Como imitar uma águia fez brasileiros viverem pânico na Libertadores
Hoje sem nem ter uma divisão para atuar no Campeonato Brasileiro, o São Caetano viveu momentos de glória no início do século XXI. Entre os momentos mais históricos da equipe do ABC estão o título paulista de 2004, o vice da Libertadores em 2002 e um jogo mais que especial no mesmo torneio sul-americano do ano de 2004: uma classificação para lá de inesquecível em pleno estádio Azteca, contra o América do México, em jogo que o elenco do São Caetano chegou até a temer o risco de morte.
Depois de uma vitória por 2 a 1 no Anacleto Campanella, o São Caetano vinha perdendo por 1 a 0 no Azteca e sendo eliminado nas oitavas de final pelo América do México, time o qual já havia enfrentado duas vezes na fase de grupos e criado certa rivalidade, especialmente com o meia Blanco, ídolo mexicano. No segundo tempo, porém, Fabrício Carvalho serviu Triguinho, que invadiu a área e mandou para as redes, fazendo o gol que colocava o São Caetano nas quartas de final. Após o apito final, sobrou provocação, e uma briga generalizada estourou.
“Eu dei o passe do gol para o Triguinho, e ao final da partida, comemorando ali, eu acabei fazendo uma águia, que é o símbolo do América do México... o Blanco provocava muito a nossa equipe e, quando fazia gol, fazia aquela imitação de águia. E após o jogo e a classificação eu acabei imitando a águia e foi um alvoroço total, a torcida ficou bastante chateada, bastante enervada no momento”, recorda Fabrício Carvalho em entrevista ao UOL Esporte.
“Eles já estavam fazendo festa, tinham mais de 70 mil pessoas no estádio, estava preparada uma grande festa após o termino da partida no caso de uma classificação da equipe deles, mas nós acabamos estragando a festa, e agora a gente dá risada com muita naturalidade, mas no momento foi bastante difícil, conflitante, a gente não conseguia sair de campo. Começou uma discussão entre o Silvio Luis, Blanco e o Anderson Lima, onde o Anderson Lima acabou levando uma cotovelada do Blanco no final do jogo. O Cabañas também estava lá e acabou tendo um entrevero entre eles, e aí começou toda a briga”, lembra o ex-atacante do Azulão.
A briga tomou conta do Azteca e até mesmo torcedores chegaram a invadir o gramado com alguns objetos. Entre eles, estava um inusitado carrinho de mão, que por pouco não virou arma de guerra. O elenco do São Caetano – que na época era comandado por Muricy Ramalho – só conseguiu escapar depois de correr muito desde o meio-campo até o vestiário, local onde conseguiu encontrar um pouco de paz antes de ser escoltado rumo ao hotel.
“O nosso goleiro reserva, o Fabiano, começou a brigar com o massagista deles, levou uma cacetada na cabeça, até lembro muito bem que teve um corte na cabeça, e depois do jogo a gente tirou um sarro porque os policiais mexicanos são baixinhos e a torcida conseguia entrar, e a gente não ia ser defendido por esses caras, não, eles não teriam condições de nos defender, não, então nós ficamos no meio-campo esperando o alvoroço terminar, e a torcida tanto de um lado como de outro tentando invadir o campo, empurrando o alambrado e, quando a gente se deu conta, nós olhamos para trás e vimos torcedores descendo do alambrado com pedaço de ferro nas mãos... Não me pergunta aonde eles acharam pedaços de ferro lá, e vieram em nossa direção; tinha carriola também, porque no intervalo do jogo o zelador do campo entrava pra fazer algum reparo no gramado, e eu pensei: ‘os torcedores vão pegar a carriola’, eu imaginei isso, e estavam vindo em nossa direção e, no momento, a gente saiu correndo atrás do gol que estava o Silvio Luiz”, conta Fabrício Carvalho.
“Eu só lembro que a escada da descida para o vestiário era tipo caracol, você imagina mais de 15 pessoas tentando passar por aquilo ali. Então, as pessoas de longe não imaginam realmente o que a gente passou lá, todo o temor... E a porta, quando a gente tentou entrar no vestiário, estava fechada, eu lembro que a gente meteu o pé na porta e arrebentamos e entramos. Quando acabou o jogo eu estava com câimbra, eu esqueci câimbra, esqueci tudo e saí correndo [risos]. Nós ficamos quatro horas para sair do estádio porque a torcida estava realmente revoltada, não imaginava o que a gente ia aprontar contra eles lá dentro. O treinador era o Muricy Ramalho, ele entrou assustado no vestiário, não era para menos, né? Depois fomos escoltados do estádio até ao hotel e me lembro que a primeira coisa que eu fiz quando cheguei no hotel foi ligar para o Brasil, eu imaginava que toda a minha família estava bastante aflita por toda essa situação ocorrida, então eu liguei e passei tranquilidade para o meu pai e minha mãe”, acrescenta.
Fabiano, um dos principais personagens da briga, recorda do seu ponto de vista como foi a classificação e, especialmente, toda confusão que colocou os atletas e a delegação do time brasileiro em risco. Ele ainda acrescenta as provocações de Blanco, principal responsável pela briga que levou alguns jogadores do São Caetano até às lágrimas, tamanha a tensão.
“Ah, não tem como esquecer este jogo, foi um jogo atípico. O nosso time era muito bom, não foi nada de mais a gente ter eliminado o América lá. É que teve essa comemoração do Fabricio Carvalho imitar a águia... No jogo aqui o Blanco tinha feito um gesto em cima do finado Serginho, ele fez o gol aqui no Brasil e ficou imitando, sei lá se era uma galinha, e o time todo ficou muito bravo, eu já tinha brigado com o Blanco aqui no Brasil durante o aquecimento, a gente foi discutir lá no México de novo e ele disse que ia me pegar, estava um clima meio hostil no México, e nós fomos para lá e eliminamos eles. Ele era muito folgado, um dos mais do futebol mundial. Ele tem muita moral lá no México, ele é ídolo lá. Ele deu uma cotovelada no Anderson Lima que, se pega de jeito, ele estaria aleijado”, lembra Fabiano, que depois dá detalhes de sua ‘briga particular’ com o massagista do América (vídeo acima).
“Foi uma troca de soco pesada, eu com o massagista do América, e tudo aquilo depois eu fui saber que foi o Blanco que armou. Ele deu dinheiro para o cara me pegar e o cara me agrediu com aquele spray que usam aí. Cortou a minha cabeça, e eu peguei o massagista de porrada. Eu também acredito que o Fabricio Carvalho, quando fez o gesto de imitar a águia, não quis menosprezar ninguém, foi uma comemoração para tirar sarro do Blanco, e acabou causando tudo aquilo, mas foi gostoso, até pelo o que o Blanco fez aqui no Brasil. Mas a briga foi feia, o Marcelo Matos chorava, muitos jogadores nossos ficaram desesperados com aquela situação. Teve hora lá que a gente achou que ia morrer, era muita gente contra nós, a sorte foi que eu abracei o Oscar Ruiz, que apitou o jogo, seguimos para o vestiário e entramos juntos... Foi onde a gente se salvou porque a torcida estava dentro de campo já, tinha mais de mil pessoas dentro do campo, então essa invasão de torcedores foi assustadora”, recorda.
O já experiente Anderson Lima, na época com 31 anos, admite que a ira de Blanco não foi ‘de graça’, e foi provocada através de uma dica de um amigo sobre um detalhe da vida pessoal do jogador mexicano, não revelado pelo ex-lateral direito do São Caetano. Revoltado, Blanco não deixou barato e largou o cotovelo em Anderson Lima, em mais uma passagem da briga.
“Naquela época nós tivemos quatro confrontos contra eles: na fase de grupos e depois nas oitavas da Libertadores da América, e eu tinha um amigo no México que tinha contato com o Blanco e me disse que ele era pavio curto em relação a algumas coisas que ele não gostava de ouvir. E aí eu peguei ele nesse campo frágil e o segundo jogo lá, nas oitavas, foi uma batalha, mas a nossa equipe era muito bem treinada, era muito bem formada naquele ano, e a gente sabia o que queria, era um grupo realmente sensacional... E no final do jogo teve confusão, eu pensava que ia ficar só dentro de campo, mas infelizmente passou para fora, para os torcedores, os torcedores ficaram revoltados e automaticamente a gente se reuniu no meio de campo; e quando a gente estava no meio do campo a torcida conseguiu abrir o portão do fundo. Então imagina a gente? Nós ficamos numa encruzilhada, a gente não tinha para onde correr, então foi uma partida muito difícil dentro e fora do campo”, conta.
“Eu não posso falar o que eu falei pra ele, mas eram coisas ligadas à parte pessoal, que tiravam ele do sério. Era coisa particular dele, de família, mas eu não quero entrar muito no mérito, isso já passou, e essas coisas não valem mais a pena, eu já tinha falado para ele aqui em São Caetano e depois no segundo jogo, quando a gente marcou o gol de empate, aí começaram as provocações. E o Blanco já tinha arrumado confusão desde o primeiro jogo, na fase de grupos, já era uma rivalidade. E no final, quando eu falei para ele, ele me acertou uma cotovelada e, automaticamente, teria que sair do campo e ir para o vestiário, só que ele ficou atrás do gol quando foi expulso e, quando acabou o jogo, o goleiro Silvio Luiz se ajoelhou para agradecer a Deus e o Blanco veio e deu um pontapé nele, e a confusão começou. Eu também acho que a nossa logística foi muito errada em relação a termos de segurança. A gente só tinha o Carrasco [segurança], contrataram dois seguranças de terno e gravata que realmente não eram o que a gente necessitava naquele momento. Ou seja, foi um momento difícil porque o jogo passou ao vivo aqui no Brasil e nossos familiares ficaram preocupados”, completa.
Classificado para as quartas de final, o São Caetano acabou eliminado nos pênaltis pelo Boca Juniors, da Argentina, que só foi batido na grande decisão pelo Once Caldas, da Colômbia, também nas penalidades máximas.
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