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Três meses após tragédia, UOL Esporte visita morro do acidente da Chape

Napoleão de Almeida

Colaboração para o UOL, em Medellín (Colômbia)

28/02/2017 12h00

O sentimento ainda é recente, mas já se vão três meses desde que o Brasil foi pego mais uma vez de surpresa pela Chapecoense - desta vez, da pior maneira possível. O time que goleava gigantes como Palmeiras e Inter, não temia camisas continentais como as de River Plate ou Independiente, entrou para a história de maneira trágica quando ia disputar a decisão da Copa Sul-Americana com o Atlético Nacional de Medellín.

Como todos sabem, por imprudência e ambição, o avião que transportava o time, dirigentes, jornalistas e tripulação caiu a poucos quilômetros de pousar na Colômbia. Passados três meses, o UOL Esporte foi até o morro em que tudo aconteceu.

"Isso aqui se converteu em um campo santo. As pessoas agora vêm peregrinar todos os dias, principalmente aos domingos", contou à reportagem o taxista Esteban Alzate, que trabalha no Aeroporto Internacional JMC, em Rio Negro, região metropolitana de Medellín, Colômbia.

Ele estava no aeroporto na noite de 28 de novembro de 2016 quando o avião que transportava a Chapecoense caiu no Morro El Gordo em La Unión, um distrito fazendeiro a cerca de 30 quilômetros de Rio Negro, em direção paralela à estrada que leva a Medellín. Hoje, é requisitado por visitantes que querem conhecer o morro da tragédia. Acompanhou a reportagem até o local.

A simples identificação de que se trata de um brasileiro já gera uma comoção nas pessoas em Medellín. O acidente da Chapecoense marcou toda uma geração que hoje presta condolências o tempo todo aos mortos.

Para os colombianos, mais uma tragédia em seu território. O país que conviveu com terremotos, a guerrilha das Farc e a insana matança promovida por Pablo Escobar - que gera um misto de admiração e revolta nos colombianos que contam sua história - encontrou forças para amparar os brasileiros.

"Somos um povo muito religioso e atencioso com as pessoas, em especial os Paisas (nativos de Medellín). Com tudo isso, ainda encontramos forças para sorrir", diz o também motorista Guillermo Vilas, que relembra que Escobar explodiu um avião nos anos 80.

O caminho para La Unión é de difícil acesso. A região montanhosa faz com que a viagem tome pelo menos 2h30 do Aeroporto até cerca de 300 metros do local da queda, de onde só se pode avançar caminhando. La Unión é um distrito produtor de leite, cravado na montanha. A subida, toda ela por estrada de terra, oferece uma sensação bucólica do mais puro interior: vacas, plantações de batatas, pequenos comércios e uma escola para crianças, filhos dos campesinos.

Na entrada da estrada de terra, encontra-se um bar e um posto de gasolina, último vestígio de urbanização. Dali para frente serão apenas casas isoladas morro acima, umas mais simples, outras um pouco mais sofisticadas.

O Atlético Nacional, maior torcida colombiana, é referência por onde se passa. Mas a Chapecoense também ganhou um espaço no coração paisa, até com uma pintura na entrada de uma das fazendas, numa grafia incorreta que se torna irrelevante conforme se entende o carinho que se quer passar.

Gente como o fazendeiro Benjamim Carmona, que dormia há menos de 1 km do local da queda quando tudo aconteceu. "Acredita que eu não acordei na hora? Só quando ouvimos toda aquela movimentação, uma coisa que não acontece por aqui. Aí liguei o rádio e deram a notícia", conta. A distância não corresponde a dificuldade que se tem para chegar ao local a partir daquele ponto, dentro da montanha.

Uma pequena igreja fica no caminho da tragédia. O templo homenageia Nossa Senhora do Guadalupe e é o ponto de partida de muitos peregrinos aos domingos. Ali se concentram para orar e depois rumar ao Campo Santo da Chapecoense.

Na medida em que se aproxima do local, pode-se perceber uma movimentação de pessoas saindo do descampado que se formou. Em um veículo na direção oposta, uma senhora trajando a camisa da Chapecoense deixa o local; pouco depois, outro carro passa, com uma família também de saída.

Perto do local há um posto de polícia, que guarda os equipamentos de orientação de voo do aeroporto. O cabo Santiago Agudelo da plantão no local e relata: "Aos domingos muitas pessoas vem aqui depositar flores e fazerem orações. Mas todos os dias alguém vem. Nós ficamos ali em cima, perto. Foi desse posto que saiu o primeiro socorro. Infelizmente, não se pode fazer muito."

Quando a caminhada começa, ainda tem subida. O carro não pode avançar e fica parado na última casa próxima ao local, naquele momento desabitada. Pelo caminho ainda estão faixas de isolamento do local, rompidas após o fim do resgate, e alguma sujeita. O cheiro é de mata queimada. Mas o impacto maior vem a seguir.

Do alto do morro se vê o descampado que se formou com o choque do avião contra a mata. Se veem galhos rompidos por toda a parte. O cheiro se acentua. O mato está danificado, uma parte ainda queimada. O Sol bate com força na região, que já não tem nenhuma barreira entre a luz e a terra. Daquele ponto para cima, somente o céu.

O morro é parte do trajeto dos aviões que chegam a Medellín. Naquele final de tarde, três sobrevoaram a região. Quando do acidente com o avião da Chapecoense, a aeronave ficou taxiando naquele local, próximo ao primeiro centro de controle aéreo.

Já se encontram as flores e duas cruzes que foram colocadas pelos habitantes do morro, com fotos dos jogadores e mensagens póstumas. Caminhar pelo local é algo impressionante. Impossível não sentir uma pesada força, uma vontade de chorar.

Os cartazes que ali estão eram os motivacionais feitos pela Chape para a tentativa do inédito título. Fotos dos familiares com mensagens como "sejam campeões por nós" servem hoje como uma espécie de lápide, ainda que por ali não tenha nenhum corpo.

Pelo chão ainda se encontram meias, remédios, pedaços de poltronas, papéis e um saco de vômito da LaMia, companhia que levava o time de Chapecó para a final da Copa Sul-Americana. Os principais destroços já foram recolhidos, mas ainda há muita sujeira. Já é final de tarde e a temperatura vai baixando. Medellín e região são locais de temperatura quente, mas conforme a noite chega no morro, ela cai. No dia do acidente, chegou a estar perto de 0 grau, o que foi ainda mais difícil para ajudar nas buscas.

Deixar o local também é complicado. Em muitos pontos só se passa um carro por vez. Foi nesse ambiente que sobreviveram os jogadores Neto, Alan Ruschel e Jackson Follmann, o radialista Rafael Henzel e os comissários Ximena Suárez e Erwin Tumiri, com todas as condições adversas. Os demais 71 não tiveram a mesma sorte, encerrando sua missão por ali, naquele local de dor e pesar.

Uma última mensagem, colocada em uma faixa no novo Campo Santo, procura alentar familiares e todos que sentiram algo com o maior desastre do esporte mundial.

"A viagem é muito curta. Se cada um de nós compreendêssemos que nosso tempo aqui é tão curto; que obscurece-lo com brigas, argumentos inúteis, não perdoar aos demais, o descontentamento e uma atitude de revisão seria uma perda de tempo e energia.

Alguém quebrou seu coração? Fique tranquilo, a viagem é muito curta.

Alguém te traiu, te intimidou, enganou ou humilhou? Tranquilize-se, perdoe, a viagem é muito curta.

Qualquer que sejam os problemas que alguém nos traga, lembremos que nossa viagem juntos é muito curta.

Ninguém sabe a duração desta viagem. Ninguém sabe quando chegará sua parada. Nossa viagem juntos é muito curta.

Vamos apreciar os amigos e familiares.

Sejamos respeitosos, amáveis e perdoemos um ao outro. Sejamos cheios de gratidão e alegria.

Se alguma vez te chateei, peço perdão. Se alguma vez tiver me ferido, já tem o meu perdão.

Apesar de tudo, nossa viagem juntos é muito curta!"

*Colaborou Marco Rafael Pires