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Jogador assassinado iria para a base do Ceará após torneio infantil

Rodrigo Kelton, jogador de 14 anos assassinado no Ceará - Divulgação/Pequeno Nazareno
Rodrigo Kelton, jogador de 14 anos assassinado no Ceará Imagem: Divulgação/Pequeno Nazareno

Vanessa Ruiz

Do UOL, no Rio de Janeiro

31/03/2014 18h07

O garoto Rodrigo Kelton, executado a queima-roupa no dia do seu aniversário de 14 anos, na periferia de Fortaleza, tinha potencial real para jogar bola e tentar uma carreira profissional. Ele possivelmente teria sido o capitão da equipe brasileira que disputa nesta semana a segunda edição da Street Child World Cup, campeonato mundial de crianças que vivem ou trabalham nas ruas. Depois do torneio, que está sendo realizado no Rio de Janeiro, ele tentaria a sorte na base do Ceará.

“Já tinha acertado com nosso treinador, que também é técnico das categorias de base do Ceará, que ele levaria o Rodrigo para o clube depois desse torneio”, conta Antônio Carlos da Silva, educador social e coordenador da abordagem social de rua da Associação Beneficente O Pequeno Nazareno, ONG selecionada para representar o Brasil com um time masculino na competição.

Rodrigo nunca soube da intenção do treinador. “Nós optamos por não contar a ele para que ele não perdesse o que tinha de melhor, que era tratar todos de maneira igual. Foi um acordo que eu e o treinador fizemos. Coisas do futebol…”, relembra Antônio Carlos, revelando na voz uma ponta de ressentimento: “Infelizmente ele não soube disso, mas ele merecia muito estar aqui pelo desejo, pelo sonho que ele andava demonstrando de participar dessa competição. Me frustra saber que ele não está aqui”.

O garoto foi morto em 14 de fevereiro. Rodrigo Kelton foi executado por um jovem que se aproximou numa bicicleta, segundo testemunhas, no momento em que saía de casa para ir a uma lan-house. Ele levou um tiro na perna, outro nas costas; já caído, levou outros três na cabeça. No velório, quase não era possível reconhecer seu rosto.

Antes do crime, ele passou três anos sendo acompanhado pela Pequeno Nazareno. Depois de um breve período com a família, ele voltou para as ruas e acabou sendo preso por ter cometido um assalto. Rodrigo cumpriu medida sócio-educativa por 45 dias e procurou novamente a ONG. Junto com os educadores, foi refeito o seu plano de atendimento para que ele voltasse a estudar e, quem sabe, jogar futebol profissionalmente. Não houve tempo. 

A morte de Rodrigo não é a única ligada ao time brasileiro na Copa infantil. Marcio Pereira Gomes da Silva, de 16 anos, foi quem acabou assumindo a braçadeira de capitão da equipe brasileira. Na estreia contra o Egito, Marcio carregou não só a homenagem a Rodrigo, mas vestiu uma camiseta em memória do irmão Adaílton, que também foi executado, em 2012, aos 17 anos, por envolvimento em atividades criminosas. Adaílton da Silva chegou a ser acompanhado pela Pequeno Nazareno, mas não escapou de uma morte trágica: ele foi assassinado na rua de casa e morreu nos braços da mãe enquanto aguardava socorro.

A necessidade de que as histórias sejam ouvidas supera qualquer restrição que se possa ter ao falar das mortes das crianças e adolescentes em situação de rua. Antônio Carlos expõe os casos e o narrar dos detalhes soa como um pedido de socorro: “As mortes destes garotos dão uma sensação de impotência e isso é muito frustrante para o nosso trabalho. Às vezes, temos a sensação de que não dá, de que não vai ser possível, de que vamos perder. Mas quando vemos uma mudança de trajetória na vida de um deles, que seja, temos de usar isso como força para continuar”.

Manoel Torquato, um dos coordenadores da ONG Pequeno Nazareno que acompanha o time ao Rio de Janeiro, lembra a história de um garoto de 11 anos a quem foi perguntado o que queria ser quando crescer. O menino perguntou de volta se crescer era "depois que alguém fazia 18 anos", e disse que então estaria no presídio. Em seguida, voltou atrás e completou: “Não, eu estarei no presídio ou estarei morto”.

“Como é que nós, como sociedade, conseguimos enfiar na cabeça desse garoto esse tipo de sonho, esse tipo de destino? Nosso papel é substituir essas crenças por algo melhor”, conclui Manoel.

A Street Child World Cup é uma iniciativa da ONG Save the Children, que atua em cerca de 120 países com crianças privadas de direitos fundamentais como moradia, educação e saúde. Neste ano, o evento reúne 230 jovens de 19 países com idades entre 14 e 17 anos, e não se resume aos jogos. Na noite deste domingo, por exemplo, após as estreias em campo e o jantar, os adolescentes se reuniram para uma oficina de desenho. A convivência entre gente de nacionalidades diferentes, com culturas diferentes, mas que lutam pela mesma causa ajuda os jovens a perceberem que não estão sozinhos, que “são alguém”, como diz a frase estampada nas camisetas dos voluntários. É nesta premissa que se baseia a copa.