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Muricy conta histórias sobre o "difícil" Muller, o "metido" Breno e defende Luxemburgo

Luiz Paulo Montes e Vinicius Mesquita

Do UOL, em São Paulo

29/07/2013 06h00

Muricy Ramalho está tranquilo e curtindo suas férias. Desempregado desde que deixou o Santos, no fim de maio, o técnico usou os últimos dois meses para ficar com a família, viajar (algo que não fazia há muitos anos, segundo ele), e cuidar de sua saúde – uma diverticulite em abril o deixou internado na UTI por três dias.

Com a agenda mais tranquila, o técnico de 57 anos recebeu a reportagem do UOL Esporte no prédio onde mora, em São Paulo, e falou por quase duas horas e sobre diversos assuntos. Espontâneo, deu sua visão sobre o atual momento do São Paulo, reiterou que não foi procurado pela diretoria do clube paulista para assumir o comando, elogiou Ganso e relembrou os tempos em que trabalhou com Telê Santana. Daquela época, aliás, lembrou o quanto foi difícil lidar com o ex-jogador Muller, com o qual conviveu quando era auxiliar de Telê.

“O Muller era duro, era complicado. Era difícil mesmo. Era um baita jogador, mas não era fácil trabalhar com ele. Eu me dava bem, auxiliar sempre se dá bem. É o cara que abraça, brinca com jogador, faz carinho, cafuné (risos). O treinador mete a porrada e manda o auxiliar fazer carinho. Eu me dava bem, tudo que eu pedia ele fazia, mas o negócio era brabo (risos)”, afirmou Muricy, em meio a histórias sobre sua convivência com o técnico bicampeão do mundo com o São Paulo.

O comandante falou também sobre sua personalidade e admitiu que "incomoda muita gente" no futebol por suas características e pelo jeito de trabalhar - que ele diz que não é por intimidação, mas sim por respeito. "Se quer intimidar, não querem essa pessoa. Minha presença é de respeito", declarou.

Leia os melhores trechos da entrevista ao UOL Esporte

UOL Esporte: Você pegou as duas épocas mais vitoriosas do São Paulo (começo da década de 90 e o tricampeonato brasileiro, nos anos 2000). Você já parou para pensar nisso?

Muricy Ramalho: Penso muito nisso. Quando um time está passando por um período ruim, as pessoas lembram do que foi melhor, e nessa época dos anos 1990 e no tricampeonato o São Paulo foi muito vencedor. Tudo que participava ganhava, tinha uma confiança muito grande. Foi uma época brilhante. O São Paulo tem essas coisas de quebrar recorde, queriam muito ser os que mais ganharam. Quando voltei, em 2006, era momento bom para o clube e difícil para mim, pois o clube tinha acabado de vencer o Mundial e o título Brasileiro passou a ser o mais desejado pelo clube. Mas deu tudo certo.

BOLA DE CRISTAL

Rodrigo Paiva/UOL
Eu conheço bem o São Paulo. Não fazem nada de orelhada. Quando pensam em tirar, já tem outro engatilhado. Quando anunciaram que o Ney saiu e depois de um dia não me ligaram, eu sabia que não era eu. Eu sei como eles são

UOL Esporte: O futebol mudou muito daquela época do Telê para hoje?

Muricy Ramalho: Muda um pouco. O que não é legal no futebol é a falta de identidade de técnicos e jogadores com os clubes. O Telê só não ficou mais no São Paulo porque ficou doente. E o plano dele era ele formar um técnico para o São Paulo e depois parar. Tentaram com alguns, e deu certo na minha vez. Eu conheci o Telê quando ele foi meu treinador. Ele era muito especial, e uma pessoa para trabalhar com ele tem que respeitar o lado individual dele. Eu corria, fazia mil relatórios, viajava para ver jogos de adversários da Libertadores, e sempre procurava trazer informações. Eu trazia um monte de páginas anotadas, mas ele nem olhava direito (risos). Tinha que escolher 'um dia bom dele' para chamá-lo de lado e explicar o que tinha feito. Era difícil. Os demais treinadores que tentaram não conseguiram, não tinham paciência. Eu queria aprender com o Telê, ficava o tempo todo ao lado dele, ouvia resmungar... (risos) O futebol muda por isso: antigamente existia identidade entre o treinador e o clube. Os jogadores também não entravam e saíam, ficavam algum tempo no mesmo lugar. Hoje muda demais.  O cara tem que se ambientar, saber o como o clube funciona, conhecer a torcida.

UOL Esporte: É por isso, por exemplo, que o Ganso ainda não deu certo no São Paulo?

Muricy Ramalho: Pode ser. O Ganso é caso raro. Eu trabalhei com ele de perto, via todo dia o cara treinar, jogar. É brincadeira ver ele treinar.  Hoje têm poucos como o Ganso, que tratam a bola como ele. Pode ser que não esteja jogando bem, mas trata a bola bem demais. É uma maravilha o que ele faz. A gente estranha sua falta de adaptação. Mas pode observar: ele continua com a cabeça em pé, passando bem a bola. Falta só encaixar, encontrar o caminho.

UOL Esporte: Desde que ele chegou ao São Paulo, ele te procura para conversar?

Muricy Ramalho: O Ganso era muito quieto, não é de falar muito. No Santos eu é que tinha que puxar assunto, explicar coisas da posição dele. O camisa 10 tem que fazer gol também. Mas para ele é mais importante dar passe para gol do que fazer gol. Ele fica superfeliz quando dá um passe para o gol. Ele enxerga coisa que ninguém enxerga. É coisa rara, algo que há muito tempo eu não via. Quando aparece um '10' como ele, a gente fica empolgado, a gente gosta de ver jogar. Quando tiver uma sequência de jogo, vai embora. Eu ainda tenho esperança, falo isso porque gosto muito dele, fui convidado para o casamento.... Falei com ele faz pouco tempo, pelo telefone. Para essas pessoas a gente torce; fez parte da minha vida e me ajudou. Estou como o torcedor do São Paulo, torcendo para dar certo.

A TURMA DO VANDERLEI

Lucas Uebel/Preview.com
No Palmeiras, quando cheguei, mandaram tomar cuidado com a "Turma do Vanderlei", ele tinha deixado algumas pessoas na comissão. Eu falei "cuidado por que?" Preciso conhecer as pessoas antes. Sabe o que aconteceu? Eram tudo gente boa. Ficaram todos comigo. Eu ia cometer injustiça. Não pode ser assim. Isso é insegurança.

UOL Esporte: O que você acha que acontece com o São Paulo, que não consegue sair da crise?

Muricy Ramalho: Estou no futebol há anos e sei como é: quem está fora só sabe 10%. O que se percebe é pouco de intranquilidade. Um time de futebol tem que ter tranquilidade, confiança. Quando encaixar dois ou três jogos, volta a ser forte. Tem bons jogadores. Depende de achar vitórias e aí a confiança volta. A chance para uma arrancada será quando aparecer alguma vitória. 

UOL Esporte: O que achou da torcida são-paulina gritar insistentemente seu nome em alguns jogos recentes?

Muricy Ramalho: No Náutico acontece toda hora, e no São Paulo também. É reconhecimento do trabalho da gente. Trabalhei muito duro, ganhei três títulos brasileiros. Vai ser difícil outro técnico repetir isso no mesmo time. As pessoas não têm convicção do que fazem. Nem quando ganha está tudo certo nem quando perde está tudo errado. Aqui (no Brasil), O emocional pesa demais. O torcedor é inteligente, quer que você vista a camisa dele. E todos os clubes que eu vou eu procuro fazer isso, dar meu máximo. E o torcedor percebe isso. Ele gosta de graça do clube, não tem nenhum tipo de interesse. Não gritaram meu nome por interesse. E isso é o mais legal. Eu não sou de fazer média com nada, não peço nada. Gritaram de graça meu nome. 

UOL Esporte: Falando em São Paulo, não houve mesmo contato da diretoria para você assumir quando o Ney Franco foi demitido?

Muricy Ramalho: Ninguém, nenhuma consulta. Nem telefonema, nada. Eu conheço bem o São Paulo. Não fazem nada de orelhada. Quando pensam em tirar, já tem outro engatilhado. Quando anunciaram que o Ney saiu e depois de um dia não me ligaram, eu sabia que não era eu. Eu sei como eles são. Não posso ficar magoado. É o futebol. Continua a mesma imagem, as mesmas amizades. Fui jantar com o Juvenal há uns meses. Cada um é livre para fazer o que tiver que fazer, para escolher, tirar. Minha relação com as pessoas que estão lá não muda em nada. Sei que tinha muita gente torcendo para eu ir, roupeiro, etc. Pessoas que cresceram comigo desde o juvenil. 

UOL Esporte: Do Santos você saiu bem ou ficou alguma mágoa?

Muricy Ramalho: Tudo em ordem. Foi um dos melhores clubes que trabalhei em termos de liberdade. É fantástico. Ainda mais no modelo que fazem. Os gestores não vão lá (no campo). Dão liberdade para trabalhar. O ambiente é ótimo, ambiente de CT é ótimo. O vestiário é excelente. Santos é uma cidade de praia, o ambiente é mais suave, mais alegre. O CT era minha casa, e morava com satisfação. O Santos tem essa facilidade, essa atual gestão. Foi muito bom, tem estrutura, dão o que você quer e confiam em você. É um clube sensacional. 

UOL Esporte: Mas o que fez com que você saísse, então?

Muricy Ramalho: É difícil falar. Eu dou sempre o exemplo do Arsenal. Se estou lá e chego em seis finais em dois anos, levantam estátua e me dão contrato de 30 anos. Renovei o time todo e cheguei na final de novo (Paulistão). Não tive desavença com ninguém. Os caras (do Comitê de Gestão) são pessoas diferentes. Não são do futebol, e dirigem o Santos como empresa. Não teve um fator decisivo para minha saída. Seria injusto da minha parte me queixar. Não posso, não seria correto. Mesmo morando no CT, não era um puta amigo dos caras. Não sou de estar com as pessoas nesse lado pessoal.  Não posso me queixar porque me mandaram embora. Foram decentes nos dois anos em que estive lá.

UM CRAQUE SEM SONO

AFP
Ele (Neymar) é diferenciado.Se fosse necessário, ficava sem dormir depois da balada ou de um compromisso e aparecia no dia seguinte para treinar. Eu morava no CT e às vezes eu acordava e via o carro dele chegando de madrugada. Não podia reclamar nada dele. O Neymar se cuida muito. ele é fininho, mas a parte muscular dele é muito forte. Quando eu achava que ele estava esgotado, chamava os caras dele e pedia para segurar.

UOL Esporte: Você fez grandes amizades no futebol?

Muricy Ramalho: Fiz muitas amizades. Voltei a encontrar amigos em Santos, toda a turma antiga do clube ia lá tomar café comigo, tinha uma quadra do lado no CT que eles faziam bate-bola, eu ia no churrasco com eles. Eram as pessoas que faziam parte da minha vida: o massagista, a tia da cozinha, as duas que arrumavam meu quarto... Eu gosto dessa turma. E quando ele gostam do treinador, o massagista dá massagem melhor para o jogador, o roupeiro trata melhor a chuteira do cara, e o jogador rende melhor. Essa é a minha praia. Eu gosto dessa turma, fazia churrasco com eles na quinta ou ia comer peixe com o pessoal da comissão técnica. Eu não ia jantar com o pessoal  da diretoria, Odílio Rodrigues (presidente em exercício), Pedro Luiz Conceição (membro do Comitê de Gestão). Não sei fazer social. Eu não tenho isso. E com os jogadores é importante ter uma distância. Eles fazem o churrasco deles e eu não vou. Se fizer isso, fica insuportável. Técnico como eu, que fica muito tempo em um clube, não pode ficar pegando no pé de jogador fora do campo. Não quero saber onde vai, se usa chapéu, brinco, calça rasgada.  Isso é problema deles. Mas se chegar no CT e não treinar, eu pego no pé. 

UOL Esporte: Você passou um pouco por isso com o Neymar, não é? Fora de campo, a vida dele é uma loucura...

Muricy Ramalho: Era maluca, não sei como ele suportava. Mas ele é diferenciado geneticamente. Com todos esses compromissos, comerciais... Nós fizemos um acordo com o pessoal dele. Tínhamos a nossa programação e encaixavam os programas do Neymar no meio. Ele é diferenciado.Se fosse necessário, ficava sem dormir depois da balada ou de um compromisso e aparecia no dia seguinte para treinar. Eu morava no CT e às vezes eu acordava e via o carro dele chegando de madrugada. Não podia reclamar nada dele. O Neymar se cuida muito. Ele é fininho, mas a parte muscular dele é muito forte. Quando eu achava que ele estava esgotado, chamava os caras dele e pedia para segurar. 

UOL Esporte: E alguém te perturbava com isso?

Muricy Ramalho: Ninguém perturbava. Contanto que o time não seja  prejudicado, não tem problema. Tem jogador que não sai de casa e esta toda hora machucado. O trabalhador é custo-benefício. Se vai dançar, mas amanha está lá, trabalhando, é o que importa. O dono quer resultado. E o moleque dá resultado. Por isso que eu me dava muito bem com ele. Quando fechou com o Barcelona, ele me procurou para falar. Eu queria que resolvesse logo, sentia a ansiedade dele, não estava jogando direito. Isso atrapalhou seu futebol. É um volume enorme financeiro, muita gente interessada. Por isso que ele estourou na Copa das Confederações. Saiu um peso das costas. O moleque não tem frescura nenhuma. Eu conheço jogador que não joga 10% do que ele joga que é chato pra caramba, cheio de manhas. Ele não reclama de nada, se a cama está dura.... Nunca vi reclamar. Ele quer treinar, jogar e dançar às vezes. Ele é espetacular. Se você se mete, estraga.

DIFÍCIL DE AGUENTAR

Reprodução
O Muller era duro, era complicado. Era difícil mesmo. Era um baita jogador, mas não era fácil trabalhar com ele. Eu me dava bem, auxiliar sempre se dá bem. É o cara que abraça, brinca com jogador, faz carinho, cafuné (risos). O treinador mete a porrada e manda o auxiliar fazer carinho. Eu me dava bem, tudo que eu pedia ele fazia, mas o negócio era brabo (risos)

UOL Esporte: Diga quais são os jogadores chatos para caramba...

Muricy Ramalho: Pô, isso não posso falar

UOL Esporte: Com o Neymar em alta, tem muita gente que tenta se aproximar?

Muricy Ramalho: Ele é muito cercado, caras ruins eles tiram de lado. O pai dele fica em cima. Jogador que vai bem e não tem pai e mãe perto, encostam os malas. E aí acaba com o cara. Tudo é bom, tomar cerveja é bom, ir à balada é bom. Jogador quer que você concorde com ele. Mas o bom é o que mostra a coisa ruim. Mas é difícil. Eu tive um menino no Santos que eu lancei, fiquei uma hora e meia com ele conversando.  Falei "você nem jogou ainda, como dizem que você é fera? Você não é nada!" Tem que ir lá cumprimentar o capitão, que é o primeiro que todos falam. Eu sentia que tudo estava errado. O moleque vai ser fera. O moleque mudou totalmente. Falei: "Quer um exemplo? Segue o Neymar". Ele mudou, cumprimentava os outros. Esses moleques, nessa idade, aceitam o que você fala. Moleque de 12 anos tem contrato já, são paparicados demais.

UOL Esporte: Ao longo da sua carreira muita gente te encheu, criticou seus métodos de trabalho?

Muricy Ramalho: A gente não sabe, no futebol tem muita conversa, é difícil chegar perto de mim, cara. Na primeira conversa que tive com o Santos eu falei: "estão me contratando para o Santos. Eu dirijo o time e vocês o Santos. Combinado? É assim ou não dá". Eu sou o técnico, me pagam um dinheiro bom e querem escalar o time? Não adianta. Não tem cabimento. Tem jogador bom e você escala. Erra, mas escala. Se tem insegurança, não anda. Jogador é esperto. Quando percebe que alguém manda no técnico, o time não vai para a frente. O jogador gosta de ser cobrado pelo técnico. Quando vejo alguém que não está legal, chamo de lado, não gosto de chamar a atenção na frente de todo mundo. Tomo porrada de jornalista, discuto na coletiva, mas não critico jogador. Mas eu tinha moral, chegava na segunda-feira e metia porrada neles, alguns individualmente. Já vi problema de jogador em casamento, problemas sérios. Eu chamava, falava que tinha 33 anos de casado e tenho experiência para falar sobre o assunto...Mas aí vem o negócio de que não sou de diálogo. Sou sim, mas o negócio fica ali. Não passo para dirigente.

UOL Esporte: Você é conhecido também por ter uma certa intolerância nas coletivas, por discussões....

Muricy Ramalho: É impaciência, intolerância é muito forte. Mas não era uma coisa do mal. Muitos que briguei eu pedi desculpas. Se você é uma pessoa ruim, não pede. Eu pedi várias vezes. Um time é uma panela de pressão. Eu tenho que me defender, mas às vezes era muito forte. Minha mulher brigava comigo, e eu admitia o erro. Você vai ficando mais velho e vai aprendendo a respeitar o cara, que está fazendo o trabalho dele. Tem cara que não presta mesmo, como em qualquer lugar. Mas faz tempo que não tenho uma briga em coletiva. Eu sosseguei no Fluminense. E também a bateria vai diminuindo. Não sou de remédio. Sou nervoso no dia a dia, em casa eu sou tranquilo. Mas não tem jeito. No nível de competição que faço, de interesse que existe, ser técnico de ponta, ganhador, não tem como ser calmo. 

UOL Esporte: Você tem medo de acontecer com você o que aconteceu com o Telê?

Muricy Ramalho:  É por isso que não quero chegar como ele chegou. O futebol deu tudo para ele, mas matou ele. Aquilo que aconteceu foi do futebol. Eu via ele acordando, preocupado com a grama, com os jogadores, não ia para casa, não vivia em casa, morava no quartinho dele ali no CT. Isso custou a vida dele. Isso me preocupa demais, Nós participamos, eu e o Dr. José Sanchez (médico do São Paulo), quando ele descobriu o problema. Ele tinha pequenas isquemias e apagava. Fizemos a cabeça dele para fazer exame, ele não tomava remédio, não gostava que cuidassem dele. Eu não quero ficar assim. 

SERVIR PARA SER FELIZ

Fernando Donasci/UOL
Para ele é mais importante dar passe para gol do que fazer gol. Ele fica superfeliz quando dá um passe para o gol. Ele enxerga coisa que ninguém enxerga. É coisa rara, algo que há muito tempo eu não via. Quando aparece um '10' como ele, a gente fica empolgado, a gente gosta de ver jogar. Quando tiver uma sequência de jogo, vai embora

UOL Esporte: Você tenta se controlar um pouco mais depois da sua diverticulite?

Muricy Ramalho: Não tem jeito. Uma coisa que aprendi a controlar é na coletiva. Aquilo me fazia mal. Eu não vou preparado, você pergunta e eu respondo. Tem cara que é inteligente, faz curso, se prepara. Eu não sou assim. Eu respondo o que eu acho, não me preparo. Eu nunca mais briguei forte com um cara. Faz tempo que não tem isso. Eu mudei e me fez bem. Me fazia mal, minha mulher brigava comigo, eu me sentia mal, sabia que estava errado. Eu melhorei bastante. Mas o cara faz uma bobagem no campo, não tem como controlar. Eu sou que nem torcedor, mas sou pior pois sou o técnico.

UOL Esporte:  Depois do seu problema, você falou que pensava em abreviar sua carreira. Mudou isso ou segue com essa ideia?

Muricy Ramalho: Quando você fica debilitado igual eu estava, é difícil. Eu voltei com muitas dores. Você se assusta. Amanhã estou fora do futebol e não vivi. Isso faz você pensar na vida, você fica preso no hotel, os caras te criticam, te xingam. A vida não é só isso. Agora estou bem de novo, descansado, me cuido legal, faço exercícios. Estou bem fisicamente, meus exames são bons. Nunca tive problema de colesterol, de pressão. Não estou com loucura para voltar não. Não estou mais nessa. Preciso de time que vá ganhar.  Se não der, volto só ano que vem. Tenho muita coisa para fora do Brasil. Mas não me chama a atenção, não tem adrenalina. Tem Emirados todos os anos, é muita grana. Mas até hoje não me convenceu. 

UOL Esporte:  Até quando você pensa em trabalhar?

Muricy Ramalho: Não tenho ideia! Até quando eu tiver com vontade de trabalhar e tiver vontade de ganhar. Graças a Deus sou um cara muito seguro, não sou de gastar, sou tranquilo.  O Santos foi o time que eu mais tive liberdade para trabalhar, ai me dá prazer, me dá prazer lançar jogadores jovens, dá prazer ganhar títulos. O que marca o torcedor é o título. É igual o cara que vende carro. O cara vende 20 e tem a bonitinha que vendeu um. Ela só é bonitinha, mas não faz porra nenhuma. Fera é o outro, que vendeu 20.

 UOL Esporte:  Ainda pensa em dirigir a seleção?

Muricy Ramalho: No futebol tudo pode acontecer, mas não tenho essa loucura. Eu fui técnico por três horas da seleção. Não tenho essa vaidade, não sou louco. Eu sei o que faço, tinha certeza do que estava fazendo (em 2010, quando aceitou o cargo, mas não foi liberado pelo Fluminese). Estive perto, fui convidado, e no fim não deu. A seleção é a coisa mais importante, mas não dava para mim na época. 

BRENO NUNCA FOI FÁCIL

Rubens Cavallari/Folhapress
Eu comi a alma dele. Quase matei o cara. Disse que ele era muito folgado, falei que um zagueiro precisa ser mais sério, não pode brincar, não pode errar, é o último homem, essas coisas todas. Mas é importante lembrar que o Breno é muito técnico, um jogador acima da média.

UOL Esporte:  Dizem que você, do seu jeito, não aguentaria o ambiente de seleção, os bastidores. É verdade?

Muricy Ramalho: Não sei, nunca estive lá. Não posso falar, seria injusto da minha parte. Eu sei que em algumas coisas sou complicado mesmo. O Muricy não é flexível com coisa ruim. Aí não tem acordo. Pode ser o Papa, mas se tiver errado não sou flexível. Com coisa boa eu converso. Mas não vem com sacanagem, que aí não tem acordo. Eu fui criado assim, como um cara no mercadão de Pinheiros. Ele me falava que eu tinha que ser correto. Eu aprendi assim e não abro mão. Eu sei que atrapalho muita gente, tenho noção disso. Atrapalho mesmo. Eu trabalho para o clube, o clube não é das pessoas, não é particular. Tem uma história, uma torcida. Não faço acordo. Se não é bom para o clube, não quero.

UOL Esporte:  Fez inimigos no futebol? Pode dizer alguém que não gosta?

Muricy Ramalho: Não sei. As pessoas guardam para elas isso e aí, no momento ruim, vem com aquele 'ah, acho que é melhor mandar o Muricy embora'Eu faço o que é bom para o clube. Não sei de quem é o jogador, de qual empresário é. Se é bom para o clube, contrata. E se fala que não é bom, vem gente ruim. Não posso falar (de quem não gosto), mas tem gente. Tem muita gente boa para caramba, caras sérios, como o Ricardo Gomes, o Tite, o Abel Braga. No dia a dia eu nunca vi alguém querendo me prejudicar em lugar nenhum. O cara pensa "pô, vou sacanear ele? Ele não faz mal para ninguém". No Palmeiras, quando cheguei, mandaram tomar cuidado com a "Turma do Vanderlei", ele tinha deixado algumas pessoas na comissão. Eu falei "cuidado por quê?" Preciso conhecer as pessoas antes. Sabe o que aconteceu? Eram tudo gente boa. Ficaram todos comigo. Eu ia cometer injustiça. Não pode ser assim. Isso é insegurança.  

UOL Esporte:  Já teve jogador que te deu problema?

Muricy Ramalho: Eu tive vários jogadores que tinham problemas, mas não diretamente de ordem com o time. Eram problemas particulares complicados demais. Mulher que não é boa para arrumar, esses eu tinha de intervir. Mas eles aceitavam. Eu fiquei muito tempo no São Paulo, a maioria dos casos são lá. 

FUTEBOL SEM FRESCURAS

Rodrigo Paiva/UOL
Palestra motivacional feita por treinador? Não acredito nisso, é uma grande mentira. Não funciona. Não mexe porra nenhuma, isso é lenda. Eu fui jogador. Esse negócio de colocar a vovó falando, a filha falando, não funciona. Já vi jogador chorar vendo a filha, o cara chora na preleção, no vestiário, e arrebenta o cara, perde o cara. Ele vai para campo que nem doido.

UOL Esporte:  O Muller, na época do Telê, era difícil?

Muricy Ramalho: O Muller era duro, era complicado. Era difícil mesmo. Era um baita jogador, mas não era fácil trabalhar com ele. Eu me dava bem, auxiliar sempre se dá bem. É o cara que abraça, brinca com jogador, faz carinho, cafuné (risos). O treinador mete a porrada e manda o auxiliar fazer carinho. Eu me dava bem, tudo que eu pedia ele fazia, mas o negócio era brabo (risos)

UOL Esporte:  E o Breno, no São Paulo? Te deu problema?

Muricy Ramalho: Com o Breno não tive nada. Fiquei pouco tempo com ele, eu lancei e venderam. Ele ficou 6 meses aqui. Nunca se ouviu falar alguma coisa dele. Morava em Cotia, nunca fez nada lá, e estava começando. Foi uma surpresa o que aconteceu (o zagueiro foi preso na Alemanha acusado de incendiar a própria casa). Foi falta de cuidado das pessoas do lado dele. As pessoas falavam mais sim do que não. Acostumaram mal. Eu coloquei o Breno na raia para ver se o cara era fera. Logo na primeira chance, ele fez uma burrada em Mogi Mirim. Ele é um jogador muito técnico, gosta de sair com a bola, mas um adversário roubou a bola dele e fez um gol. Eu comi a alma dele. Quase matei o cara. Disse que ele era muito folgado, falei que um zagueiro precisa ser mais sério, não pode brincar, não pode errar, é o último homem, essas coisas todas. Mas é importante lembrar que o Breno é muito técnico, um jogador acima da média. Lembra o Válber (zagueiro do São Paulo nos anos 1990),  dentro da área parecia que ele estava brincando na casa dele, E pus ele pra jogar com 17 anos. Depois de seis meses no Brasileiro ele foi vendido por 19 milhões de dólares

UOL Esporte:  O São Paulo atual tem muito problema de expulsão...

Muricy Ramalho: O São Paulo é intranquilidade. Jogador que não está tranquilo faz coisa que não deve. É igual palestra motivacional. Quem dá é o treinador, e treinador não é preparado para isso, para mexer com cabeça do ser humano. Jogador entra pilhado por causa do técnico, ele entra enlouquecido. Não existe isso. Tem que entrar em campo sabendo o que vai fazer e só. Eu não faço e não gosto. A não ser que vá um psicólogo conversar. Não acredito nisso, é uma grande mentira. Não funciona. Não mexe porra nenhuma, isso é lenda. Eu fui jogador. Esse negócio de colocar a vovó falando, a filha falando, não funciona. Já vi jogador chorar vendo a filha, o cara chora na preleção, no vestiário, e arrebenta o cara, perde o cara. Ele vai para campo que nem doido.

UOL Esporte:  Você fala muito com o Rogério Ceni?

Muricy Ramalho: Eu falo com ele em ocasiões especiais, no aniversário dele, no meu aniversário, quando ele ganha título eu mandei parabéns. A gente se respeita muito, tivemos coisas que marcaram nossas carreiras, começamos muito juntos. Eu fui o cara que deixei ele bater a primeira falta. Ele me deu algumas camisas de jogos especiais dele no clube. De vez em quando a gente fala assim. A gente tem esse respeito. Lá tem técnico, então é difícil. Minha proximidade com o clube é muito grande. Agora fico sem ligar para ele um tempão. Quando o Ney saiu nós conversamos. Mas agora fica chato, ele é importante para o time, eu sou técnico que não está trabalhando lá.

UOL Esporte:  E ele fala em aposentadoria?

Muricy Ramalho: Ele nunca falou de aposentadoria. Nunca vi. Ele se cuida até acima da média, é por isso que está durando. Ele é muito consciente. Eu vejo na imprensa que esse é o último. Mas ele não fala claramente, nunca vi. Ele é diferente, faz contas...Todo jogador que chega no São Paulo, o primeiro que ele olha é o Rogério. O cara treina para caramba, é o primeiro a chegar e último a sair. O cara vê que não dá para fazer coisa errada. Agora, acho que o que pode abatê-lo são vaias. Ele é maior ídolo da história do clube e a torcida pode machucá-lo. Com o Telê foi assim. Um dia ele foi vaiado e ficou até 23h30 no Morumbi, chateado. Os grandes ídolos só decidem abandonar quando são vaiados pela torcida que adora eles.