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Cicinho pede nova chance no SP e detalha mudança pós-alcoolismo

Guilherme Palenzuela

Do UOL, em São Paulo

19/01/2016 06h00

O Cicinho de 2016, aos 35 anos, não lembra em nada o Cicinho de 2010, que voltou ao São Paulo emprestado pela Roma aos 29 anos e não conseguiu jogar nem perto do nível pelo qual virou ídolo do clube em 2005, ao ser campeão mundial ao lado de Rogério Ceni e Diego Lugano. Hoje, depois de vencer o alcoolismo e se sagrar pois dois anos seguidos o melhor lateral direito da Turquia, no Sivasspor, ele pede nova chance no Morumbi: “É só falar ‘vem’. Quero vestir a camisa que eu amo”.

Em entrevista ao UOL Esporte por telefone, Cicinho falou que a passagem de 2010 é usada por ele como exemplo de tudo que não pode mais fazer. “O psicólogo perguntava para mim: “Você bebe?” Eu dizia: “Eu bebo. Quando eu começo, eu não paro”. Eles sabiam do meu problema e tentaram me ajudar, mas eu não queria ser ajudado”, disse o lateral, que ainda relatou pedido curioso de Rogério Ceni para que conseguisse ir à despedida do goleiro no Morumbi e falou sobre como a conversão religiosa à Igreja evangélica afetou a vida e a carreira.

UOL Esporte: Você admitiu na última semana que gostaria de voltar ao São Paulo. O que é preciso para isso acontecer?
Cicinho:
Se tratando do São Paulo é só falar ‘vem’. Não tenho multa contratual, se eles quiserem rescindir não me pagam nada, e eu também. Recebi sondagens dos Estados Unidos e da Índia pro meio do ano, mas falei que não posso assinar pré-contrato nenhum. Não tenho empresário, no meu contrato sou eu que falo. Aqui a minha preferência é o Sivasspor, o presidente sabe que eu gostaria de jogar no Brasil, mas eles querem renovar. Como isso não aconteceu ainda, creio que se surgir alguma proposta eles vão me procurar.

Você sente que não aproveitou a chance no São Paulo em 2010?
Em 2010, no São Paulo, o psicólogo perguntava pra mim: “Você bebe?” Eu dizia: “Eu bebo. Quando eu começo eu não paro”. Eles sabiam do meu problema e tentaram me ajudar, mas eu não queria ser ajudado. Na Roma que caiu a ficha: “Estou acabando com minha carreira, voltei para o São Paulo e manchei minha imagem”. Não é isso que eu quero. Eu era mau comigo mesmo, fazia mal pra mim.

O que te faz ter vontade de voltar mais uma vez ao São Paulo?
Se for pra voltar pro São Paulo é pra mostrar o que Deus fez na minha vida. Hoje 'Ele' me colocou no São Paulo pra que eu pudesse dar testemunho e mostrar aquilo que passei, não para calar a boca de ninguém. Quero vestir a camisa que eu amo e vibrar com a torcida que eu aprendi a amar. A minha volta seria um agradecimento. Não penso em voltar pra apagar imagem.

Quanto o Cicinho de agora é diferente daquele de 2010?
Totalmente diferente. Hoje cabeça, corpo, o físico, é totalmente diferente. Hoje sou um cara que me cuido. Ali achava que por ter 30 anos não precisava fazer mais nada. Mas não é assim. Se não trabalhar, acaba. Meu ponto forte é cruzamento, então tenho que treinar. Não tem nem comparação, aquele Cicinho serviu de modelo pra ver o que eu não podia fazer

O problema do alcoolismo afetou sua carreira depois de sair do São Paulo, mas quando começou?
Em 2001, no Atlético-MG, comecei com álcool. O Levir [Culpi, técnico] queria me emprestar pro Botafogo e me alertou.

Hoje você vive, aos 35 anos, fase muito positiva como jogador. O que te fez vencer os problemas e voltar a jogar bem?
Tive conselheiros no decorrer da minha carreira. Foi uma decisão pessoal, minha esposa teve um papel muito importante. Ela foi um instrumento usado por Deus pra mexer com minha fé. Sem contar o apoio da minha mãe e do meu pai, que tentaram bloquear meus bens na Justiça porque eu não tinha condições de administrar.

Além dos prêmios de melhor lateral direito da Turquia, você foi também o líder de assistências dos últimos dois campeonatos nacionais. Como a mudança religiosa afetou a vida profissional e resultou nessa melhora?
Nunca duvidei do meu potencial. Quando voltei em 2010 foi um momento conturbado da minha carreira, é essa história que todo mundo está careca de saber, que agora serve como testemunho pra quem está começando. Depois de um tempo que eu aprendi que não tinha mais que correr atrás do dinheiro. A partir disso parei de me escravizar e de olhar pro dinheiro, e comecei a me cuidar mais, respeitar mais treinador e viver o dom que Deus me deu. Quando comecei a ter mais humildade e ser menos estrelinha, as coisas começaram a fluir. Cheguei no Sivasspor, Roberto Carlos era o treinador, amigo meu, e ele nunca me dava folga. Eu berrava com ele, “tenho 33 anos”, e ele dava folga pra outros jogadores e pra mim não (risos).

Lugano também tem 35 anos e diz que só voltou porque acha que tem condições de brigar por titularidade e ajudar o clube. Como você vê o retorno dele?
O Lugano, na verdade, falei com ele um mês antes do jogo do Rogério Ceni. A gente estava conversando, e ele comentou que a volta para o São Paulo seria muito difícil. “Tem muitos pedidos...”. Comigo acontece o mesmo, mas ninguém nunca do São Paulo me procurou. Ele falou: “Todo mundo vai querer ver o Lugano de antigamente, não sei se estou preparado”, e eu brinquei: “Eu estou”. Eu fiquei muito feliz por ele, o São Paulo realmente precisa de uma figura que respalde o que o Rogério deixou. E o Lugano é o cara certo para isso. Claro que empolga a gente. Isso motiva a gente. Uma coisa é quando você não se encontra competitivo, e eu me sinto competitivo.

Você não conseguiu ir à festa de despedida do Rogério Ceni. O que falou para ele?
Rogério sabe do meu profissionalismo. Quando eu conversei com o Rogério, fiquei de falar com o clube. O São Paulo mandou uma carta para a diretoria do Sivasspor, essa carta foi lida, o treinador disse que não teria problema, mas o problema é que o jogo no Brasil é na sexta, eu chegaria no sábado à noite e o jogo nosso era domingo às 13h. O treinador disse: ”Então não tenho condições de te liberar. Você é muito importante pro nosso time, nós vamos falar o que para os jogadores? Liberamos você pra um jogo festivo? O que falar pra torcida e pra imprensa?” Passei isso para o Rogério, falei pra ele: “Rogério, ainda há uma opção, eu tenho dois cartões, tem mais dois jogos, se eu tomar quatro cartões eu fico fora”. Ele falou: “boa sorte nos cartões”. Mas eu sou um cara muito difícil de tomar cartão, acabou que não deu certo. Rogério me ligou agradecendo. Essa vontade de colocar a camisa do São Paulo é tudo plano de Deus. Se eu tivesse voltado no Brasil, com Morumbi lotado, meu coração não estaria mais aqui fora do Brasil. Se eu voltasse com o Morumbi lotado e não desse certo, ficaria frustrado.