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Após bater público do Brasileirão, liga dos EUA prevê superar europeus em 10 anos

BBVA Stadium, do Houston Dynamo: crescimento de 18,77% na média de público - Divulgação/MLS
BBVA Stadium, do Houston Dynamo: crescimento de 18,77% na média de público Imagem: Divulgação/MLS

Francisco De Laurentiis

Do UOL, em São Paulo

14/03/2013 06h00

A fama que os norte-americanos têm é de que eles nem sabem que o futebol existe, tanto que chamam o esporte de soccer, diferente do restante do mundo. Não poderia haver mentira maior. Crescendo a cada ano, a MLS (Major League Soccer), liga dos Estados Unidos e do Canadá, vem lotando estádios e já viu sua média de público atropelar a do Brasil, o "país do futebol".

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Enquanto o último Campeonato Brasileiro teve 12.983 torcedores por jogo em média nos estádios, a MLS encheu seus campos com 18.807 fãs por duelo, batendo pelo segundo ano seguido seu recorde de público e tornando-se a sétima maior liga de futebol do mundo em média de público - fica atrás de Alemanha, Inglaterra, Espanha, Itália, Argentina e México.

Boa parte disso se deve ao sucesso da "experiência Beckham". O jogador atuou por cinco anos no Los Angeles Galaxy, da Califórnia, período em que a liga experimentou crescimento de público e renda vindo dos meios de comunicação.

Segundo estudos da MLS, o campeonato vai se tornar uma das maiores ligas de futebol do mundo até 2022, deixando torneios tradicionais, como os do Brasil e da Itália, para trás. Em entrevista ao UOL Esporte, o vice-presidente da MLS, Dan Courtemanche, aposta nessa visão.

"Nosso objetivo é que a MLS seja uma das maiores ligas do mundo até 2022. Isso será definido por quatro fatores: o futebol apresentado em campo, a assiduidade dos torcedores, a importância dos nossos clubes no mercado internacional e também o valor de mercado deles. Não temos dúvida que continuaremos a crescer nessas áreas nos próximos anos", afirma.

Nosso objetivo é que a MLS seja uma das maiores ligas do mundo até 2022

Dan Courtemanche, vice-presidente da MLS

"Para chegar a essa meta, vamos trabalhar como nunca trabalhamos antes. Queremos ser líderes e referência mundial. Uma liga que seja a casa de grandes jogadores, com times competitivos e de renome, além de torcedores apaixonados", completa o cartola. Na liga, os ingressos custam entre US$ 15 e US$ 80 (aproximadamente R$ 30 a R$ 160), valores não muito diferentes dos praticados no Brasil.

"Muitos fatores contribuíram para nosso crescimento, além da chegada de estrelas como Thierry Henry e Robbie Keane. Temos que dar crédito às cinco redes de televisão que nos transmitem, além dos donos dos times, que investiram em estádios fantásticos. Mas o que mais chama a atenção é a paixão de nossos fãs. Times como Seattle, Portland, Philadelphia e Kansas City têm atmosferas nos estádios semelhantes às da América Latina e da Europa", destaca Courtemanche.

Não à toa, a MLS tem testemunhado um novo tipo de torcida, muito conhecido na América do Sul e na Europa: as organizadas. Isso se deve muito à grande presença de torcedores de origem latina nos campos, principalmente nos times do sul dos Estados Unidos, como o Houston Dynamo. 

TEMPORADA 2013 COMEÇOU COM PÚBLICO ENCHENDO OS ESTÁDIOS

  • Bob Levey/Getty Images

    Jogo entre Houston Dynamo (laraja) e DC United abriu a temporada da MLS com 20.019 torcedores

Além disso, o vice-presidente da Liga também ressalta a alta presença feminina nos campos de soccer: Segundo Dan Courtemanche, a proporção na maioria dos times é de quase 50% de mulheres.

MAIOR QUE A NBA

Com estádios modernos e virando casa de cada vez mais jogadores de renome, a MLS teve sua média de público turbinada principalmente por dois times: o Seattle Sounders (43.144 torcedores/jogo, com 95,34% de ocupação do estádio) e o Portland Timbers (20.438 torcedores/jogo, com 100% de ocupação). No Brasil, apenas Corinthians, São Paulo e Grêmio tiveram mais de 20 mil torcedores por jogo durante o último Brasileirão.

Times como o Sounders e o Timbers, inclusive, nem vendem ingressos nas bilheterias dos estádios. Os times só negociam carnês para toda a temporada, e há lista de espera para adquirir.

"Bons estádios certamente fizeram toda a diferença"

Grant Wahl, editor da Sports Illustrated

"Há muitos motivos para o crescimento da liga: boa organização, plano de crescimento a longo prazo, contratação de jogadores de renome, investimento em categorias de base e construção de bons estádios certamente fizeram toda a diferença", opina Grant Wahl, editor de futebol da revista Sports Illustrated, ao UOL Esporte.

O público do futebol nos Estados Unidos, inclusive, já é maior até do que o da NBA (17.274 torcedores/jogo) e da NHL (17.455 torcedores/jogo), com a ressalva, é claro, de que as arenas que abrigam basquete e hóquei no gelo são menores que os estádios de soccer. A meta agora é passar a MLB (beisebol, com 30.895 torcedores/jogo) e, quem sabe um dia, a NFL (futebol americano; 64.698 torcedores/jogo).

Indo bem nas arquibancadas, a MLS agora tenta dominar a TV esportiva dos Estados Unidos e do Canadá, onde ainda não tem grandes índices. Os jogos desta temporada serão transmitidos pela ESPN, pela NBC e pela Univision nos EUA, e pela TSN e RDS (em francês), no Canadá. Além disso, os duelos também poderão ser vistos na internet, nos sites mlssoccer.com e www.futbolmls.com.

SEATTLE SOUNDERS TEM MÉDIA DE GIGANTE EUROPEU NA MLS

  • Kevin Casey/Getty Images

    Time do noroeste tem média de 43.144 torcedores por jogo e enfrenta espera por ingressos

"Para crescer ainda mais, a MLS terá que aumentar seu teto salarial até 2022, e a liga irá precisar do dinheiro da televisão para fazer isso. O problema é que as audiências ainda não são tão imponentes quanto às dos outros esportes", afirma Wahl.

DICAS PARA O BRASIL

Crescendo de maneira acelerada, a MLS diz já ter o que ensinar ao Brasil, que vê, ano a ano, cair ou ficar estagnada a média de público de seus principais campeonatos de futebol. Com uma média de público de 19.404 torcedores/jogo na última temporada, além de um crescimento de 8,9% na ocupação do estádio, o vice-presidente do Kansas City Sporting, Rob Thomson, ensina aos times brasileiros como reconquistar o torcedor.

"O primordial é ter muito preocupação com as finanças, que devem estar sempre em dia. A partir daí, você tem que traçar planos de crescimento com diversos prazos: um ano, três anos, cinco anos e dez anos. Durante esse período, o dono do clube deve pesquisar quem é o seu público, traçar um perfil de sua torcida, e assim trabalhar para formar uma aliança forte entre time e torcida. Os jogadores contratados, por exemplo, devem ser do perfil esperado pelo público", explica Thomson, ao UOL Esporte.

"Além disso, é primordial que seja feito investimento em categorias de base, para formar atletas identificados com o clube e economizar nas contratações. O time também deve usar bem seus recursos vindos da TV, das bilheterias, dos naming rights do estádio, e também ter bons profissionais no marketing. Boas campanhas são essenciais hoje em dia", ensina.

A construção de estádios modernos, financiados tanto por dinheiro público quanto pela iniciativa privada, também é apontado como um fator que convenceu o norte-americano a ir para as arquibancadas e se apaixonar pelo soccer. Desde a primeira temporada da MLS, em 1996, apenas um campo ainda está sendo usado: o Robert F. Kennedy, do DC United.

PORTLAND TIMBERS TEM TORCIDA FANÁTICA E MASCOTE FANFARRÃO

  • Steve Dykes/Getty Images

    Timber Joey, o lenhador, agita torcida do Portland Timbers; em 2012, time teve 20.674 torcedores/jogo

"Foi uma combinação de muitas coisas que nos fez crescer, mas os estádios espetaculares que construímos foram essenciais. Eles foram feitos especificamente para futebol, e nos ajudam muito a entregar um bom espetáculo para os torcedores", aponta ao UOL Esporte Chris Canetti, presidente do Houston Dynamo, time que teve 21.015 torcedores/jogo na última temporada, com 95,35% de ocupação do estádio - além de um crescimento de 18,77% na média de público.

"O Sporting Kansas City construiu um dos melhores estádios do mundo, e com isso conseguimos atrair muitos novos torcedores. Além das crianças, focamos no público universitário, que inclusive é quem também mais compra nossos produtos. Também usamos muito as redes sociais e tentamos ser transparentes ao máximo com a torcida, sempre pedindo a ajuda deles em qualquer decisão importante do clube. Com isso, conseguimos formar uma das legiões de torcedores mais fanáticas da MLS", relata Rob Thomson.

TALENTO BRASILEIRO X EQUILÍBRIO AMERICANO

Quanto ao nível técnico, os norte-americanos reconhecem o talento brasileiro, mas veem a MLS como um produto mais interessante do que o Campeonato Brasileiro. Nos EUA, o futebol segue o lema do "any given sunday", ou seja: "num domingo qualquer, meu time pode ganhar do seu".

ISTO É A MLS

  • 19

    times

    são divididos em duas Conferências

  • 10

    times

    se classificam aos playoffs do torneio, cinco de cada Conferência

  • 18.807

    torcedores/jogo

    foi a média da temporada 2012

  • US$15 a 80

    em média

    é o preço dos ingressos da MLS

  • 7

    meses

    dura a temporada: de março a outubro, quando ocorre a final

    "O Brasil tem excelentes times, é inegável, mas o Brasileiro sempre é decidida entre dois, três times, enquanto o resto faz figuração. Na MLS, há equilíbrio total do topo ao final da tabela, com um equilíbrio muito maior. Isso torna o campeonato mais interessante, e, por consequência, atrai mais público", diz Rob Thomson, do Sporting Kansas City, que foi até as semifinais da última edição do torneio.

    Apesar de estar investindo em jogadores talentosos, inclusive em brasileiros, como o zagueiro Júlio César, ex-Real Madrid e Milan (atualmente no Toronto FC, do Canadá) e no meia Felipe Martins, autor de dez assistências na última temporada, os americanos reconhecem que o Brasil, ao menos no campo técnico, está à frente dos Estados Unidos.

    "Eu acompanho o futebol brasileiro há muitos anos, tanto seleção quanto clubes, e vejo que, no campo financeiro, os times brasileiros tiveram um crescimento impressionante, contratando muitos jogadores caros e de qualidade. Também vejo que há muito mais talento no Brasil do que na América do Norte, e, por isso, vejo o Brasileirão à frente da MLS nesse aspecto", diz o jornalista Grant Wahl.

    A tendência, porém, é que a MLS seja mais completa que o Brasileirão, segundo os norte-americanos: "Acredito mesmo que seremos uma das maiores ligas do mundo até 2022. Só temos que continuar no mesmo caminho, fazendo as coisas certas e corrigindo as erradas. Dessa forma, vamos experimentar crescimento em todas as áreas, como média de público e também qualidade do futebol, e assim vamos expandir nossa torcida e o interesse que os estrangeiros têm pelo nosso campeonato", diz o presidente do Houston Dynamo, Chris Canetti.

    "Estamos entrando em nossa 18ª temporada, e somos uma 'criança' perto das outras ligas esportivas dos EUA. Mas estamos experimentando um crescimento acelerado nas médias de público, já batemos até NBA e NHL nesse quesito. E vamos continuar crescendo", promete Rob Thomson, do Kansas City.