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Volta ao Camp Nou impõe quatro desafios diferentes a Guardiola

Guardiola promete fidelidade a sua filosofia de futebol na visita do City ao Barcelona - Reuters / John Sibley Livepic
Guardiola promete fidelidade a sua filosofia de futebol na visita do City ao Barcelona Imagem: Reuters / John Sibley Livepic

Do UOL, em São Paulo

19/10/2016 06h00

Ver Pep Guardiola ocupando o banco de reservas dos visitantes no Camp Nou é testemunhar uma cena inusitada. Afinal de contas, foi a partir deste palco que o treinador comandou a maior revolução do futebol moderno, acumulando troféus e praticamente criando um estilo de jogo dominante à frente do time da casa. No entanto, pela segunda vez desde que deixou o Barcelona, o catalão volta ao estádio como rival.  

O Manchester City de Guardiola encara o Barcelona nesta quarta-feira, às 16h45 (de Brasília), em partida válida pela terceira rodada da primeira fase da Liga dos Campeões. Mais do que a liderança do grupo C, o treinador reencontra antigos comandados e se vê diante de quatro desafios distintos. Apesar da liderança na Inglaterra e do melhor início de trabalho em sua carreira (dez vitórias nos primeiros dez jogos oficiais), o técnico se depara com o primeiro momento genuíno de pressão na temporada,

1. Será que o City consegue jogar sem posse de bola?

Em todas as 13 partidas oficiais disputadas nesta temporada o Manchester City jogou "à la Guardiola", ou seja, dominando os adversários a partir da posse de bola. Nenhum rival conseguiu reter mais o jogo até o momento. No entanto, o compromisso desta quarta é diante do Barcelona, cuja cultura de ditar o ritmo permanece em voga, mesmo depois de quatro anos da saída de seu técnico-mentor.

Até o momento, o time de Guardiola teve a menor posse na derrota para o Tottenham (52%), mas conseguiu números impressionantes na vitória como visitante sobre o Manchester United (60,1%) e na partida contra o Everton no último final de semana (72,6%). O City também teve mais a bola nos dois compromissos anteriores da Liga dos Campeões, contra Borussia Mönchengladbach (58%) e Celtic (57%).

O embate desta quarta-feira confrontará os times com mais posse do Campeonato Inglês (64%) e do Campeonato Espanhol (68%). No entanto, como visitante, será que o time de Guardiola consegue mais tempo com a bola do que os donos da casa? "Mudar a maneira como você pensa futebol por apenas uma partida é impossível", afirmou o treinador na coletiva de véspera do jogo, em uma indicação do que deseja do City no Camp Nou. 

2. Um selo para seu projeto autoral

Pep Guardiola contava com um elenco estelar no Bayern de Munique, mas a imprensa europeia relata que o técnico nunca se sentiu plenamente à vontade na Alemanha. Esportivamente, foram três títulos nacionais e três eliminações seguidas na semifinal da Liga dos Campeões. No entanto, a mídia do continente diz que a falta de autonomia total foi o fator que interrompeu o trabalho.

Uma reportagem desta semana do jornal El Mundo Deportivo, de Barcelona, indica descritivamente que Guardiola desistiu do projeto Bayern em razão de algumas dificuldades, como, por exemplo, não poder ir além de um certo "caráter alemão", em termos de cota de jogadores do país em campo e estilo de jogo.

Yaya Touré passa atrás de Guardiola durante amistoso de pré-temporada do City - Reuters / Bobby Yip Livepic - Reuters / Bobby Yip Livepic
Touré x Guardiola: tensão no elenco
Imagem: Reuters / Bobby Yip Livepic

Além disso, o treinador espanhol teria se sentido incomodado com a falta de acesso às categorias de base e ao departamento médico. Segundo o mesmo jornal, Guardiola também precisou aceitar contratações que não o convenciam totalmente, como a do chileno Arturo Vidal.
 
Em Manchester, já de cara o treinador encontrou carta branca. Muito disso em razão da retaguarda na diretoria, cujo dois principais nomes são os espanhóis Ferran Soriano (chefe executivo) e Txiki Begiristain (diretor esportivo) – ambos ex-colegas de Barcelona. Neste ambiente, Guardiola pode trabalhar com seus métodos preferidos, influenciando rotinas das mais diversas, mesmo as não esportivas. Recentemente, o comandante determinou que o wi-fi dos vestiários fosse desligado, para evitar o abuso de celulares nas mãos dos jogadores.
 
No planejamento de campo, o treinador não hesitou em descartar o goleiro Joe Hart, ídolo do clube, em razão de sua filosofia de time. Guardiola preferiu contratar o chileno Claudio Bravo, que joga bem com os pés, emprestando o antigo titular para o futebol italiano. O comandante também afastou o meio-campo Yaya Touré, grande destaque do City no título inglês de 2014.
 
Mas há quem defenda que, apesar de aparentes excentricidades, a fé no estilo Guardiola será recompensada. Uma vitória sobre o Barcelona como visitante pode servir como um selo de qualidade para referendar a etapa inicial do projeto no City. “Se existe uma pessoa que pode mudar a mentalidade dos jogadores ingleses e do futebol inglês, essa pessoa é Guardiola”, comentou Xavi, ex-jogador do Barcelona e antigo atleta de confiança de Pep, em entrevista à BBC nesta semana.
 

3. "A primeira vez é algo 'uau'. A segunda é algo normal"

Não é inédita a visão de Guardiola como adversário do Barcelona no Camp Nou. Na temporada 2014-15, o seu Bayern de Munique caiu diante do time de Messi por 3 a 0, no jogo de ida da semifinal – posteriormente, os espanhóis acabaram confirmando a classificação para a decisão com uma derrota por apenas um gol na Alemanha.

Luis Enrique e Guardiola posam para foto no time do Barcelona da temporada 1996-97 - Gustau Nacarino REUTERS - Gustau Nacarino REUTERS
Luis Enrique (à esquerda) e Guardiola: amigos desde o Barça dos anos 90
Imagem: Gustau Nacarino REUTERS

O retorno de 2015 foi emocional em exagero, segundo o próprio Guardiola admitiu recentemente, assim que o sorteio colocou o Barcelona no caminho do City no torneio deste ano. "Aconteceu quando estava no Bayern. A primeira vez é algo como 'uau'. A segunda vez é a segunda vez. Depois se torna algo normal", comentou o técnico, prometendo frieza.

 

Guardiola reencontrará em campo alguns jogadores que ajudou a forjar para o futebol mundial, como Busquets e Piqué, peças que exemplificam o sucesso de sua filosofia de futebol. De quebra, ainda será adversário de Luis Enrique, um amigo íntimo com quem dividiu vestiários no Barcelona entre 1996 e 2001, como atletas. Juntos, os dois treinadores também trabalharam no clube por três temporadas (quando Luis Enrique dirigia o Barcelona B).

 

"É o melhor técnico do mundo", disse Luis Enrique sobre o amigo e adversário na última terça-feira, véspera do confronto. 

 

4. O "apagão" de Aguero e a ameaça de declínio

Depois de uma arrancada de dez vitórias seguidas, o Manchester City encontrou seu primeiro instante de instabilidade na temporada nas últimas semanas. O time de Guardiola vai ao Camp Nou nesta quarta com algumas preocupações pontuais e uma série de três jogos sem ganhar (empates com Celtic e Everton e derrota para o Tottenham).

Principal destaque individual da ainda incipiente era Guardiola, Kevin De Bruyne passou algumas semanas ausente devido a uma lesão – e simultaneamente o time apresentou uma leve oscilada. O belga voltou à atividade no último final de semana, mas desperdiçou um pênalti no empate em casa com o Everton.

Aliás, os pênaltis são uma questão delicada neste momento do City. O time converteu apenas quatro de oito cobranças na temporada. Sergio Aguero é o batedor oficial e perdeu três em sete tentativas. O argentino vem de duas falhas seguidas, incluindo Campeonato Inglês e eliminatórias da Copa.  

Aguero desperdiça pênalti em empate do City com o Everton pelo Campeonato Inglês - (AP Photo/Rui Vieira - (AP Photo/Rui Vieira
Aguero e a sina dos pênaltis perdidos no City
Imagem: (AP Photo/Rui Vieira

Mas, pênaltis à parte, o desempenho de Aguero com a bola rolando também preocupa. O argentino começou a temporada "voando", anotando 11 gols em seis partidas. No entanto, o desempenho técnico do atacante caiu – ele não marca há três compromissos.

Por fim, Guardiola ainda não conseguiu se decidir entre uma linha de defesa com três ou quatro integrantes. O treinador vem reclamando que sua equipe ainda não se adaptou a partidas em que o time adversário impõe uma "marcação alta", logo na saída de bola. Foi assim no final de semana, no tropeço em casa contra o Everton (Otamendi, Stones e Clichy em campo). A tendência é que o espanhol adote uma formação mais conservadora para contra o Barcelona nesta quarta.