Topo

Pérolas de "The Flash": tirou sarro de Zidane e viu gandula impedir seu gol

Valdeir, jogador da seleção brasileira, antes de partida contra os EUA em 1993 - Shaun Botterill/ALLSPORT - Shaun Botterill/ALLSPORT
Imagem: Shaun Botterill/ALLSPORT

Marcello De Vico e Vanderlei Lima

Do UOL, em Santos e São Paulo

27/01/2017 04h00

Valdeir Celso Moreira. Para quem não conhece, ele é o "The Flash", folclórico atacante que ganhou destaque no Botafogo no início da década de 90. Hoje dono de uma imobiliária, o ex-jogador de 49 anos acumula em sua carreira histórias que não são para qualquer um: desde uma divertida tirada de sarro em Zidane (que ainda viria a ser melhor do mundo), na época do Bordeaux, até um gol na final do Campeonato Cearense que acabou impedido por um gandula.

Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, o jogador, que ainda passou por Fluminense e São Paulo, entre outros, conta quase tudo que lembra da sua carreira, incluindo o "empurrão" de Jorge Kajuru antes do profissional, a doída derrota para o Flamengo no Campeonato Brasileiro de 1992, o aprendizado com o "mestre" Toninho Cerezo, as passagens pela seleção brasileira e, claro, a história do apelido que ele carregou durante quase toda carreira – e ainda carrega na vida.

Zidane: muito habilidoso para ser francês

Valdeir no centro do time do Bordeaux, com Zidane em pé (o primeiro da esquerda) - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Valdeir no centro do time do Bordeaux, com Zidane (em pé, o primeiro da esquerda)
Imagem: Arquivo pessoal
"A gente morava no mesmo condomínio. O Zidane jogava mais perto de mim no ataque, era aquele meia de ligação, então a gente sempre estava junto e foi um cara que me ajudou bastante lá também porque, a partir do momento que eu aprendi algumas coisas em francês, eu me comunicava muito com ele, a forma como eu queria a bola, isso aí me ajudou muito. Eu brincava direto com o Zidane: eu falava que ele era jogador brasileiro, ele era muito habilidoso para ser francês, aí ele ria porque sempre achou legal e bonito o futebol brasileiro. E o Zidane, para mim, é melhor como pessoa do que como atleta. Agora imagina se o cara é gente boa [risos]? O cara é gente boa demais. Ele é muito tranquilo e é um cara que eu tenho saudade, até porque hoje eu não tenho o contato dele. Depois que eu fiz a mudança para o Brasil eu perdi muito contato, de muita gente que eu espero reatar este contato. Hoje fica mais difícil, por eu estar parado, não estar no mundo do futebol, e estou morando em outro país, mas isso não vai impedir... Se tiver que acontecer um dia da gente se cruzar, eu estiver passeando na Europa ou uma coisa assim, e falar com ele, vai ser bom demais.

Gandula impede gol em final do Cearense (vídeo acima)

Inclusive foi um dos últimos contatos do pessoal da Europa, eu apareci para o mundo todo. Nós disputando o primeiro turno do futebol cearense, Ceará x Juazeiro, se você puxar na internet você vai ver, dar risadas [risos], a gente estava perdendo por 1 a 0 e viramos para 2 a 1, eu fiz o segundo gol... Aí o zagueiro do Juazeiro foi me driblar e eu falei: ‘o goleiro de vocês está caído lá, joga a bola para fora’, isso do meio campo, aí ele pensou que eu estivesse brincando com ele e falou: ‘tá de brincadeira comigo’? Ele foi me driblar, adiantou a bola e perdeu a bola, e eu do meio campo chutei... A bola ia entrando, quando entrou o massagista do Juazeiro e tirou a bola [risos]. E aí os caras na Europa me viram e falaram: ‘Pô, onde você está, rapaz [risos]? Me sacanearam pra caramba, os caras me sacanearam demais.

Início de carreira teve ‘empurrão’ de Kajuru

Jorge Kajuru - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram
Eu comecei no Atlético-GO, com 13 para 14 anos. Fiz a categoria de base: comecei no infanto-juvenil e fui até ao profissional; com 17 anos eu já estava jogando o profissional. O time foi campeão goiano em 85, depois de 15 anos sem conquistar o Estadual. Aí o treinador, chamado Hélio Custódio, conhecido como Índio, foi quem me lançou no profissional e tudo se encaminhou, e logo em 86 eu tive a oportunidade de disputar meu primeiro Campeonato Brasileiro da Série A com o Atlético GO. Tudo aconteceu em 86, todo mundo ficou sabendo quem era Valdeir, e tinha aqui na época uma pessoa que me ajudou bastante: o jornalista Jorge Kajuru. Ele me ajudou bastante aqui no estado de Goiás e aí eu fiquei mais conhecido; ele tinha aqui a rádio dele, tinha uma audiência muito boa no Estado e fora também, e divulgou bastante, e isso me ajudou. Quando o Kajuru me conheceu eu estava iniciando nas categorias de base, aí ele me acompanhou durante todo o tempo, todo o meu trajeto.

A perda do Brasileiro de 1992 e o “mestre” Cerezo

É, infelizmente foi aquilo lá. Tenho vários amigos e até hoje me perguntam como nós perdemos aquele título para o Flamengo. Teve uma vez no São Paulo com o Cerezo que ele pegou e falou assim pra mim: ‘Pô Valdeir, não adianta se queixar, não, rapaz, tem horas que não tem resposta para tal pergunta'. Até porque o nosso time era anos-luz para os torcedores à frente do Flamengo, em termos de equipe... Em termos de conjunto o Botafogo era muito bom, até ganhamos o Troféu Charles Muller de melhor equipe do campeonato, mas o troféu principal, que era a conquista do título, não conseguimos, né? E o Cerezo falou aquela frase... Nós fizemos uma amizade boa, aprendi muita coisa com ele. Eu não o chamava de Cerezo, eu chamava de mestre. Eu aprendi muita coisa com ele, o mestre me ajudou demais no São Paulo, então foram passagens que nós não temos como não deixar registrado.

Mais Brasileiro de 92: apagão no 1ºT e a ausência de Renato Gaúcho

Aquela final, pela análise que estávamos conversando eu e o Carlos Alberto, foram os quinze primeiros minutos do primeiro tempo... Levamos três gols em quinze minutos e, na hora que nós acordamos e olhamos um para o outro, já estava 3 a 0. Se for olhar os melhores momentos, o tanto de chances e oportunidades que nós tivemos... Mas infelizmente aquele dia não era o dia do Botafogo. No segundo jogo tiveram dois pênaltis para gente, eu bati os dois, o primeiro eu perdi e o segundo eu converti. No início o Botafogo mandou bola na trave, fomos para cima e a bola não entrava, então o primeiro jogo foi muito forte: 3 a 0 nos 15 minutos iniciais, foi complicado demais.

Tratando-se de futebol tudo é possível [reverter o placar da primeira final], até porque o grupo do Botafogo era muito forte, só que teve um problema durante a semana que foi a discussão do Renato Gaúcho com a diretoria do Botafogo. O Renato não participou do segundo jogo, ele teve um problema com a diretoria. O grupo em si era muito bom, e a gente precisando reverter o placar e ainda ter um tumulto no meio da semana foi meio complicado. Eu considero o Renato como irmão, até porque nós jogamos juntos no Botafogo, no Fluminense e na seleção brasileira, e ele foi um ‘parceiraço’, aprendi muita coisa com ele. Fico feliz agora com o sucesso dele como treinador. Só sei que naquela decisão, no segundo jogo, fomos sem ele, parece que foi um problema relacionado à rescisão de contrato, e fomos para o segundo jogo tendo que reverter os 3 a 0 sem o Renato. Nós ficamos uma semana afastados do Rio de Janeiro porque o clima estava muito pesado devido à derrota no primeiro jogo, mas infelizmente não conseguimos reverter.

As passagens pela seleção brasileira

Eu fui a primeira vez convocado em 90, após a Copa do mundo. A minha primeira convocação foi com o Falcão, estava naquela de restruturação, de mudanças e tal, foi praticamente um grupo novo desde o início com Mauro Silva, Cafu, Leonardo, essa galera aí, só que tinha muita gente boa, e se tratando de seleção você não pode piscar o olho, e eu tive a oportunidade de ser convocado por 27 vezes; meu último jogo com a seleção foi nas Eliminatórias de 93, contra a Venezuela [Brasil 4 a 0 no Mineirão], e depois o último jogo foi contra o Uruguai no Maracanã, aquele jogo que o Romário arrebentou e fez os dois gols e conseguimos a classificação. Esse jogo eu estava no grupo.

Mágoa com Parreira pela Copa de 94?

Não, não, muitas pessoas perguntavam isso aí, mas é uma coisa delicada para o treinador de uma seleção brasileira, era muita gente boa, a briga era acirrada, só que, na reta final, o meu rendimento caiu demais devido a contusões. Eu tive problema de pubalgia e aí o meu rendimento caiu demais, e foi justamente na reta final, e para você disputar com atletas de categoria altíssima como tem o futebol brasileiro é difícil, tanto é que ficou muita gente boa de fora. No jogo contra a Venezuela, nas Eliminatórias, o penúltimo jogo, fui eu e o Evair no Mineirão, eu com a 7 e o Evair com a 9, e o Evair também não foi para a Copa, ficou de fora muita gente. Agora, como brasileiro, claro que eu gostaria de estar presente, participei de toda a caminhada, mas eu fiquei muito feliz de ter sido lembrado e fiquei feliz também por ter participado daquele grupo.

O apelido que virou nome composto

Eu corria um pouquinho [risos]. E quem fala muito 'The Flash' era o narrador do Rio de Janeiro, foi o cara que marcou muito falando 'The Flash', o Januário de Oliveira, e disparou este negócio de 'The Flash' e a torcida gostava, e começaram a fazer música, música com 'The Flash', aí pegou legal. E eu fico muito feliz porque é um apelido carinhoso, até hoje, aonde eu vou, a rapaziada fala: Valdeir 'The Flash', virou nome composto, e eu guardo até hoje com muito carinho, foi um apelido muito carinhoso.