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Astro português mentiu sobre mulher e usou disfarce pra dar cano no Santos

Luis Aguilar

Colaboração para o UOL, em Lisboa

19/05/2016 06h01

Paulo Futre um dos melhores jogadores da história do futebol português. Conquistou a Liga dos Campeões de 1987, pelo Porto, e a Bola de Prata (segundo melhor jogador da Europa) naquele ano. Começou no Sporting, atingiu a glória europeia no Porto, foi o grande símbolo do Atlético de Madrid, passou por Benfica, Marselha Milan, West Ham e acabou no Japão. Mas por muito pouco não jogou no Brasil.

Futre teve a chace, mas “deu o cano” tanto na Portuguesa quanto no Santos em 1998, ano em que a Federação Paulista de Futebol ajudava os clubes a arcar com salários dos jogadores. Então presidente da federação, Eduardo José Farah tentou criar um modelo competitivo ao estilo da NBA. Queria contratar estrangeiros e distribuí-los por várias equipes.

Na época, o português veio até São Paulo e frustrou Lusa e Santos, e quase ninguém entendeu. Paulo Futre, hoje com 50 anos, explica e culpa basicamente duas coisas: o amadorismo e desconhecimento dos cartolas da Portuguesa na época, e o forte assédio da imprensa quando esteve próximo do Santos. A aventura para ir embora do país teve invenção de doença da mulher e até disfarce no aeroporto.

Portuguesa

Futre diz o que queria ao deixar a Europa rumo ao Brasil. “Tinha 32 anos, vários problemas no joelho. Queria apenas dar mais uns chutes na bola em um campeonato e país onde pudesse ter uma vida calma. Um futebol mais lento e mais calmo do que na Europa.”

O plano era esse. O jogador reuniu-se com Farah na sede da Federação Paulista, mas os diretores da Portuguesa não apareceram. “Perguntei por eles e me disseram que estavam no estádio. Fui para lá na esperança de ver alguém do clube para onde supostamente iria jogar.”

Seguiram-se os exames médicos mais rigorosos da vida do jogador do Atlético de Madrid: “Eles sabiam do meu joelho e fizeram uma bateria de testes, ressonâncias magnéticas e tudo mais, durante horas. E os diretores da Portuguesa? Nada. Aquilo começou a me irritar”, explicou.

No dia seguinte, Farah ligou pra Futre. “Me disse que podia assinar contrato na Federação Paulista e que os diretores da Portuguesa, finalmente, iriam estar lá.” Futre dirigiu-se ao local na esperança de encontrá-los. “Quando chego, mais do mesmo. Era de manhã, na hora combinada, e me falaram que as pessoas da Portuguesa só poderiam ir à tarde. Foi a gota d´água.”

Ficou à espera apenas para dizer que não iria mais. Os diretores da Portuguesa finalmente chegaram. “Apareceram como se nada tivesse acontecido. Após faltarem a duas reuniões e terem chegado uma vez mais atrasados”, lembra, ainda irritado, passados 18 anos. “Estenderam-me a mão, mas não retribuí”, lembra. “Falei: ´sabem quem é que têm à frente? Liguem lá para os seus familiares em Portugal e perguntem quem eu sou. Depois desta falta de respeito, não jogo na Portuguesa nem morto´”, falou.    

“No dia seguinte, os dirigentes da Portuguesa disseram que não me contrataram porque eu tinha pedido um helicóptero e uma limusine. Além de maus profissionais também eram mentirosos.” Farah deu razão ao português e começaram a procurar outra solução.  

O centroavante português Paulo Futre chegou a conversar com a Portuguesa na década de 90, mas não acertou. - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images
Próximo destino: Santos

O presidente do Santos, Samir Abdul-Hak, ouviu as condições de Futre e ficou combinado que se encontrariam na Federação Paulista, sob a hospitalidade de Farah, para discutirem o contrato. “Na manhã seguinte, chego à Federação e estavam dezenas de jornalistas e me perguntavam se era verdade do helicóptero e da limusine?’ Já que queriam palhaçada, e respondi. ‘Não, cara. Pedi um avião privado, não foi um helicóptero.’”

Apesar disso, chegou a um acordo salarial com o Santos. O salário do português seria divido entre o clube a federação. A assinatura de contrato e a apresentação ficaram marcadas para o dia seguinte. “Tinha o meu itinerário todo feito. Às 8h faria exames médicos no Vila Belmiro. Às 11h daria uma coletiva de imprensa já como jogador do Santos. E às 18h seria apresentado ao público pelo rei Pelé.”

Um dia cansativo. Era preciso descansar bem. Futre então foi para o hotel e a cabeça começou a pensar. “O Brasil, afinal, não era bem o que eu pensava. Muita pressão da imprensa. Em todo o lado. Estava tudo em cima de mim. Alguns jornalistas escreviam: ‘O que vem fazer aqui este veterano? Com um joelho morto?’ Me jogaram pra baixo. A aventura já tinha começado mal, com todo o episódio da Portuguesa, e estava com um mau pressentimento.” Foi então que veio a decisão relâmpago: abandonar tudo.

“Ainda deitado percebi que aquele filme não era para mim. Já não tinha idade para estas aventuras. Mas queria sair daquela armadilha sem arranhar minha imagem. Tinha de inventar qualquer coisa.”

Futre então se levantou, chamou o amigo e o advogado e avisou da decisão. “Eles começaram a dizer que eu estava maluco e que iríamos ser todos mortos ali. Mas acalmei-os. Já tinha pensado em tudo. Precisava ligar pra minha mulher e pedir para ela ir ao hospital dizer que não se sentia bem.”

A parte mais difícil foi convencer a mulher. Desde que tinha chegado ao Brasil, Futre sempre disse que estava tudo bem. “Fiz isso durante toda a minha carreira, mas desta vez tive de abrir o jogo”, lembra. “Contei tudo o que se tinha passado e expliquei  que aquela era a única forma de me safar. ‘Vá até o hospital, diga que está com dor de barriga e o departamento médico do Atlético de Madrid faz um comunicado: mulher de Futre internada. A partir daí, resolvo as coisas por aqui.’”

Depois de alguma resistência, Isabel aceitou. O médico do Atlético, sem ter conhecimento de que a esposa do jogador estava bem, mandou emitir a nota de imprensa. Futre falou com o presidente do Santos: “Veja o que acontece com minha mulher. Tenho de ir já a Espanha para ver o que se passa e regresso daqui a dois dias.” Samir Abdul-Hak entendeu e não levantou qualquer problema.  

Tudo tratado. Só faltava voltar pra Espanha. E passar despercebido no aeroporto. “Comprei um boné, escondi o cabelo, gola para cima e camisa para fora. Os jornalistas estavam todos à minha volta. Artilhados de máquinas fotográficas e câmaras. Mas nem perceberam quem era.”

E Futre voltou para a Europa, sem nunca mais aparecer pra dar satisfação ao Santos. Depois disso, optou por jogar no Japão, por não ter tanta pressão. “O clube onde terminei a carreira, foi uma boa decisão. Só fiquei com pena por nunca ter sido apresentado pelo rei Pelé”, finalizou.