Topo

Veja como um 'espanhol' impede que Fred seja o maior artilheiro do Flu

Rodrigo Paradella

Do UOL, no Rio de Janeiro

13/02/2015 06h00

A vida sem maiores luxos na Espanha pouco lembra os impressionantes 319 gols marcados pelo Fluminense no fim da década de 50, mas Waldo não deixa de conviver com a fama no país que escolheu para viver desde que deixou as Laranjeiras, em 1961. Maior goleador da história do clube e único que não pode ser superado por Fred (hoje com 144 gols) nos próximos anos, o ex-atacante costuma lidar com a idolatria de outra torcida, a do Valencia, nome também da cidade onde mora há mais de 50 anos.

Nascido em São Gonçalo, cidade da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, há 80 anos, Waldo hoje fala muito pouco da sua língua natal. Enquanto tenta falar o português, o ídolo tricolor muitas vezes ‘tropeça’ no idioma valenciano. Dos quatro filhos (dois homens e duas mulheres), apenas um mantém laços mais estreitos com o Brasil e suas palavras.

Foi justamente Walmar que acompanhou o pai em sua visita mais recente ao Brasil, no fim de 2012. Na ocasião, o ex-atacante teve, inclusive, a oportunidade de conhecer Fred pessoalmente. Os dois conversaram por pouco mais de meia hora após um treinamento nas Laranjeiras, e o atual capitão do Fluminense não escondeu a admiração pelo feito do maior artilheiro do clube na história.

“Quando eles se conheceram, falaram de muitas coisas. Lembro que Fred disse para ele que marcando só a metade dos gols do meu pai ficaria muito feliz”, recordou o filho Walmar. “Conhecemos ele desde que jogou aqui na Europa, no Paris Saint Germain. Quando ele voltou para o Brasil, falamos que era muito bom jogador, que seria muito importante para o Fluminense”, completou.

Waldo atuou no Fluminense por sete anos, entre 1954 e 1961, tendo vestido a camisa tricolor em 403 oportunidades, mas as lembranças hoje começam a escapar. O ex-atacante sofre da Síndrome de Alzheimer, que afeta funções neurológicas como memória, capacidade de aprendizado, fala, entre outros sintomas. Como ainda está em um estágio inicial da doença, o problema mais recente é o esquecimento de fatos recentes, mas o ídolo já se confunde ao falar do passado.

“Às vezes, meu pai até mistura Valencia e Fluminense quando vai falar, mas costuma lembrar bem do passado. Ele faz tratamento das 9h às 17h em uma clínica durante semana e já tem dois ou três amigos que ele conversa sobre futebol do passado”, contou Walmar. “Fora isso, ele está muito bem de saúde. Só que tem vezes que não se lembra de alguma coisa. Às vezes não reconhece os netos, por exemplo”, explicou.

“Em casa temos guardadas camisas, lembranças do Fluminense. Tento sempre mostrar para ele os jogos do time quando possível também. Assistimos de vez em quando as partidas”, contou.

O Fluminense, entretanto, ficou distante de Waldo após 1961, quando o atacante deixou as Laranjeiras rumo à Espanha. Foi pelo Valencia que ele fez outro capítulo marcante de sua carreira: foram 160 gols em 296 partidas, se tornando o segundo maior goleador da história do clube espanhol. Após deixar o time, o atacante ainda atuou pelo Hércules em 1969, em passagem que durou até 1971, quando pendurou as chuteiras.

A distância física e o perfil discreto de Waldo acabaram deixando sua história quase esquecida no Brasil. Coube ao tricolor Valterson Botelho escrever uma biografia em 2012 e relembrar a passagem marcante do atacante pelo Fluminense. A última visita do ídolo ao Brasil, inclusive, foi para comemorar o lançamento do livro.

“Gente nova não conhece mais ele não, por esse jeito mais reservado dele. O pessoal mais velho, sim. Aqui [Valencia] muita gente para ele na rua. Onde ele está só se fala de futebol”, explicou Walmar, que vê como natural o fato de o pai ser pouco lembrado no Brasil.

“Acontece isso também porque meu pai não voltou muito ao Brasil. Só duas ou três vezes. Visitei até mais que ele. Ele não gosta de perturbar o clube, pedir favor para ninguém. Se dedicava ao trabalho aqui na Espanha. Muita gente já falou para ele que ele tinha de ser metido com o clube, mas ele nunca ligou”, lembrou. No Fluminense, porém, sua história está guardada com cuidado.

"Waldo tinha um estilo rompedor e uma força física extraordinária. É o maior goleador da história do clube com 319 gols, número muito difícil de ser alcançado", lembra Dhaniel Cohen, um dos responsáveis pelo Flu Memória, departamento do clube que mantém documentados os principais fatos da história tricolor. Em 2012, um busto do ídolo foi confeccionado por iniciativa de Valterson Botelho. Hoje o artigo está guardado na sala de troféus das Laranjeiras.

Talvez por não gostar tanto dos holofotes, Waldo também não faturou tanto com a fama pelos muitos gols em campo. O ex-atacante chegou a trabalhar nas escolinhas do Valencia até 2006, além de treinar outras equipes na região. Os filhos, por sua vez, levam o cotidiano normal para os habitantes da cidade espanhola.

“Todos trabalhamos em outras coisas. Trabalho em uma escolinha de futebol aqui também. Mas trabalho aqui está difícil. Então é arrumar o que puder. Aqui não querem pagar muito. Temos que nos adaptar ao que tem, infelizmente”, disse Walmar, lembrando a crise econômica enfrentada pela Espanha nos últimos anos. “Quero ir ao Brasil, mas as passagem está muito cara”, lamentou.

Maior goleador do Fluminense na atualidade, Fred está bem distante de Waldo no ranking de artilheiros, com 175 gols a menos. O atual camisa 9, no entanto, pode chegar ao posto de segundo maior artilheiro da história tricolor nos próximos quatro anos, tempo pelo qual ainda estará em vigor o contrato assinado recentemente pelo jogador.