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"Os chineses levaram meu Coringão embora", diz Dentinho antes de reencontro

Dentinho brinca durante treino na Flórida: dia de Corinthians x Shakhtar - Divulgação/Shakhtar
Dentinho brinca durante treino na Flórida: dia de Corinthians x Shakhtar Imagem: Divulgação/Shakhtar

Dassler Marques

Do UOL, em Bradenton (EUA)

20/01/2016 07h39

Dentinho nasceu, cresceu e 'ganhou asas' dentro do Corinthians. Mas, nesta quarta-feira (20), o atacante do Shakhtar-UCR e corintiano declarado verá o clube do coração como rival pela primeira vez. O jogo válido pela Flórida Cup (ás 21h45 de Brasília) em Orlando é apenas um amistoso, mas ficará marcado: "um momento muito especial na minha vida", conta Dentinho, em Bradenton, onde o time ucraniano faz pré-temporada. 

Na IMG Academy, um gigante complexo esportivo para estudantes, Dentinho se senta em meio a jovens americanos para atender ao UOL Esporte logo após o almoço, em plena praça de alimentação. No dia em que completa 27 anos, se mostra preocupado pela saída de cinco titulares no Corinthians e lamenta que seu empréstimo tenha sido barrado pelo Shakhtar na temporada passada. 

Em especial porque a guerra entre Rússia e Ucrânia colocou Donetsk no centro da disputa e obrigou o Shakhtar a se mudar para a capital Kiev, a 700 quilômetros de distância. Também nesta entrevista, Dentinho explica a rotina incomum, o 'corte' nas premiações e o desejo de se transferir assim que possível.

Confira a entrevista exclusiva com Dentinho:

O QUE ESPERA DO JOGO
Vai ser uma partida totalmente diferente. Não sei nem como falar. Vai ser um dia especial jogar contra o clube que me deu tudo, que sempre me ajudou, que tenho bastante carinho e a torcida tem bastante carinho por mim. Não sei qual vai ser a sensação. Pode ser 0 a 0 que está tranquilo (risos). Vai ser um momento muito especial na minha vida.

TRANSFERÊNCIA FRUSTRADA
Era para ter sido campeão brasileiro, né? Não houve negócio, o Shakhtar não liberou e venho jogando mais nessa temporada. A vontade de ir para outro clube ou voltar para o Corinthians era muito grande. Sabemos como os ucranianos são difíceis para negociar. Agora falta um ano e meio para acabar o contrato, quem sabe não seja negociado para ir a outro clube, quem sabe o Corinthians. 

Dentinho espera o abraço de Ronaldo: último companheiro de ataque do Fenômeno - Moacyr Lops Junior/Folhapress - Moacyr Lops Junior/Folhapress
Dentinho espera o abraço de Ronaldo: último companheiro de ataque do Fenômeno
Imagem: Moacyr Lops Junior/Folhapress

FOI POR POUCO
Jogador pensa assim. Se o treinador não está utilizando, o certo é liberar. Mas sabe que é difícil o pessoal da Ucrânia liberar. Eu conversei com o Edu (Gaspar, gerente corintiano), fiz os exames e fiquei treinando escondido. É terminar esse contrato e ver o que acontece. 

PROXIMIDADE
O Cristian é meu compadre. Sou muito amigo do Cristian e do Elias, falo muito com eles. Mais com o Cristian, que é padrinho da minha filha. Falo sempre com o Caio (Melo) fisioterapeuta, com o Daniel fotógrafo. Eu cresci no clube, então o carinho fica muito grande. Por eles e por mim também. 

CINCO TITULARES SAÍRAM
Os chineses levaram meu Coringão embora, estão levando todos os atletas. O clube tem coisas para pagar, e pagando a multa leva os jogadores. Nós, torcedores, não gostamos muito, o time estava redondinho, foi campeão brasileiro muito bem e tem mais uma Libertadores pela frente. É entender o lado do jogador também, porque é muito dinheiro. A gente, por ser torcedor, fica chateado. 

NR.: Ralf e Renato Augusto (Beijing Guoan), Gil (Shandong Luneng) e Jadson (Tianjin) foram à China. Vagner Love para o Monaco. 

PROPOSTA DA CHINA
Ainda não tive (risos). Mas, por esse dinheiro que estão dando por lá, a gente não pensa duas vezes (risos). É como o Renato Augusto falou. Não foi ele quem escolheu a China, a China é que o escolheu. Qualquer trabalhador é difícil recusar se alguém vai pagar o dobro. O Tite é um excelente técnico e confio que ele vai deixar o Coringão forte. 

VIDA NA UCRÂNIA
Com o frio já acostumei, é o mais importante. A comida a gente leva do Brasil e, com a família ao lado, você consegue se adaptar o mais rápido possível. Depois de cinco anos, me sinto adaptado na Europa, mas sempre com o gostinho de querer voltar para o Brasil. 

Dentinho com a mulher Dani Souza e os filhos Bruno Lucas, Rafaella e Sophia - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Dentinho com a mulher Dani Souza e os filhos Bruno Lucas, Rafaella e Sophia
Imagem: Reprodução/Instagram

PAI DE TRÊS FILHOS
É um momento especial da minha vida. Escolhi o momento certo para ter filhos, e eles chegaram com tudo na minha vida, dando muita alegria e muita felicidade. Todo homem deseja ser pai, e meus filhos são maravilhosos. 

FÁBRICA ABERTA
Eu sempre quero mais, o problema é a esposa. Mas quem sabe mais pra frente. Já fiz o moleque para ser o 10 do Coringão (risos). 

COMO TEM JOGADO
De quase tudo, né? Jogo na minha aberto pela esquerda. Também jogo de centroavante. Às vezes até como um volante. Na Europa, o professor fala que precisa aprender a jogar em todas as posições. Venho me adaptando, mas onde gosto mais é aberto na esquerda. É onde fiz 55 gols pelo Corinthians, me tornei artilheiro do século, fiz o gol 10 mil. 

FUTEBOL EM MEIO À GUERRA
É difícil. Perdemos a cidade, o estádio, e o presidente foi muito firme e forte em cumprir todos deveres com os atletas. Ficar sem seu estádio foi uma perda grande. Jogamos em Lviv, que é outra cidade. O presidente foi exemplar, muito fera, nos levou para a capital e todos achamos casa em Kiev.

CASA VAZIA
O estádio é sempre vazio (em Lviv). Em clássico sempre tem torcida, mas nunca a do Shakhtar. Só alguns fiéis conseguem ir. Em Donetsk era casa cheia o tempo todo, mas a gente entende. A Rússia querendo tomar uma parte da Ucrânia, é complicado, morreu muita gente. Ficamos chateados e temos que levar um pouco de alegria para eles com nosso futebol. 

RECUSA EM VOLTAR A DONETSK
Não voltamos por causa de medo. Era o principal. Tenho três filhos, esposa, irmão, pai, mãe, e ficamos com medo de levar um tiro, uma bomba. A gente ia para uma cidade perto de Donetsk, então ficamos com medo de voltar. A imprensa falou que fugimos, mas estávamos com medo de voltar. Quando o presidente falou que iríamos para Kiev, que é muito distante (da guerra), a gente voltou. 

NR.: Em julho de 2014, após viagem à França, um argentino e cinco brasileiros do Shakhtar, inclusive Dentinho, se recusaram a voltar à Ucrânia. 

CLIMA DE GUERRA
Logo no começo, quando a gente ia treinar, o pessoal do exército fazia barricada e não passava ninguém. O pessoal tudo armado, clima de guerra, você fica com receio. A gente fica chateado por tanta gente que morreu, por inocentes, às vezes uma conversa pode resolver. 

DESTAQUE DO SHAKHTAR
O Alex Teixeira é meu parceiro de concentração, um moleque fantástico que está vindo muito bem, está merecendo oportunidade em time grande e até na seleção. Se na temporada tem 15 jogos, vamos supor, ele tem 20 ou 25 gols. Não é à toa que vão buscar os melhores no Brasil. Willian joga muita bola, Douglas Costa joga muita bola, o Jadson joga muita bola, o Fernandinho...o time grande que buscar jogadores aqui, pode fechar os olhos, vai dar certo em qualquer clube. 

FIM DO BICHO
Com a perda da cidade muda muitas coisas. O jogador tem que entender que não precisa ganhar muito dinheiro. Você já tem o salário. Se vier um prêmio, legal, se não vier, faz parte e vamos vivendo a nossa vida. 

PERRENGUE NO FRIO
Já peguei menos 17 graus. Tenho uma história engraçada. Estava muito frio lá fora. Os meninos falaram 'usa essa pomada que vai esquentar'. Passei na perna, no pé e fui treinar, mas não adiantou nada. Então, quando fui tomar banho, a água estava quente e deu uma coceira nos pés. Fiquei com uma coceira...os meninos deram muita risada e fiquei muito bravo, me coçando uns dois dias. Agora já sei, é colocar a roupa e ir treinar mesmo.