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Lembranças, causos e taças: Cuca foi goleador e criou raiz em Porto Alegre

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Imagem: Reprodução

Do Lancepress!

31/05/2017 11h24

Deu pra ti, baixo astral... Nada melhor do que uma visita a Porto Alegre para renovar as energias de Cuca após uma derrota dolorosa como a de sábado, para o São Paulo. A capital gaúcha, que às 21h45 desta quarta recebe o jogo de volta entre Palmeiras e Internacional, pelas oitavas da Copa do Brasil, guarda várias lembranças boas do treinador. É a cidade onde ele viveu seus momentos mais felizes como jogador, onde nasceram suas duas filhas, Natasha e Maiara, e onde ele talvez tenha construído suas mais fortes amizades ligadas ao futebol. Vou pra Porto Alegre, tchau!

Quando o LANCE! quis saber quem poderia contar boas histórias de sua vida na capital gaúcha, Cuca não precisou nem de um segundo para pensar:

Essa amizade começou em 1987, ano em que Cuca havia acabado de se transferir do Juventude para o Grêmio. Ele procurou a loja dos irmãos Coimbra para trocar o seu Puma antigo por um Monza. Em pouco tempo, os empresários viraram seus procuradores e a loja, com espaço amplo, passou a ser sede dos churrascos do elenco tricolor. Elvio também virou parceiro de aventuras, como no dia em que Cuca apareceu com um barco e o convidou para dar uma volta no Rio Guaíba. O motor falhou e a dupla viveu momentos de tensão, até que o meia do Grêmio conseguiu fazê-lo funcionar novamente.

Cuca viveu seus momentos mais brilhantes como atleta vestindo a camisa tricolor. Com ela, conquistou uma Copa do Brasil (1989), três Gaúchos (1988, 1989 e 1990) e uma Supercopa do Brasil (1990). Era artilheiro dos gols importantes, acostumado a marcar em decisões, e chegou a disputar uma partida pela Seleção Brasileira. Também jogou no Inter, rival desta noite, onde conquistou o Estadual de 1991.

Como técnico, o sucesso não foi o mesmo. Ele teve uma passagem rápida pelo Grêmio em 2004, pouco depois de comandar o São Paulo, e não conseguiu tirar o time da rota do rebaixamento. Saiu antes do fim do Brasileirão. O Inter, embora já tenha manifestado interesse, nunca o contratou.

“Quando pegou o Grêmio, ele estava nocauteado. Não acreditava que tinha sido eliminado da Libertadores pelo Once Caldas, no último minuto. O São Paulo que ele montou era bom, tanto que foi campeão do mundo no ano seguinte. No Inter, foi a torcida que rejeitou. O Fernando Carvalho queria contratar, mas fizeram uma enquete e a torcida não gostou muito, diziam que ele era gremista”, contou Elvio, em um papo que durou quase duas horas.

Abaixo, conheça detalhes da vida e da carreira de Cuca em Porto Alegre:

A chegada ao Rio Grande do Sul

Nascido em Curitiba, onde tem residência fixa até hoje, Cuca foi tentar a sorte no Rio Grande do Sul em meados nos anos 80 para custear uma cirurgia de seu pai, Dirceu.

“O pai dele tinha que fazer uma cirurgia cardíaca no Paraná. Ele era juvenil do Pinheiros-PR e acabou vindo para o Santa Cruz, de Santa Cruz do Sul-RS, porque precisava do dinheiro para pagar a operação. Acho que ele tinha 18 ou 19 anos. O treinador era o Daltro Menezes. Quando viu o Cuca, muito magrinho, com o calção largo, ele falou: "Pô, foi esse aí que vocês contrataram". E ele começou a jogar e fazer gol”, contou Elvio.

O pai de Cuca morreu em 1997, após uma outra cirurgia cardíaca.

O padeiro e a bicicleta

Cuca foi sozinho para o Rio Grande do Sul. A maior parte do pouco que ganhava ia direto para a família em Curitiba, então não havia grandes luxos. O jovem morava em uma pensão, onde tinha de lidar com um colega de quarto com hábitos peculiares.

“Na cama do lado dormia um padeiro, que acordava cedinho, tinha que fazer pão. Antes de sair, ele pegava o foguinho dele e fritava ovo às 4h30, com o Cuca dormindo do lado”, narra Elvio Coimbra.

Até que chegou o dia em que Cuca deixou tudo para trás. Tudo, nesse caso, significa uma bicicleta e um colchão que ele comprou na época da pensão.

“Ele foi um dos expoentes do Campeonato Gaúcho pelo Santa Cruz. Diz que um dia ele estava sentado em cima do telhado da pensão à noite e parou um carrão ali em frente. Perguntaram: "Tu que é o Cuca? Então pega tuas coisas e sobe aí. Tu está indo para o Juventude de Caxias". Ele deixou tudo lá, só pegou a coberta dele. Em Caxias, botaram ele num hotel cinco estrelas, sem roupa, sem nada, e foi aí que ele começou no Juventude. Até hoje ele brinca que o padeiro deve ter ficado com a bicicleta”.

No Grêmio graças a Felipão

Foi Luiz Felipe Scolari quem indicou Cuca para o Grêmio em 1987, após as boas atuações pelo Juventude. Foi quando o então meio-campista conseguiu levar a esposa Rejane para acompanhá-lo em Porto Alegre. E não dá para dizer que o chefe não foi retribuído...

“No Brasileiro de 1987, o Grêmio do Felipão ficou cinco jogos sem ganhar. O Felipão estava a perigo, sabia que seria demitido se não ganhasse do Goiás em Porto Alegre. Então o Felipão chamou o Cuca e disse: "Olha, tu vai jogar, confio em ti. Se eu não ganhar vão me demitir". O Cuca não tinha jogado nenhuma partida como titular, mas o jogo foi 4 a 0, quatro gols dele”, lembra Elvio.

E algumas manias atuais já existiam naquela época. Elvio conta que Cuca, durante muito tempo, só se sentia bem com a chuteira com que fez aqueles quatro gols em cima do Goiás. Ele a utilizou até o limite. Ah, ela não era vinho...

Raízes

Tanto Natasha quanto Maiara, filhas de Cuca, são gaúchas. Nasceram no Hospital Mãe de Deus, localizado entre o Beira-Rio e o Olímpico, e tiveram seus primeiros aniversários celebrados com festas no salão Ovelhão, que ficava nas dependências do antigo estádio gremista. Os laços com o Tricolor são fortes, mas Elvio acha que o Palmeiras tem um espaço maior no coração do amigo:

“O Cuca tem respeito pelo Grêmio, pelo Juventude, mas um time que sempre marcou para ele foi o Palmeiras. Não é por ele estar lá agora. Quem mais torcia era o pai dele, o sr. Dirceu. A família é italiana, né?”, disse

Nos próximos dias, Cuca ganhará sua primeira neta: Eloah, filha de Natasha.

Os causos

Cuca não estava na lista de cobradores elaborada pelo técnico Claudio Duarte na final do Gaúcho de 1989, contra o Internacional, mas decidiu pegar a bola para fazer "só" a última cobrança. Ele havia errado os dois últimos pênaltis em que se arriscara, e o goleiro Ademir Maria sabia disso. Sabia também que, se a bola entrasse, o Grêmio seria campeão. Tentou, então, jogar com o psicológico do adversário.

“Eu sei onde você vai cobrar”, disse o camisa 1 do Colorado.

“Sabe nada. Nem eu sei”, respondeu o camisa 8 do Tricolor.

“O Cuca viu que começou um murmúrio na própria torcida do Grêmio: "Pô, logo o Cuca?". Ele tinha mania de bater só em um canto, mas naquele dia ele trocou. O Ademir Maria foi na bola e quase conseguiu abafar, mas ela entrou. O Cuca provou para ele mesmo que conseguia. Se ele perdesse, estava morto. Aqui as torcidas são diferentes, adoram o jogador em um dia e no outro odeiam. Não torcem para o jogador, torcem para o clube”, lembra o amigo.

Foi o gol do título. Na final gaúcha do ano seguinte, novamente contra o Inter, ele marcaria um golaço para espantar de vez a fama de não marcar em Gre-Nal. O jogo terminou 4 a 1 para o Tricolor. Cuca também anotou na final da Copa do Brasil de 1989, contra o Sport. Foi o gol da vitória por 2 a 1 que deu aos gaúchos o título da primeira edição da Copa do Brasil.

Reza a lenda que Cuca causou uma confusão no vestiário neste dia. Claudio Duarte costumava deixar dois chicletes preparados para mascar durante os jogos, um em cada tempo. Não era um passatempo qualquer. Tratava-se de um ritual, tanto que as gomas eram benzidas previamente. O meia sabia disso, mas mesmo assim comeu um dos chicletes. O técnico só se acalmou com a vitória consumada.

Uma outra traquinagem ocorreu no avião que levou a delegação gremista para o Rio de Janeiro, onde enfrentaria o Flamengo.

“Um dirigente do Grêmio tirou os sapatos na viagem e pegou no sono. Na época as companhias davam brigadeiro no avião. O Cuca saiu juntando os brigadeiros e botou todos dentro do sapato do dirigente. Imagine na hora de colocar o sapato (risos)”, conta Elvio.

Os hábitos

Cuca se enxerga muito em Gabriel Jesus. Um dos motivos é a inquietude do jovem atacante toda vez que perde um gol, algo que ele próprio apresentava quando era jogador. Depois dos jogos, sobretudo das derrotas, era comum vê-lo andando sozinho de madrugada pelo condomínio onde morava, remoendo os lances da partida que acabara horas antes. Também de madrugada, mas na concentração do Grêmio, Cuca assustou muita gente:

“O Grêmio concentrava nas sociais do Olímpico. Certa vez, estava todo mundo dormindo quando começaram a ouvir tiros. Veio a brigada, a maior confusão. Era o Cuca acertando a mira de uma arma de caça que ele tinha comprado”, sorri Elvio, que se lembra de notar já naquela época uma vocação para treinador:

“Mesmo quando jogador, ele já gostava de discutir tática. Eles iam lá na oficina, ele e o Luís Eduardo, um zagueiro que jogou no Atlético-MG, no Grêmio, no Fluminense, e ficavam discutindo tática, o que fazer para encurtar caminhos dentro do campo”, disse.

Hoje, Cuca tem no currículo um título de Libertadores (com o Galo) e outro de Brasileiro (com o Palmeiras). Mas quem disse que ele está satisfeito? Depois cinco meses sabáticos, o técnico quer mais: “O futebol é a cachaça dele”, finaliza Elvio.