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Rotulado 'laranja podre', G. Nery se divide entre empresa e fim de carreira

Patrick Mesquita

Do UOL, em São Paulo

01/10/2013 06h00

Com mais de 13 clubes no currículo e quase 18 anos dedicados ao futebol profissional, Gustavo Nery teve uma carreira vencedora.  O lateral esquerdo conquistou um Campeonato Brasileiro, uma Copa Sul-Americana e até mesmo uma Copa América pela seleção brasileira. Mas um episódio específico até hoje “assombra” o agora ex-jogador.

Em 2001, quando ainda defendia o São Paulo, Gustavo foi afastado do elenco pelo técnico Nelsinho Baptista. Junto com os companheiros Rogério Pinheiro e Carlos Miguel, o lateral foi chamado de “laranja podre” pelo treinador, que acreditava que os jogadores prejudicavam o grupo tricolor. Atualmente com 36 anos, o ex-defensor trata a situação com naturalidade e afirma não ter mágoas de Nelsinho. Mas admite que a punição foi uma mancha em sua vida nos gramados.

“Não tenho mágoa do Nelsinho. Depois trabalhei com ele no Corinthians, achei que teria dificuldade. Às vezes as pessoas ficam com isso na cabeça. Fui afastado, voltei e mostrei que não tinha nada a ver, mas fica marcado. Tanto na cabeça da imprensa, quanto na do atleta. Graças a Deus eu tinha um respeito grande e respeitava a todos. Você dando respeito a todos os profissionais, desde os meninos, e isso deve estar acima de tudo”, diz Gustavo Nery em entrevista ao UOL Esporte.

O episódio da “laranja podre” não foi o único que pesou de forma negativa na caminhada profissional do lateral esquerdo. Gustavo vivia o auge de sua carreira entre 2004 e 2005, com a conquista da Copa América com a seleção e com título do Brasileirão 2005, torneio em que foi eleito o melhor em sua posição. Mas tudo mudou em 2006.

Lesionado e fora dos gramados em algumas partidas, Gustavo Nery passou a ser chamado de "chinelinho", e a falta de condições físicas fez com que o atleta perdesse para Gilberto, do Hertha Berlim, a vaga na Copa do Mundo de 2006. Apesar de não utilizar a palavra frustração, o defensor se diz injustiçado e afirma que todas as acusações não passaram de boatos plantados por quem não conhecia o cotidiano do clube.

“Falaram muitas coisas na época do Corinthians, de 'chinelinho'. As pessoas falam quando não sabem do cotidiano. Se você for capaz de perguntar para Fábio Mahseredjian, preparador físico do Corinthians, sobre aquela época, ele vai responder que eu era o linha de frente, quem puxava era eu. Eu tive a lesão e acabei não indo para a Copa. Você acha que eu queria isso para mim? Naquela época falaram de 'chinelinho'. Hoje tem maquinário forte e é fácil ver como é o desgaste do jogador brasileiro. Naquela época, eu era o mais velho e o desgaste era grande. Às vezes, os mais novos não aguentam. Hoje você vê Danilo, Zé Roberto, D’Alessandro jogando muito”, analisa.

Mesmo com algumas marcas e “rótulos”, injustos segundo o ex-lateral, Gustavo Nery assegura que não perdeu a fome de jogar futebol. Aposentado desde 2012, após uma passagem sem brilho pelo São Bernardo, ele crava, sem a menor dúvida, que ainda possui condições físicas e pode repensar a aposentadoria caso apareça algum clube interessado em suas habilidades.

“Para ser sincero, posso voltar se for algo legal, com estrutura boa, com responsabilidades divididas e não sobrecarregar uma pessoa só. Fisicamente estou bem. Não sei, a vida passa rápido e quando você olha para trás já está com 40 e não dá mais”, conta.

Longe dos gramados, Gustavo Nery até investiu em outra profissão. Cansado de ficar em casa, ele abriu a RJG Car Service, uma oficina especializada em blindagem, funilaria e mecânica de automóveis localizada em São Bernardo do Campo. Mesmo assim, para garantir que está pronto caso apareça algum convite para voltar à ativa e se manter em forma, toda a rotina é adaptada como se ele ainda jogasse em um grande clube do futebol brasileiro.

“Eu jogo um society 40 minutos por 40 minutos, só com pessoas que sabem jogar e o ritmo é legal. Dentro do combinado, cada um em sua posição. Eu jogo em dois times, jogo de sábado no society e domingo no campo. Abri a RJG com um amigo. Vou de manhã, volto do almoço e treino. Faço igual quando eu jogava, mas com uma profissão diferente”, aponta.

Mas, mesmo que não volte ao profissional e fique apenas nos jogos informais com amigos, Gustavo Nery faz um balanço positivo sobre a carreira e admite que poderia ter sido ainda melhor.  Entre as poucas lamentações está o fato de não ter sido comandado por nomes como Muricy Ramalho e Vanderlei Luxemburgo.

“Eu não trabalhei com o Luxemburgo como profissional. Tive vontade de trabalhar com ele. Não tive a oportunidade com o Muricy, com o Abel Braga, que acho um grande treinador. Foi tudo muito bom e poderia ser melhor, muito melhor. Poderia estar jogando hoje. Se eu tivesse escutado mais algumas pessoas, poderia ainda estar em um clube grande. Mas soube comprar, investir e tenho uma família importante, com esposa e filhos. Tudo na minha vida foi retorno do futebol. Se eu parei, é porque eu tenho condições e não dependo do futebol.”