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Exclusivo: Dunga cutuca Marcelo e desabafa: "querem mudança ou não?"

Dunga, Gilmar Rinaldi e Marco Polo Del Nero durante a convocação da seleção brasileira para a Copa América 2015 - Mowa Press - Mowa Press
Imagem: Mowa Press

Danilo Lavieri

Do UOL, no Rio de Janeiro (RJ)

14/04/2016 06h00

"Nada supera o trabalho". Esse é o lema usado por Dunga para passar por cima dos momentos de maior pressão na seleção brasileira, seja na época de jogador, como foi em 1990, ou como técnico, agora que enfrenta um dos momentos mais turbulento à frente da seleção pentacampeã.

Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, o treinador mostrou que se sente perseguido e faz críticas aos que dizem que querem reformulação no futebol brasileiro. Para ele, as mudanças testadas não são bem-vindas e sempre viram motivo de ataque. Citou que quando tenta mudar algo, é criticado pela atitude. "Querem mudança ou não?", desabafou. O ex-jogador revela por que recusou uma parceria com uma empresa que revolucionou o futebol alemão porque muitos aparecem "vendendo milagres".

Ainda na conversa, Dunga admitiu que Thiago Silva está fora de suas convocações por motivos extracampo, analisou a polêmica envolvendo Marcelo e deu o recado, sem especificar nomes, avisando que é preciso querer jogar na seleção e não só estar no grupo. Na primeira parte da entrevista, publicada na última quarta-feira (13), o capitão do tetra contou o que acha do nome de Tite e de Jorge Sampaoli se oferecendo para assumir seu cargo.

Por fim, o comandante ainda revelou o que mais lhe irrita e revela qual o nível de sua preocupação com o fato de o presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, não poder fazer viagens internacionais ao lado da seleção.

CONFIRA A ENTREVISTA COMPLETA:

UOL ESPORTE: Qual a avaliação do seu trabalho até aqui?
Dunga:
Não gosto de falar de mim mesmo, mas se olhar o panorama depois da Copa, que teve aquele resultado, o Brasil todo estava desacreditado na seleção. Foi um choque em todo mundo, jogadores, dirigentes, treinadores, torcedores. Aos poucos vamos recuperando. Falamos em mudança no futebol, que o treinador deve pensar diferente, deve se preparar. Todos nós temos que evoluir. Eu entendo quem tenha que escrever, falar, mas as mudanças não ocorrem de um dia para o outro. Precisa haver essa maturação, o aprendizado, uma preparação para mudar. Depois da Copa tivemos bons jogos, bons resultados outros não tanto quanto gostaríamos, mas se ver todos os resultados depois da Copa, em jogos, gols, jogadas e tudo, conseguimos melhorar. A Copa América quando se ganha fala que não é bom, mas quando se perde fala que é decisivo. Quando chegamos na Copa América tínhamos um trabalho com uma base, com um trabalho e durante a competição perdemos quatro, cinco jogadores. Foi complicado. Esse é um grupo que poucos jogaram a Copa América e muito poucos jogaram as Eliminatórias. É um campeonato diferente, juiz diferente, jogo diferente, campo diferente, ritmo diferente, a competitividade é complicada. A seleção está se mantendo. Depois da Copa América reformulamos e tomamos alguns procedimentos. Falam em mudança, comprometimento. Mas quando o treinador troca o jogador, recebe muitas críticas. Muda estilo de jogo, gera crítica. Querem mudança ou não?

A impressão que passa é que o primeiro trabalho encaixou mais rapidamente. Você vê dessa forma também? Está tendo mais dificuldade nessa segunda passagem?
Dunga
: É bom para comparar, mas suas duas realidades diferentes. Se pegar a eliminatória de 2010, na metade da competição estávamos com a mesma pontuação. Não tem diferença. Mas essa é a uma eliminatória atípica. Em 2010 tinha Brasil, Argentina e Uruguai. Dessa vez tem muito mais seleções competitivas. Se analisar, era só Brasil e Argentina com jogadores fora do Brasil, hoje, talvez somente a Bolívia tem menos jogadores, o restante tem jogadores em campeonatos no exterior. Não chegamos nem na metade e estamos a quatro pontos do primeiro. Vai ser difícil? Vai. Mas se pegar toda as Eliminatórias e a equipe vencedora, ela se cria na dificuldade. Foi assim em 1970, 1994, 2002. Não que queremos sofrer, mas é na dificuldade que precisa dar um algo a mais, acrescentar para resolver os problemas. Ganhando acaba ofuscando algumas falhas. Na dificuldade isso fica evidente e mais fácil de corrigir.

Você foi muito criticado em 1990 e deu a volta por cima em 1994. Você acha que perto dos seus convocados, há algum jogador que possa suportar a pressão que você aguentou e ser o capitão do tetra depois?
Dunga:
Não é uma questão dessa geração. Eu vejo isso em poucas gerações. Não sei como superei, não tenho uma receita. Acho que não foi sozinho, pois muitas pessoas me ajudaram, é muito difícil uma história dessa se repetir. Foi muito complicado. Tudo o que ocorria no Brasil em 1990 era culpa da era Dunga. Tudo. Até políticos se aproveitaram. Economicamente, chuva, sol. São poucas pessoas que têm força para reagir a isso. Por outro lado, você precisa ter força para reagir se você está na seleção brasileira. Reagir a críticas, desconfiança. É dura, mas o cara precisa suportar isso.

O que te fez superar? Chorou muito? Se apegou à família?
Dunga:
Nada supera o trabalho. Falar, conversar, mas sem trabalho não chega a lugar nenhum. Tive que separar críticas construtivas e outras que eram para atingir o ser humano. Mas o que me motivou a voltar à seleção e, quando falo isso as pessoas ficam bravas, é porque amo meu país. Queria ser reconhecido aqui. Não adiantava ser reconhecido lá fora, ter dinheiro, se no país onde meus filhos viviam eu tinha uma imagem negativa meu foco era esse. Recuperar pelos meus filhos e netos terem a imagem de um cara vencedor. E quando falo de vencedor, não é de ganhar tudo, mas de jamais se entregar em uma derrota. Minha vida é pautada sobre valores. Mesmo como treinador. Os jogadores que escolho são técnica, atitude, mas precisa ter valores.

E a pressão de hoje? Como faz para suportar?
Dunga:
Eu saio para caminhar. Fico pensando em tudo o que ocorreu. Mas as críticas são muito do cargo. Se não for o Dunga e for outro, serão criticados. Uns mais, outros menos, umas críticas mais endereçadas à pessoa, ao ser humano, outras por interesse por estar atrapalhando algumas pessoas. Tudo deve ser levado em conta.

Dunga recebe a taça da Fifa após a conquista do tetra nos EUA, em 1994 - Antônio Gaudério/Folha Imagem - Antônio Gaudério/Folha Imagem
Imagem: Antônio Gaudério/Folha Imagem


Se sente perseguido por alguém na imprensa? Acha que carregam essa questão pessoal mais que o trabalho?
Dunga:
Tem de tudo um pouco. Não é só isso, mas uma série de fatores. Mas tem algumas pessoas que não suportam que a seleção de 1994 tenha ganhado. Falam isso explicitamente. Outros admitem que não gostam de mim por eu ser antipático. Não estou lá para isso. Quero fazer meu trabalho. Mas existe a crítica ao trabalho por não concordarem mesmo e respeito isso. Mas repito: quem tiver nesse cargo vai receber crítica.

Por que o Brasil levou 7 a 1?
Dunga
: Isso não tem explicação. Por mais que eu não estivesse no campo, pode ter certeza que isso vai ocorrer uma vez a cada 100 anos. Depois do 7 a 1, ficamos muito zero ou cem. Não temos uma análise de quem é o culpado. Mas não analisou como o gol foi tomado, de que forma, como ocorreu. Mais do futebol em si em vez de achar o culpado.

Você sabe o porquê de ter sido escolhido pela CBF para assumir a seleção após o 7 a 1?
Dunga:
É para fazer o trabalho. A minha história dentro da seleção, aqui desde os 14 anos. Minha postura, o trabalho que realizei nos quatro anos até 2010. Eu brinco sempre: você pode ser muito bom, mas se for mordido pela mosquinha da vaidade, o trabalho não dará certo.

Quais são os três melhores treinadores?
Dunga:
Tem um monte. Só no Brasil, começamos por respeito temos Zagallo, Parreira, Felipão, Tite, Muricy Ramalho, Luxemburgo, Marcelo Oliveira, Mano Menezes, Abel Braga... Jorginho fazendo grande trabalho no Vasco. Ricardo Gomes, que trabalhou na França por muitos anos. Temos muitos treinadores preparados. Fora do Brasil podemos começar com Arrigo Sacchi, Ancelotti, Mourinho, Guardiola e Ranieri, que conseguiu montar um bom time e está dando uma resposta para aqueles que falam que ele só era vice.

A CBF recusou parceria com uma empresa belga, que revolucionou o futebol alemão. Por quê?
Dunga
: Dentro da seleção, todo dia chega alguém oferecendo um milagre. Eu não acredito. Vamos criar conjuntamente uma condição para retomar o caminho. Foi apresentado um programa e um dos itens que pega um garoto de 15 anos e diz que ele vai ser ou não um craque. Não acredito. Outro item dizia que forma a equipe e depois a individualidade. Trabalho diferente. Tenho que ter o talento e depois a equipe. Uma série de itens que não batia. O que ofereceram já temos aqui e muito mais sofisticado. Qual o clube belga campeão? Qual o treinador belga é campeão? Eles não dizem ter a solução? Respeito o trabalho deles, mas não podem colocar em xeque uma seleção. Vem aqui querendo levar vantagem. Já estamos trabalhando no que é bom para a seleção. De tanto ouvirem, acham que aqui é idade das pedras e está longe disso.

NOTA DA REDAÇÃO: Após a entrevista, Dunga mostrou à reportagem o sistema desenvolvido pela CBF, com análise de atletas de todas as categorias. O trabalho é conduzido pela comissão técnica e oito olheiros da entidade, listando atuações de todos os jogadores convocados e dos que têm potencial para isso. A CBF prometeu distribuir o software desenvolvido aos clubes e disse que, em breve, divulgará tudo ao público.

O que precisa para se manter atualizado como técnico?
Dunga:
Para fazer um curso na Europa você precisa ficar lá por seis meses. Tudo é válido. Mas se você ver o futebol amador, você está atualizado. Algumas essências que o futebol profissional tem menos. Agora você precisa conversar com pessoas do meio, ver como jogador se comporta. Com pessoas que não tem envolvimento e interesse direto. Buscar informações da equipe adversária. Vou te contar um detalhe que acho importante. 

O Neymar do Barcelona é diferente da seleção? Falta disciplina ou algo?
Dunga:
Lógico que ele é diferente no Barcelona. A cada 200 dias, ele joga dois jogos e faz dois treinamentos aqui com a seleção. No Barcelona, ele treina todo dia e joga no mínimo duas vezes por semana com a mesma equipe. Mas ele já fez ótimas partidas com a seleção também, mas temos aquela coisa de ‘se não fizer gol, não jogou bem’. Não é isso. Ele contribui muitas vezes de outra forma, tem um espaço, normal. Ele tem 24 anos, tem a vida dele... A gente não pode querer que ele fique fechado, distante do mundo. O mais importante é o jogador tem consciência do que ele representa e trabalhar o seu rendimento com responsabilidade

Lateral esquerdo Marcelo reclama após falta que tirou o atacante Neymar da Copa do Mundo durante jogo contra a Colômbia - REUTERS/Leonhard Foeger  - REUTERS/Leonhard Foeger
Imagem: REUTERS/Leonhard Foeger


Você já falou com o Marcelo após a polêmica que envolveu sua não convocação para as Eliminatórias?
Dunga:
Não falamos. Tem os números. Se você pesquisar lá, ele ficou 2 jogos fora, voltou a treinar na quinta (que era dia da convocação) aqui, não comunicou ao doutor se estava bem, o doutor não me comunicou. É responsabilidade. Eu só cuido da parte técnica, isso é parte médica, é com o doutor. Toda segunda-feira, quinta ou sexta ele me comunica se tem alguém que está sendo convocado que tem algum problema. Usei as informações que eu tinha. Como tinham outros jogadores eu vinha com essa pendência, tive que escolher de não trazer quatro atletas em dúvidas de rendimento. Por isso a comunicação é muito importante, jogadores como Firmino, Ricardo Oliveira estavam em contato com o doutor passando a situação sempre. Isso é importante. O jogador que quer estar na seleção, deve ter atitude, responsabilidade e comprometimento. Não adianta querer estar na seleção. Deve querer jogar pela seleção.

O fato de o Thiago Silva estar fora é meramente técnico?
Dunga:
Se eu te falar que é só [critério] técnico, não é verdade. É uma somatória de coisas que faz você tomar uma decisão. Quem está fora é melhor do que está dentro. E esses que estão fora já estiveram aqui. Todos nós já vimos, analisamos, comentamos. É só analisar os comentários anteriores que vamos chegar a uma conclusão.

David Luiz foi bastante criticado. Entendeu os motivos da falha?
Dunga:
Falar individualmente de um setor... Quando se ganha é todo mundo e quando se perde também. Defesa é todo mundo. Seguramente tivemos problemas contra o Uruguai e não era um hábito. Temos as análises de todos os jogos. Como tomou gol de que forma. Conversamos nos treinos para não ocorrer. Mas nesse último jogo fomos abaixo do que podemos render. Individualmente e coletivamente.

Renato Augusto surpreendeu a todos. Mesmo na China, rendeu bem. Até que ponto o Brasil precisa se preocupar com quem vai para a China?
Dunga: E
u tive a experiência de jogar no futebol japonês. O jogo talvez seja tão competitivo como em outras ligas. Mas tem uma coisa que faz com que o jogador evolua ainda mais. Os jogadores chineses vão errar as coisas mais simples e você terá que correr para recuperar. E nas mais difíceis, que você acha que ele vai errar, ele acerta e você precisa correr para recuperar. Vai trabalhar muito mais mentalmente o jogo todo. Precisa estar mais atento e concentrado. No Brasil você sabe que o cara vai chegar no fundo e vai cruzar. Lá é diferente e você deve estar atento. Vai fazer evoluir. Lá terá que fazer mais funções que aqui. Precisa estar atento à questão física. Converso com pessoas que trabalham na China. E o jogador, por outro lado, sabe que será analisado de maneira diferente. Isso mostra o grau de maturidade.

Quais as lições de 2008 que você tirou para levar para 2016?
Dunga:
Era uma pressão constante dos times querendo levar os jogadores embora. Tinha problema da marca da camisa. Se jogasse com a camisa poderia perder pontos. Tinha essa briga. Montamos uma seleção com dez dias, sendo dois de viagem, e dois deles voltando de pré-temporada. A grande maioria será levada por estar em competição. Fizemos as viagens para conversar com os clubes e tem tudo planejado.

O Barcelona está fazendo jogo duro para liberar Neymar. Se tivesse que escolher: Olimpíada ou na Copa América?
Dunga:
A prioridade é ganhar tempo para essa decisão. Mais madura, completa. Temos que ver o melhor para todo mundo. Se tiver que tomar a decisão daqui a 20 dias, não vou tomar hoje. Vou esperar até o último momento com todas as informações em mãos. O ideal é poder contar nas duas. Precisa ter paciência.

E goleiro? É necessário convocar um acima da idade?
Dunga
: Quanto a goleiro é condição de jogar. A situação alterna bastante. Do início do trabalho olímpico, todos eram titulares nos seus times. Na última, dos nove volantes só dois jogavam. Ou estavam machucados, suspensos ou não jogavam. Nenhum goleiro jogava e agora inverteu. O Ederson está jogando no Benfica. Por isso que a decisão deve ser tomada no último instante. Lógico que tem planejamento, mas os fatos de momento podem mudar as coisas.

Na Copa América de 2015, Neymar foi suspenso e a CBF demorou a agir. Presidente não poderia viajar e agora está de volta. Acha que pode atrapalhar nos bastidores?
Dunga:
O contato é diário. Acreditamos que a lei seria igual para todos. Buscamos informações de como seria o julgamento. Nos foi passado que não teria direito a recorrer. Só que depois vimos que as coisas mudaram. Acreditamos no que falaram. Foi um aprendizado e seguramente não será repetido no futuro. O presidente sempre esteve ciente de tudo.

A crise política atrapalhou seu trabalho?
Dunga:
Não atrapalhou nada, atrapalhou muito mais vocês (imprensa). Infelizmente tem pessoas que vendem informações para ficar bem com vocês. Não estamos na idade da pedra. Hoje temos uma estrutura. O trabalho funciona. Quando estava o Marin, o doutor Marco Polo ou o coronel, o Walter Feldman. É um trabalho de equipe e tudo é conversado. Criou muito mais conversa lá fora do que aqui dentro.

O que mais te irrita? Não só no futebol, mas de modo geral.
Dunga:
A mentira. E dizer coisas que não falei. E quem tenta ler meu pensamento. Uma coisa absurda, né? O próprio torcedor que fala: “Eu acho que ele está pensando isso ou aquilo”.

Desabafo ao comemorar o tetra. Desabafaria de novo?
Dunga:
Acho que é o momento. Não tem como voltar. Aquilo aconteceu. As pessoas interpretam como elas querem. Mas os fatos são fatos. Tinha um fotógrafo no meu pé que queria fazer a melhor foto e ficava me pedindo para posar para ele. Não estava me importando com ele. Era campeão do mundo e isso não me importava nem um pouco. Não mudaria nada. Falei um palavrão para ele e se fez de vítima. Querendo me jogar contra os demais. Nada de novo.

Faltou reconhecimento com o jogador Dunga?
Dunga:
Se você esperar reconhecimento das pessoas, vai ficar frustrado a vida toda. A história vai contar quem foi campeão, quem ganhou. Estou aqui desde os 14 anos. Primeiro mundial júnior, primeira medalha olímpica. Como treinador ganhei Copa América e Confederações. O que não posso é as pessoas me usarem para criticarem os outros.

Os problemas do país afetam as pessoas e refletem em uma falta de paciência com você e a seleção?
Dunga:
Ah, claro que afeta. Afeta a todos nós. Futebol todos gostam. E a política afeta a todos. Manifestações, tudo que se fala. Eu não gosto de dar opinião do que não sou seguro 100%. Assim como critico as pessoas que falam sem saber, não posso falar sem saber.