bravo e tirou até o estádio do nosso clube.”

Sem poder atuar no Estádio Alfredo Herbst, em Mafra, o time tem se dividido entre o Estádio Municipal Ervino Metzger, em Rio Negro (PR), e o Milionários da Bola, um clube particular na própria cidade de Mafra. Segundo Heiler, a diretoria do Operário investiu R$ 98 mil na reforma do Estádio Alfredo Herbst, com a promessa de que seria ressarcido pela Prefeitura – o dinheiro seria direcionado, entre outras coisas, para as categorias de base.

“A gente é contra o prefeito, e ele tirou o estádio, tirou a verba”, disse Heiler. “O prefeito acabou com o clube. A gente não tem estádio para jogar. Aí, para não perder a vaga na segunda divisão, a gente terceirizou (a categoria de base)”, completou o treinador, que evitou “culpar os guris”.

Sem estádio para jogar, sem dinheiro para investir em jogadores e sem ter como custear as despesas das competições, o Operário de Mafra viu seu elenco se desfazer. No sub-15, apenas 11 jogadores foram relacionados para o jogo contra o Guarani de Palhoça; no sub-17, 14 jogadores estiveram no jogo contra o Barra. Detalhe: sem elenco formado, o time havia perdido por WO para o Camboriú na primeira rodada dos dois torneios.

"O atual prefeito, juntamente com alguns atuais vereadores, se beneficiaram do Esporte Clube Operário de Mafra, com sua imagem e torcedores, para engrandecer e fundamentar sua campanha política com falsas promessas de apoio. Hoje, o Esporte Clube Operário de Mafra não pode jogar em sua própria casa devido às dificuldades impostas por aqueles que lhe prometeram apoio. O estádio municipal de Mafra se encontra em total abandono e descaso com a coisa pública", diz comunicado oficial assinado pela presidente do clube, Luciana Borges Teixeira, enviada ao UOL Esporte.

Edmar Heiler desabafa sobre estádio de Mafra

UOL Esporte

O que diz a Prefeitura?

Em contato com a reportagem, a Prefeitura de Mafra afirmou que a cessão do estádio foi solicitada pelo clube apenas em 16 de maio de 2017 – ou seja, já após seis das nove rodadas da primeira fase das competições que o Operário disputa nas categorias de base em questão. Desta forma, em meio ao processo burocrático, não haveria tempo hábil para liberar o local para partidas.

“A partir deste ano, todas as parcerias firmadas entre o Poder Público Municipal com associações civis (como é o caso do clube Operário) necessitam do atendimento dos requisitos ora impostos pela legislação federal, ainda que não envolvam repasses financeiros (subvenções, contribuições, auxílios), como é o caso da cessão de espaços públicos”, diz a Prefeitura em nota enviada ao UOL Esporte.

A citação à legislação federal diz respeito à Lei Federal nº 13.019/14, também conhecida como Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC). O texto, assinado pela então presidente Dilma Rousseff em 27 de abril de 2016 e em vigor desde 1º de janeiro de 2017, “institui normas gerais para as parcerias entre a administração pública e organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, mediante a execução de atividades ou de projetos previamente estabelecidos em planos de trabalho inseridos em termos de colaboração, em termos de fomento ou em acordos de cooperação”.

“Desta feita, para que se promova a cessão de uso do estádio municipal, (é) imperioso que a tramitação do pedido atenda os requisitos legais, e como tal o Município tem procedido, já que o clube em questão protocolou o pedido de cessão em 16/05/2017, momento no qual o Município de Mafra deu início aos procedimentos cabíveis - neste caso, o encaminhamento do Projeto de Lei Municipal nº 019/2017, o qual autoriza a cessão de uso do Estádio Municipal”, acrescenta a nota da Prefeitura de Mafra, indo além.

“Com a aprovação da referida Lei, o Município de Mafra poderá executar a Chamada Pública, visando a escolha da entidade que irá, atendidos os requisitos da lei e do respectivo Edital, receber a cessão de uso do imóvel público”, completa.

Ainda no comunicado, a Prefeitura de Mafra diz que “jamais criou ou irá criar” obstáculos legais “para a execução de projetos sociais, culturais e esportivos, os quais tradicionalmente já são fomentados pela administração”.

“Contudo”, diz a nota enviada pela Prefeitura, “o atendimento à legislação vigente (em especial, a Lei 13.019/14) é ato necessário para a melhor transparência de tudo que é executado no Poder Executivo, lembrando que com o advento do Marco Regulatório, ‘(...) permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores públicos transferidos pela administração pública a entidade privada mediante celebração de parcerias, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie’ passou a ser considerado improbidade administrativa, nos termos da Lei Federal nº 8.429/92.”

A respeito do ressarcimento do investimento feito pelo Operário na reforma do estádio, a Prefeitura de Mafra diz que “não possui qualquer informação documental acerca dos mesmos”. Além disso, lembra que “toda aquisição pelo Município só poderia se dar mediante o atendimento as normas licitatórias”.

Por fim, o comunicado da Prefeitura diz que as demais denúncias feitas por Edmar Heiler e/ou pelo clube são “vagas” e “improcedentes”.

O que diz a Federação Catarinense?

Em contato com o UOL Esporte, a assessoria de imprensa da Federação Catarinense de Futebol (FCF) esclarece que “a forma de disputa das competições das categorias de base do Catarinense Série B 2017, assim como das competições profissionais, são definidas pelo Conselho Técnico, do qual o Operário de Mafra também fez parte”. A determinação segue uma orientação da própria CBF.

Em Santa Catarina, a recomendação está regulamentada pelo artigo 8º do Regulamento Geral das Competições Organizadas pela Federação Catarinense de Futebol: “Conforme estabelecem as normas da Confederação Brasileira de Futebol, as associações integrantes das competições de futebol profissional são obrigadas a disputar, no mesmo ano, pelo menos, duas competições não-profissionais das categorias de base (‘Júnior’ e ‘Juvenil’) podendo uma destas ser substituída pela categoria ‘Infantil’”.

Ainda de acordo com a nota enviada pela FCF, “obviamente que clubes com menos estrutura e orçamentos mais limitados, que não têm como objetivo o fomento da prática do futebol nas categorias de base e a revelação de atletas, têm mais dificuldades para manter equipes nas categorias de base”. A entidade, no entanto, relembrou o investimento do clube em competições facultativas.

“Não acreditamos ser a situação do Operário de Mafra, já que além das duas competições vinculadas à participação na categoria profissional (sub-15 e sub-17), o clube mantém ainda a equipe na Copa Santa Catarina sub-20, competição não-profissional facultativa, que também integra o calendário de competições da Federação Catarinense de Futebol”, diz a nota da FCF, que defende a participação dos clubes em categorias de base.

“Acreditando que o fomento da prática do futebol nas categorias de base é o principal objetivo para o desenvolvimento do esporte, desde 2010 a Federação Catarinense de Futebol realiza duas competições de categorias de base vinculadas à participação dos clubes nas competições profissionais. Não há intenção de modificação, mantendo a recomendação da Confederação Brasileira de Futebol, entidade máxima do futebol nacional.”

Próximos jogos

O Operário de Mafra volta a entrar em campo pelas categorias de base no dia 10 de junho, quando enfrenta o Fluminense de Joinville no Estádio Ervino Metzger, em Rio Negro (PR). Às 13h30, acontece o compromisso da categoria sub-15; mais tarde, às 15h30, rola o jogo da sub-17. Os jogos são válidos pela última das nove rodadas do primeiro turno dos respectivos torneios.

A estreia na categoria profissional da Série B estadual está marcada para o dia 2 de julho, contra o Camboriú. Segundo a tabela da FCF, o Operário de Mafra receberá o jogo no Estádio Benedito Therézio de Carvalho, em Canoinhas (SC).

* Colaborou Felipe Pereira