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O ídolo Figo sofre com escândalos políticos e a fama de antipatriótico

Figo ainda na época de Real Madrid  - AFP PHOTO/ Paco SERINELLI
Figo ainda na época de Real Madrid Imagem: AFP PHOTO/ Paco SERINELLI

Luís Aguilar

Do UOL, em Lisboa (Portugal)

27/03/2015 06h00

Enquanto jogador foi um herói nacional. O segundo Bola de Ouro português, depois de Eusébio e antes de Cristiano Ronaldo, ainda hoje é o mais efetivo com a camisa da seleção portuguesa (127 jogos). Após deixar os gramados, Luís Figo iniciou uma carreira de empresário de sucesso, com investimentos variados, desde hotelaria, publicidade, energia e petróleo. Foi precisamente nessa altura que começaram as suspeitas em relação à sua conduta. Um sentimento de parte da opinião pública portuguesa que se intensificou com a recente candidatura à presidência da Fifa. O português, agora com 42 anos, afirmou que olhava para o organismo liderado por Sepp Blatter e não gostava do que via:

“Se fizermos uma busca por Fifa na internet, a primeira palavra que surge associada é escândalo, o que não é positivo. Temos de melhorar a imagem da Fifa. O futebol merece muito melhor do que isto.”

Não tardou muito para que estas palavras fossem utilizadas contra ele próprio. “Figo na Fifa? Não, obrigado. O futebol merece mesmo muito melhor”, escreveu o colunista do jornal O Público, João Miguel Tavares. “Luís Figo foi um futebolista admirável, sem dúvida alguma, mas o talento que ele tinha para os pontapés na bola esteve longe de ser acompanhado por uma postura fora do campo acima de quaisquer suspeitas”, continuou.

O escândalo mais badalado teve a ver com o ex-primeiro ministro José Sócrates, atualmente em prisão preventiva por acusações de corrupção,lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito. Em 2009, nas vésperas das legislativas, Figo tomou um café-da-manhã com Sócrates para mostrar que apoiava o político na sua recandidatura. Ao mesmo tempo, celebrou um contrato publicitário no valor de 750 mil euros com a empresa de capitais públicos Taguspark. A verba visava pagar ações promocionais do parque tecnológico caso o jogador participasse destas mesmas ações. O valor, porém, não foi pago na íntegra. O caso chegou aos tribunais e três administradores da Taguspark sentaram-se no banco dos réus, acusados de corrupção passiva: a juíza entendeu que o contrato com Figo visava, unicamente, garantir o apoio do antigo jogador ao Partido Socialista, liderado então por Sócrates.

O ex-capitão da seleção portuguesa não foi considerado réu por desconhecer que a Taguspark era pública, mas seria ouvido em tribunal, negando ter recebido qualquer contrapartida: “Foi como cidadão que apoiei José Sócrates.” Os danos na sua imagem, porém, estavam registrados por causa do “café-da-manhã mais caro da história”, como apelidou Miguel Sousa Tavares, um dos mais conceituados articulistas políticos de Portugal.

Figo sentiu a crítica da opinião pública, não gostou e afastou-se do país. Só quebrou o silêncio em dezembro de 2011, numa entrevista ao jornal O Público: “Quero vender tudo o que tenho em Portugal. Pago muitos impostos, ao contrário do que muita gente pensa ”, explicou. “Quero vender porque estou um bocado farto disto. Dou trabalho a muita gente e pago muito de IVA [Imposto de Valor Acrescentado]. Estou a dizer isto apenas para responder aos que dizem que eu não contribuo para o país.”

O desabafo foi mal recebido por vários setores da sociedade portuguesa numa altura em que o país se encontrava em profunda crise financeira. Figo foi acusado de não ser patriótico e alguns lembraram “as ameaças constantes em abandonar a seleção” quando ainda jogava. Um desses momentos aconteceu antes da chegada de Scolari, em 2002, por causa da indefinição sobre quem seria o próximo treinador: “Tenho o meu prestígio, e se venho aqui para perder prestígio, prefiro não vir”, revelou, numa altura em que Portugal se preparava para organizar o Euro-2004.

As vozes sobre o suposto antipatriotismo de Figo voltaram a erguer-se por causa de Cristiano Ronaldo: “No meu tempo possivelmente havia melhores jogadores que Ronaldo e Messi.” A sua opinião não caiu bem junto da família de CR7 e a irmã do craque do Real Madrid, Kátia Aveiro, usou o Facebook para responder a Figo: “"Este [Figo] se tivesse calado e fosse a uma parede bem áspera e coçasse lá os cotovelos faria melhor”, alegando que Figo apenas falou por sentir inveja da carreira de Ronaldo.

O capítulo Fifa também gerou polêmica por causa da escolha da CNN e da cidade de Londres para anunciar a candidatura, a invés de fazê-lo no seu próprio país. Sobretudo quando a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e o governo português foram as primeiras entidades a mostrar apoio incondicional à corrida de Figo pela presidência da FIFA. “Espero muito sinceramente que não haja um níquel de dinheiro dos contribuintes envolvido na promoção desta candidatura – e, se houver, que isso seja denunciado”, escreveu o jornalista João Miguel Tavares.

A ética de Figo tem sido posta em dúvida de forma constante desde o caso Taguspark. No verão de 2012, a blogosfera portuguesa foi invadida por uma notícia supostamente atribuída ao jornal francês Le Point, que relacionava Figo com a venda de equipamento militar ao Senegal, ao mesmo tempo que a sua fundação organizava eventos desportivos a favor das vítimas de guerra. “O truque dele é a defesa”, seria o título utilizado pelo periódico francês. “O antigo capitão da seleção portuguesa, Luís Figo, que já estava ligado à prospecção mineira no Senegal, tornou-se vendedor de armas. O antigo médio, estrela do Barça e do Real, está atualmente a jogar como lobista para a Poly Technologies, uma sociedade chinesa especializada em material de defesa.”

A notícia nunca foi confirmada pelo Le Point e não está disponível no site do jornal. Além disso, nenhum outro jornal, português ou internacional, reproduziu o mesmo artigo. O mais provável é ter-se tratado de um hoax - notícia falsa lançada na blogosfera -, mas mostra bem a animosidade que existe contra Figo.

O escritor português Valério Romão destaca “a frieza” como a principal razão para “a falta de empatia” que Figo provoca em muitos dos seus compatriotas, dando como exemplo a primeira visita de Figo a Camp Nou, com a camisa do rival Barcelona: “Viu uma cabeça de leitão cair a seu lado, mas ficou impávido e sereno, como se nada fosse com ele. São poucos os portugueses que reagiam da mesma forma, com todo aquele distanciamento, em circunstâncias semelhantes.”

Na sua corrida à liderança da FIFA, o antigo jogador terá de vencer Blatter – tarefa quase impossível – e melhorar a reputação junto do próprio país. Apesar do historico de escândalos, a segunda é capaz de ser bem mais fácil do que a primeira. Até porque, em Portugal, o moralismo de Figo pode ser um tema que divide opiniões, mas muitos estão de acordo sobre a necessidade de substituir Blatter. Uma opinião idêntica em vários países e que também faz parte do discurso de Figo: “Se não houver mudança, ficará tudo na mesma.”