Até pensei em suicídio, diz Braghetto após ter se retirado dos gramados
Três anos após se aposentar dos gramados em meio a uma polêmica, o ex-árbitro de futebol Rodrigo Braghetto, de 41 anos, afirmou em entrevista ao UOL Esporte que pensou em se matar.
Ele tomou a decisão de se retirar dos gramados como árbitro após ser impedido de apitar o último jogo da final entre Santos e Corinthians, na Vila Belmiro, válido pelo Campeonato Paulista de 2013. Na ocasião, o jornalista Paulo Cezar de Andrade Prado, responsável pelo Blog do Paulinho, publicou que Braghetto recebia dinheiro do Corinthians por intermédio de sua empresa, a Apto Esportes. Com a repercussão do caso, a Federação Paulista de Futebol (FPF) decidiu tirá-lo da partida.
Após ser afastado da final do Estadual de 2013, Braghetto anunciou sua aposentadoria, que, segundo ele, foi uma decisão bastante dolorida. De acordo com o ex-árbitro, o afastamento definitivo dos campos como juiz interferiu até em seu casamento com Ana Silva, mãe de seu único filho, Lucas, de dois anos.
Atualmente divorciado, Braghetto continua no comando da Apto Esportes, além de ser presidente do Paulistano de São Roque, clube que tem times sub-15 e sub-17, e diretor executivo do Independente de Limeira, equipe que está na terceira divisão do Campeonato Paulista.
Nesta entrevista para o UOL Esporte, o ex-árbitro comenta sobre o impacto que a aposentadoria teve em sua vida e a mágoa com o atual presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, que, em 2013, comandava a FPF e o afastou da final do Paulista, entre outras coisas.
Como soube que não apitaria a final do Campeonato Paulista de 2013?
Tivemos a infelicidade de o blog do Paulinho ter colocado que eu recebia salário do clube do Corinthians. Eu nunca recebi salário do Corinthians. Eu tenho uma empresa [Apto Esportes], emito nota fiscal eletrônica, recolho impostos e escalo as pessoas para trabalhar lá. O Corinthians é meu cliente com o seu clube social, nunca foi com o seu time profissional.
nota da redação: conforme se revelou na época, a empresa de Braghetto tinha o departamento de futebol amador do Corinthians como um de seus clientes, que também incluíam Santos e Portuguesa. Ou seja, ele não recebia pagamentos do clube, mas sua empresa, sim. Na ocasião, o Coronel Marinho, chefe da arbitragem, afirmou que o caso não se tratava de conduta imprópria, mas alegou que o ideal seria mudar o juiz da partida para evitar insinuações caso houvesse erros durante o jogo. Naquela semana, o Corinthians havia sido eliminado da Libertadores pelo Boca Juniors em um confronto repleto de erros da arbitragem, tornando a função o centro das atenções nas discussões.
Mas quem te comunicou que estava fora da decisão?
Recebi a escala numa quarta-feira. Foi no dia 15 de maio. Havia toda aquela empolgação. Depois já estava me preparando, descansando, alimentando e concentrando, quando, na sexta-feira, o coronel Marinho [ex-chefe da Comissão de Arbitragem da FPF] me ligou, perguntando se eu tinha visto o Blog do Paulinho. Eu falei que não. Olhei o blog e vi que ele tinha publicado que eu recebia salário do Corinthians. Eu disse para o coronel que não recebia salário. Expliquei que tinha um contrato por meio da Apto Esportes, algo que já havia comentado com ele. Então ele me disse para eu enviar um e-mail com a explicação.
Foi o tempo de eu elaborar um e-mail para colocar todos os meus clientes. Eu tenho o Sesc, por exemplo, como um grande cliente. O Corinthians nem era um cliente grande. Mas, mesmo assim, fui tirado da final. O coronel Marinho me comunicou a decisão da FPF, tomada por Marco Polo Del Nero.
Ficou magoado com o Marco Polo Del Nero e com o coronel Marinho?
Eu ainda não tive a oportunidade de encontrar o Marco Polo Del Nero. Eu acho que ele foi infeliz neste caso. Ele sempre prestigiou os árbitros. Quando assumiu a FPF, implantou uma frase que é: “Um jogo de futebol é feito por 25 profissionais, os 22 jogadores, árbitros e bandeirinhas”. É uma pessoa que fez bastante coisa, deu certo respaldo para a arbitragem por intermédio do coronel Marinho.
Ficou um pouquinho de mágoa porque ele poderia ter usado a minha situação para sacramentar o quanto os árbitros são honestos em São Paulo e no Brasil. Dizer que eu iria apitar o jogo, que estava com eles há 20 anos e nunca tive nenhum desvio de conduta. Errei, como erram todos, mas não por falta de idoneidade. Isto foi o que me deixou chateado.
Perdi momentos familiares e finais de semana por causa da arbitragem. Foram quase 20 anos de dedicação para um cara de um blog colocar em dúvida minha credibilidade.
No ano anterior, eu havia apitado Corinthians e Ponte Preta pelas quartas de final do Paulista, no Pacaembu, e o Corinthians foi eliminado. Ele tinha argumentos e elementos suficientes para me manter na final de 2013.
Já pelo coronel Marinho eu tenho um grande respeito. Foi um dos bons dirigentes que eu tive. O lado ruim é que ele nunca apitou, mas se ele tivesse apitado, seria ótimo.
Chegou a questioná-los pela decisão à época?
Eu falei para o coronel Marinho que se o Marco Polo Del Nero me afastasse da final, eu iria me aposentar. Ele me pediu calma e disse para eu não tomar nenhuma decisão precipitada, que seria melhor para mim, seria bom para a minha segurança e para o campeonato.
Eu respondi que eu iria apitar de qualquer jeito, que nada iria afetar a minha segurança. Se eu errasse ou se acertasse, nada aconteceria comigo.
Qual é a sua opinião sobre o ex-presidente da Comissão de Arbitragem da CBF, Sérgio Corrêa?
A gestão dele não foi feliz, não foi transparente. Não prestigiou quem estava melhor. Aliás, este negócio de sortear árbitros é uma imbecilidade. Árbitro não tem que ser sorteado. Tem que ser escalado. Isto não existe. Se há alguma suspeita de que um técnico possa escalar um time mais fraco para prejudicar um rival, alguém pede para ele sortear os jogadores relacionados? Não, né?
O Corrêa disse que os juízes só o criticam depois de sair do quadro de arbitragem. Eu tive problemas públicos com ele quando apitava. Eu o questionava porque queria melhorar a situação da nossa classe.
Ele é detentor de uma frase: “Se você não quer, tem quem queira”. Isto me magoou. Ninguém pode falar isto. Os árbitros do Brasil são profissionais, são abnegados, não tem ninguém mais profissional do que os árbitros. Costumo dizer que um roupeiro, um massagista... Eles são registrados em um clube de futebol, CLT, têm salário... Eles têm garantias, direitos e obrigações. Os árbitros, porém, só obrigações. Salário só se apitar. Garantia zero. Eu saí da arbitragem e ninguém me deu nem um diploma de excelentes serviços prestados, ninguém me deu nem uma medalha de mérito.
E o que aconteceu na sua vida depois de ser afastado? Por que resolveu se aposentar depois do episódio?
Minha aposentadoria não foi um ato de rebeldia. Comecei na arbitragem muito cedo. Com 20 anos, eu já apitava na Primeira Divisão do Paulista. Fui um dos mais novos a atuar na competição como juiz. Eu me dediquei muito e perdi muita coisa. Larguei emprego por causa da arbitragem. Trabalhava no Itaú e estava muito bem na carreira. Além disto, sou formado em Educação Física. Tive propostas de grandes colégios de São Paulo para trabalhar com remuneração alta e não aceitei para ser árbitro.
Comecei a sonhar alto como juiz. Pensava que poderia apitar em uma Copa do Mundo, talvez. Ainda tinha sete anos de carreira como árbitro e aquele afastamento da final do Paulista foi algo muito repentino. As pessoas não sabem, mas até suicídio eu pensei em tentar. Foi um momento bem difícil da minha vida.
Eu ainda tenho meus pais vivos. Tive uma sensação de óbito porque eu me peguei sem chão, sem nada. Caramba, eu fiquei 20 anos apitando, tinha 38, para mim a vida era apitar.
Conte melhor esta história de pensar em suicídio.
Eu cheguei a ficar em um quarto trancado. Fiquei seis meses muito mal, depressivo. Tive que tomar uns Rivotril da vida. Minha mãe colocava escondido na Coca Cola porque eu não gostava de tomar remédios. Não conseguia sair da cama. Fiquei extremamente desmotivado, sem vontade de sair para vida. Cheguei a dormir pedindo para não acordar, para morrer dormindo. No outro dia, foi bem complicado. Eu ando de moto. Por alguns momentos, andando na Marginal Tietê, eu falei: “Se eu pegar a moto e entrar embaixo de uma carreta, já vai logo no peito e resolve meu problema”. Então assim, foi bem por pouco.
Porque dizem que quando a pessoa pensa três vezes em cometer suicídio, ela comete mesmo. E cara, no meu caso, foram duas vezes muito fortes. Que eu falei cara, não estou suportando esta parada [de apitar]. Depois ainda tive problemas de ordem judicial com um ex-funcionário, que desviou verba e não foi um valor baixo. Como se não bastasse a parada da arbitragem, ainda tive estes problemas, de ordem profissional.
Como superou estes momentos depressivos?
Eu sempre tive muita espiritualidade. Apeguei-me a Deus e aos meus negócios. Então eu não me suicidei por dois motivos. Porque estava esperando meu filho Lucas. Eu me prendi muito ao nascimento dele. Eu acho que se não fosse isso, eu teria feito uma besteira.
O segundo motivo foi o apego à religião. Eu sempre frequentei igreja por ter estudado em escolas salesianas. Eu me apeguei a Deus. Tentei entender qual era o propósito de tudo isto acontecer em minha vida e entendi.
Qual foi a conclusão em que chegou?
Bom, hoje eu tenho meus negócios. A Apto Esportes continua ativa. Tenho o Corinthians ainda como meu cliente. Os campeonatos internos do clube são muito bons e organizados. Faço trabalhos semelhantes com a Portuguesa e com o Palmeiras. Sou presidente do Paulistano de São Roque, diretor executivo do Independente de Limeira e gerencio um dos melhores complexos esportivos de São Paulo que é o Lausanne, na Zona Norte. Atendemos jovens e fazemos trabalhos para transformá-los em pessoas preparadas para vida. Mesmo que eles não se tornem craques, eles saem com um direcionamento para a vida. Minha carreira como árbitro foi interrompida de forma antecipada, mas agora sou um gestor de futebol. Sou formado em Administração de Empresas. Sempre tive outra ocupação além da arbitragem, como todos outros juízes. Mas por continuar envolvido com eventos esportivos, perco alguns finais de semana. Ainda bem que a minha atual namorada entende isto (risos).
Você está namorando atualmente, mas se divorciou da mãe do seu filho. O episódio de 2013 prejudicou seu casamento?
Influenciou muito. Porque meu maior rendimento financeiro era como juiz. Eu atuava na Primeira Divisão do Campeonato Paulista e do Brasileiro. Eram as maiores taxas de futebol. Eu errava, errei, como todos os árbitros, mas fiquei pouco tempo na geladeira.
A minha empresa vinha em uma crescente, mas ainda não conseguia me sustentar e isto afetou demais. Minha ex-mulher segurou as contas de casa, mas era difícil. Por isto e outros motivos, nosso casamento ficou insustentável.
Hoje nos damos bem. A guarda do Lucas é dela, mas ela me deixa vê-lo. Não dificulta em nada. Inclusive, dá umas duras quando fico muito tempo sem visitá-lo.
Se não fosse o episódio de 2013, você continuaria apitando até os 45 anos, que é a data limite para continuar na arbitragem?
Sim, acredito que sim. Graças a Deus, sempre fui fisicamente bem preparado, sempre fui magrinho. Era uma marca minha. Corria bastante. Então, eu estou com 41 anos, nunca tive lesão grave de nada, nem joelho, tornozelo. Até meu pai, quando vê alguns erros por aí, ele fala : “Volta a apitar”. Aí eu falo não. Agora estou em outra carreira.
Arrepende-se da aposentadoria da arbitragem?
Hoje não. Estou muito bem em minhas atividades. Mas esta resposta já foi outra em outros momentos. Mudou durante estes três anos parados.
Em 2014, quando fiquei pela primeira vez fora da escala de árbitros, eu dei voltas com o meu cérebro. Foi bem complicado não estar lá, mas hoje eu acho que conseguir me libertar disto.
Eu apitava jogos festivos de final de ano, mas me vestir como juiz me faz mal. Parei com isto. Continuo no futebol por meio dos meus projetos, porém não coloco mais o uniforme de árbitro. Meu cérebro fica confuso.
Quais são os planos para o futuro, Braghetto?
Tenho os meus negócios, mas uma coisa que gostaria de fazer era voltar a comentar arbitragem na TV. Tive uma experiência legal na TV Bandeirantes. Infelizmente, por causa da crise que afetou a todos, inclusive veículos de comunicação, não renovaram o meu contrato. Mas gostaria de voltar a trabalhar em algum canal.
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