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Seis motivos explicam por que os torcedores estão tão violentos na Eurocopa

João Henrique Marques e Luiza Oliveira

Do UOL, em Paris e em São Paulo

24/06/2016 06h00

Cenário de guerra em Marselha, atos racistas, jornalistas brasileiros agredidos... A Eurocopa 2016 tem dias marcados pelo horror da violência. A ação de hooligans deixou o futebol em segundo plano e mostrou um cenário de ódio e guerra na Europa. Mas o que está acontecendo para os torcedores se tornarem tão violentos?  

O Ministério do Interior da França informou ao UOL Esporte que 577 torcedores foram detidos até a última segunda-feira. Já são 344 presos, sendo que alguns ainda estão sujeitos a penas graves. O número de deportados é de 21. A cada dia de competição sobem as estatísticas de agressores e agredidos. Os episódios mais sangrentos foram os três dias de confrontos entre ingleses e russos em Marselha, mas muitos outros atos de muita gravidade se sucederam.

Mas por que os ânimos estão tão acirrados, e os torcedores tão violentos? O UOL Esporte selecionou alguns pontos que ajudam a explicar a violência na Eurocopa.

1 - Momento conturbado da França

O país está em convulsão por causa da reforma trabalhista que o presidente François Hollande quer promover. A medida impopular gerou uma onda enorme de protestos, com mais de dez setores em greve, bloqueios de estradas, violência, pessoas presas e policiais acusados de abuso. A isso, soma-se uma crise social com o desemprego beirando 10%, e um país em estado de emergência e amedrontado desde os atentados de Paris em 2015. O momento já não era dos melhores para sediar uma competição desse porte.

2 - Falhas na segurança

A França também cometeu um erro na sua estratégia de segurança. Focou as ações policiais na contenção de manifestações e ameaças de ataques terroristas e se ‘esqueceu’ dos torcedores. Essa é a visão de Mauricio Murad, sociólogo especializado em violência no futebol e autor do livro Para entender: A violência no futebol”. “O sistema de segurança ficou mais preocupado com a ameaça interna e externa de terrorismo e acabou se esquecendo do hooliganismo, relaxando um pouco nas condições futebolísticas”, analisa.

3 - Hooligans nunca foram extintos

Com todos esses incidentes na Eurocopa, muita gente acha que os hooligans voltaram. Mas, na verdade, eles nunca acabaram. Apenas foram controlados na Inglaterra, depois do relatório Taylor que culminou na exclusão da Inglaterra de competições por cinco anos e medidas severas de punição que tornaram o futebol inglês mais organizado com estádios mais seguros e confortáveis.

Mas o movimento continua em ação, como explica Felipe Tavares Paes Lopes, doutor em psicologia social pela USP e pós-doutor em sociologia do esporte. “O hooliganismo inglês jamais foi eliminado, embora não tenha a mesma força dos anos 80. Em função do controle, eles não estão nos grandes jogos da Premier League, mas migraram para as divisões de acesso, alguns adotaram clubes menores para entrar em ação, há registros de confrontos em pubs na periferia. E também estão presentes em viagens e deslocamentos para o exterior que é o caso da Eurocopa”.

4 - Hooliganismo em ascensão fora da Inglaterra

Além disso, o hoooliganismo não se restringe à Inglaterra. Há um movimento forte em países do Leste Europeu, na Rússia e na Alemanha. Para se ter uma ideia da ação deles, já durante a Euro, a polícia alemã deteve 21 deles em Tréveris, cidade da Alemanha que faz divisa com o norte da França, durante viagem de carro a Lille, palco do jogo contra a Ucrânia, na primeira semana da competição.  O anúncio foi de que eles seguiam em três vans e levavam consigo protetores bucais e capacetes.

5 - Russos querem dominar o movimento

Na atual edição do torneio, mais que os ingleses, os russos vêm assumindo o protagonismo do movimento e surpreendendo pela capacidade destrutiva e nível exacerbado de violência. É o país com maior número de punidos e deportados. Felipe Lopes acredita que é uma forma de tomar à frente do hooliganismo, o que explicaria até a batalha campal em Marselha.

“O hooliganismo inglês está de alguma forma em declínio. Os hooligans do Leste Europeu e da Rússia viram a possibilidade de se firmarem como dominantes nesse campo, por isso se envolveram em uma série de brigas, sobretudo com ingleses, que foram os mais visados. Esses grupos perceberam a possibilidade de se firmarem como o grande país do hooliganismo no europeu”, explica Felipe Lopes.

6 - Crescimento de movimentos de extrema direita e intolerância na Europa

Se não bastassem todos os problemas de violência física, a Eurocopa também está sendo marcada por episódios de racismo e intolerância. Até jornalistas brasileiros sofreram a dor do preconceito. A repórter da Band Sônia Blota e o cinegrafista Fernando Henrique de Oliveira foram agredidos fisicamente por torcedores alemães que gritaram: ‘fora daqui, seus negros’.

O racismo não é novidade e, mesmo no futebol, é recorrente. Mas os especialistas ouvidos pelo UOL Esporte acreditam que existe um movimento crescente de extrema direita na Europa, o que contribui para a intolerância e para atitudes como essas.

“O hooliganismo vê o adversário como inimigo e prega a exclusão do que é diferente. E na Europa a gente vê o crescimento de movimentos como skinhead, xenofóbico, neonazista, gangues urbanas, está tudo ligado à intolerância, é um ponto de convergência. Você soma isso a um continente em crise tanto econômica e política como humanitária. Nunca se teve tanto imigrante e refugiado, são milhões de pessoas chegando na Europa. É a ideia: ‘você veio para roubar o meu lugar no mercado de trabalho, o meu lugar nas políticas públicas do governo, o meu lugar nas preferências futebolísticas. Está tudo interligado, é um paiol de nitroglicerina”, analisa Murad.

E o que está sendo feito para coibir a violência?

O que fazer diante desse barril de pólvora pronto para explodir e diante de uma violência considerada calamitosa? O governo francês já chegou à conclusão de que a segurança do país mobilizada para o evento foi insuficiente. São mais de 90 mil policiais, mas grande parte deles é de profissionais especialistas no combate ao terrorismo.

Por conta disso, a polícia francesa abriu as portas para ajuda internacional. Da Espanha, por exemplo, chegaram mais de 10 mil policiais para ajudar em jogos da seleção espanhola. A Interpol, o serviço de policiamento britânico, também anunciou que moveu grande contingente a Paris. O órgão admite a grande possibilidade de hooligans com passaportes roubados ou falsificados na capital francesa.

Mas não há qualquer expectativa de resolução do problema. “Nós não garantimos o risco zero, mas reforçamos nossas operações e diminuímos incidentes, informou o Ministério do Interior da França ao UOL Esporte.