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Contra extinção, torcidas propõem paz na rua e 'guerra na arquibancada'

Torcedores do Palmeiras protestam no Pacaembu pela morte de dois palmeirenses após briga com corintianos: episódio fechou o cerco contra as organizadas - Paulo Passos/UOL
Torcedores do Palmeiras protestam no Pacaembu pela morte de dois palmeirenses após briga com corintianos: episódio fechou o cerco contra as organizadas Imagem: Paulo Passos/UOL

Aiuri Rebello

Do UOL, em São Paulo

09/12/2016 06h00

As quatro maiores torcidas organizadas de São Paulo -- Independente (São Paulo), Gaviões da Fiel (Corinthians), Mancha Verde (Palmeiras) e Torcida Jovem (Santos) -- vão propor à FPF (Federação Paulista de Futebol) e ao MP (Ministério Público) um pacto onde pedem uma última chance para continuarem existindo e não serem oficialmente extintas. A proposta já foi apresentada à Polícia Civil e registrada em uma ata.

A ideia seria a permissão para voltar a frequentar os estádios livremente em troca de uma garantia que não haverá violência entre os grupos rivais. Eles substituiriam as brigas por uma "guerra de torcida", na qual objetivo seria fazer mais barulho, compor as melhores músicas e cantar mais alto, apresentar a bandeira mais bonita e por aí vai, tudo dentro do espírito esportivo. Ao final da competição, se concordar, a FPF concederia um prêmio ou troféu para a organizada que fez a festa mais bonita nas arquibancadas durante o Campeonato Paulista.

A tentativa seria colocada em prática já temporada do ano que vem. O projeto foi confirmado ao UOL por membros da diretoria de três das quatro torcidas. De acordo com os termos elaborados pelas torcidas, suas direções comprometem-se a tentar controlar de todas as formas episódios de violência contra integrantes de outras organizadas.

Para isso, os dirigentes dizem que vão proibir oficialmente as brigas em seus estatutos, promover reuniões com os membros para conscientizá-los sobre o assunto e expulsar membros envolvidos em confusão, proibindo-os de viajar com o time e ficar com a torcida organizada na arquibancada durante as partidas.

"Essa é nossa única alternativa", afirma Henrique Gomes, presidente da Independente. "Temos que viver em paz uns com os outros, se não as torcidas organizadas vão acabar. Vamos colocar para o MP e a federação a nossa intenção sincera de resolver isso de uma vez por todas. Estamos pedindo uma última chance", diz ele. 

 O próprio Gomes está proibido de frequentar os jogos do São Paulo, junto a outros 11 dirigentes da Independente e da Dragões da Real, outra torcida organizada ligada ao time. O dirigente também apresenta-se no Corpo de Bombeiros toda partida do tricolor paulista.

Eles respondem a processo criminal pelo episódio da invasão do CT do São Paulo, no final de agosto, para protestar contra o time e a diretoria. "Naquele caso do CT, perdemos a mão, houve alguns excessos, mas não foi nada demais e já pagamos tudo, estamos sendo punidos com rigor, enfim... olha, se as torcidas não entenderem que está na hora de mudar, vão todas chegar ao fim. Não adianta bater de frente com o sistema, principalmente se você está errado."

Organizadas negam ordem de facção criminosa de parar com brigas, mas polícia investiga ligação

Gomes nega com veemência que a proposta de paz apresentada à Polícia Civil no início da semana pelas diretorias das quatro torcidas tenha sido uma ordem da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), que age dentro e fora dos presídios de SP. "Isso aí é um boato. A iniciativa é exclusivamente das organizadas. É a única forma que encontramos de tentar seguir existindo, não tem nada a ver com PCC isso aí não", afirma o presidente da Independente.

Na quinta-feira (8), a Gaviões da Fiel divulgou um comunicado na internet onde refuta a ligação. "Qualquer associação das recentes ações em prol da paz nos estádios com 'mandos criminosos', não passam de uma desleal tentativa de desmoralizar o que estamos nos esforçando para fortalecer entre as torcidas organizadas do nosso Estado", diz a nota assinada pelo presidente da Gaviões, Rodrigo Fonseca.

Ambos dirigentes afirmam que já conversavam havia três anos sobre o tratado de paz, que foi trazido a público no domingo (4), quando um ato em homenagem à Chapecoense juntou as quatro torcidas em frente ao estádio do Pacaembu.

A Polícia Civil abriu uma investigação para averiguar a veracidade dos áudios de WhatsApp que circularam no início da semana, conforme revelou o site da RedeTV!. Supostos integrantes das torcidas passam o "salve" (ordem, no linguajar criminoso) para frente aos outros membros, dizendo que líderes da facção criminosa que estão presos ordenaram o tratado de paz entre as torcidas.

A delegada responsável pelo caso, Margarete Barreto, não acredita na capacidade da facção criminosa de impor uma regra como essa às organizadas, mas que o grupo criminoso pode ter realmente atuação dentro das torcidas. "Existe crime organizado em várias organizações da sociedade. Claro que dentro da torcida também existe, mas não acredito na força de mandar ou desmandar nas torcidas", afirmou ela na tarde de quinta-feira. "Eles sinalizaram que querem voltar a assistir partidas de futebol, querem estar no espetáculo, querem fazer a festa. Isso é um início de tratativas. A única coisa que eu fiz foi abrir uma porta para que eles falassem e colocassem o plano de paz que eles têm", disse.

"As prisões não vão parar porque eles estão tentando fazer tratativas de paz. As prisões de pessoas que cometeram crimes continuam. Nós não estamos dando uma água para a criminalidade. Muito pelo contrário", explicou.

Adereços de organizadas estão proibidos nos estádios e clássicos tem torcida única

Desde abril, uma decisão do MP e da Federação Paulista determinou que os clássicos passassem a ter torcidas únicas até o final do ano. A mudança aconteceu no dia seguinte à morte de uma pessoa em São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo, durante briga entre torcedores de Palmeiras e Corinthians.

Naquele dia, os times disputaram no estádio do Pacaembu um clássico válido pela 14ª rodada do Paulistão. Em confronto antes e depois do jogo, quase 60 integrantes de torcidas organizadas foram detidos. As torcidas também estão proibidas de entrar nos estádios com bandeiras, instrumentos musicais e faixas.

Apenas as camisetas estão permitidas, e as diretorias dos clubes ficaram proibidas de doar ingressos para os torcedores. O UOL procurou o promotor Paulo Castilho, responsável no MP pelo caso, para ouvir o que ele acha da proposta das torcidas, mas ele não atendeu aos telefonemas.