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'Teve morte e nada mudou', diz mãe de vítima da batalha campal no Pacaembu

Diego Salgado

Do UOL, em São Paulo

21/08/2015 06h00

Márcio Gasparin abaixou-se para se proteger de um golpe no dia em que o Pacaembu virou cenário de guerra. A tentativa foi em vão. A paulada na parte de trás da cabeça pôs fim à vida de torcedor do São Paulo -- o jovem de 16 anos morreu oito dias depois da briga que deixou outras 102 pessoas feridas na manhã de 20 de agosto de 1995.

Passados 20 anos, o confronto iniciado após a vitória por 1 a 0 do Palmeiras sobre o São Paulo na final da Supercopa de Juniores ainda traz polêmica por conta do desfecho das pessoas envolvidas no incidente, além da própria trajetória de violência ligada ao futebol do País nos anos seguintes. Entre 1996 e 2014, quase 200 torcedores morreram, mesmo com as promessas feitas por dirigentes e autoridades.

Para relembrar os fatos posteriores às cenas de barbárie ocorridas no Pacaembu naquele dia, o UOL Esporte entrou em contato com Ester Gasparin, mãe do torcedor morto, além de Laertes Torrens, advogado de defesa do palmeirense Adalberto Benedito dos Santos, responsável pelo assassinato de Márcio e único condenado após o confronto.

Ester disse à reportagem que a morte do filho não serviu para que a violência nos estádios diminuísse. "Poderia mudar, porque foi a pior briga de todas. Tinha muita gente, teve morte, muitos feridos. Essa, pela proporção, tinha de servir de exemplo. Mas não foi assim", frisou.

A mãe de Márcio também discorda das decisões da Justiça. Para ela, Adalberto teria de ter cumprido toda a pena imposta a ele. Em 1998, três anos depois do assassinato, o júri decidiu condená-lo a 12 anos de prisão -- Adalberto, que teve a prisão preventiva decretada após a briga, cumpriu menos da metade da pena em regime fechado.

"Ele ficou tão pouco tempo, teve a pena reduzida. Mas a vida dele não me interessa. Eu sei o nome dele porque isso não sai da minha mente. Eu vi (a cena) milhares de vezes. Ele é garçom, tem dois filhos. Ele tirou o meu. E tem dois", disse Ester.

A reportagem procurou Adalberto, mas, segundo Torren, ele não quer mais falar sobre o assunto. "Ele teve benefícios legais, a redução da pena, por causa do comportamento carcerário dele. Hoje ele está em liberdade, trabalhando, feliz. E não quer saber mais desse assunto. Ele quer esquecer isso. Tem uma vida normal", afirmou Torrens.

Sem indenização

Após a morte do filho, Ester entrou na Justiça contra a Prefeitura de São Paulo, dona do Pacaembu. Segundo ela, a Justiça deu ganho de causa ao Estado e alegou que Márcio assumiu o risco de se machucar ao entrar no gramado naquelas condições.

"No final do processo, falaram que ele entrou no campo porque ele quis. Por isso não tinha direito à indenização nenhuma. Eu não concordo, eu perdi um filho. O agravante do caso foi as coisas que tinham no estádio, para servir de arma. Isso ajudou. Ninguém foi culpado por isso? Ele perde a vida, eu perco um filho e fica por isso mesmo?", indagou.

O confronto, de fato, ganhou proporções maiores devido ao material de obra colocado no setor do tobogã. Depois de torcedores do Palmeiras invadirem o gramado na comemoração do título, dezenas de são-paulinos também se dirigiram ao local e, armados de paus e pedras, pularam o alambrado, iniciando a briga.

Investigação

A batalha começou pouco depois de o atacante Rogério marcar o gol do título do Palmeiras e durou sete minutos. O suficiente para que ocorressem muitas cenas de horror. Em uma delas, Jean Silva Bosco recebeu uma paulada na cabeça caído no chão.
 
Já em pé, o torcedor de 18 anos, sem equilíbrio, chocou-se violentamente com a grade que separa a arquibancada do gramado. Para Torrens, a investigação da briga foi incompleta e outras pessoas precisavam ser indiciadas, não só Adalberto. Naquele dia, sete mil pessoas foram ao Pacaembu e o gramado acabou tomado pelos torcedores.

"Até hoje não há informações se a polícia continuou a investigação para saber quais foram as pessoas que participaram daquele fato. Não foi só o Adalberto. Inúmeras pessoas participaram. A polícia até hoje não tomou nenhuma providência no sentido de identificar as pessoas que foram, na verdade, coautoras daquele acontecimento. Há vídeos, há claros elementos para ajudar na investigação mais aprofundada. Foi uma investigação absolutamente incompleta", afirmou.

Torrens também acredita que o golpe fatal não foi dado por Adalberto, que tinha 20 anos à época. De acordo com ele, outro torcedor o atingiu antes da paulada desferida pelo seu cliente. "Só um deles pagou por tudo aquilo que aconteceu. O outro rapaz nunca foi investigado. Tinham tudo para isso e não fizeram".

Após a condenação, o advogado tentou anular o julgamento por considerá-lo atípico. Segundo ele, o depoimento de um médico legista foi fundamental para a decisão do júri, pois ele garantiu que a paulada fatal havia sido desferido por Adalberto.
 
"O resultado foi quatro votos contra três. Ele disse que o golpe do Adalberto foi o que ocasionou a morte da vítima. Ele não poderia ter respondido dessa forma. A vítima recebeu vários golpes. O vídeo era muito comprometedor e estampava uma figura de terror. Baseado nisso o tribunal confirmou a decisão do júri", explicou Torrens.
 
Ester, por sua vez, acredita que foi mesmo Adalberto o responsável pela morte do seu filho. "Como mãe do Márcio, acho que quem matou foi ele, mas outras pessoas tinham de ser investigadas. Isso nunca mais vai voltar, foi há 20 anos", disse.
 
Trauma

Ester é mãe de duas filhas e hoje tem um neto de 11 anos, torcedor do Santos. Como Márcio, o garoto gosta de assistir às partidas de futebol nos estádios. O fato traz preocupação à avó, pois as lembranças do dia 20 de agosto de 1995 vêm à tona.

"Ele vai ao estádio com o pai dele. Eu fico preocupada, mas é meu neto, não meu filho. Só tenho o direito de ficar preocupada. Quando você é picado por uma cobra, você sempre vai ter medo de cobra", disse Ester.