UOL Esporte Futebol
 
16/04/2011 - 07h01

Especialistas atacam calendário com jogadoras santistas e criticam 'mulher objeto'

Alexandre Sinato
Em São Paulo

Vinte e seis mulheres de biquíni em poses sensuais. Tímidas, elas encararam sessões de fotos e filmagens sem saber como agir. As jogadoras do Santos viveram momentos de modelo ao protagonizar um calendário produzido pelo clube. O projeto rendeu fotos bem trabalhadas, mas também levantou algumas questões. Para especialistas, a exploração da imagem das atletas com pouca roupa desvaloriza o trabalho delas em campo e reforça o rótulo de “mulher objeto”.

As jogadoras fizeram as fotos sensuais no início do mês. Nesta semana, elas desfilaram de biquíni no lançamento do calendário e, mais uma vez, assumiram o papel de modelos.

Com poucas exceções, as santistas se mostraram inibidas diante das lentes. Ficaram envergonhadas nas poses mais ousadas. Em algumas fotos, usaram apenas a parte de baixo do biquíni em cenas bastante sensuais. Aos poucos, as atletas se soltaram.

“Fiquei triste. Que o comportamento machista ainda seja comum na nossa sociedade é de se esperar, mas que as mulheres continuem a se submeter a ele como coisa normal e sem problemas, não. As fotos exploram o apelo sexual que o corpo feminino faz aos homens e não suas qualidades enquanto atletas”, opinou Dulce Critelli, professora de filosofia da PUC-SP e coordenadora do Existentia - Centro de Orientação e Estudos da Condição Humana.

JOGADORAS ABRAÇARAM A IDEIA, DIZ GERENTE DE MARKETING DO SANTOS

  • Santos/Divulgação

    Segundo o gerente de marketing do Santos, Armênio Neto, a ideia do calendário (vendido a R$ 20 nos canais oficiais do clube) era antiga. A novidade foi a participação das jogadoras.

    "Já queríamos fazer um calendário de abril a abril para comemorar o centenário do clube [em 2012]. Lembramos daqueles calendários com fotos super bonitas, com mulheres, e pensamos: 'vamos turbinar as meninas e mostrar esse outro lado delas'", explicou.

    Armênio diz que a reação das jogadoras diante do convite foi mais positiva do que o esperado.

    "Elas ficaram muito empolgadas. Elas têm o corpo bonito e são vaidosas. Não sabíamos qual seria a reação delas e imaginamos que a maioria não ia querer, mas a maioria quis e abraçou a ideia".

Segundo Dulce, as jogadoras avaliaram mal o projeto. “Concessões como esta apenas mantêm as mulheres no mesmo lugar em que sempre estiveram. Se a estratégia que as jogadoras pensaram em usar foi a de aparecer como objeto sexual para depois se apresentarem como atletas, elas pegaram o caminho errado.”

Para Lola Aronovich, professora de literatura da Universidade Federal do Ceará e autora de um dos maiores blogs feministas do Brasil (www.escrevalolaescreva.blogspot.com), as jogadoras usaram o apelo sensual porque não conseguem o mesmo espaço de outra forma.

“É óbvio que elas estão buscando promoção para terem chance da sua modalidade sobreviver no Brasil. Não são elas que devem ser criticadas, e sim um padrão da mídia que raramente combate preconceitos e frequentemente os reforça”, apontou Lola.

“Uma das justificativas do lançamento do calendário é combater o preconceito de que jogadora de futebol é masculinizada. Infelizmente, a mídia não abre espaço para essas jogadoras falarem sobre isso. O meio que lhes resta para conseguir espaço é tirar a roupa. Isso não é dar-lhes voz. Ou melhor, é a ‘voz’ que a mídia está acostumada a dar às mulheres”, acrescentou a feminista.

Psicólogo e pesquisador do Nupsex (Núcleo de Pesquisa em Sexualidade e Relações de Gênero) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Ângelo Brandelli Costa afirma que o calendário é positivo para que as jogadoras “tenham outras experiências com seu corpo”, mas também faz uma ressalva.

“Por outro lado, o calendário é negativo, já que reforça que no Brasil o futebol feminino só ganha visibilidade na mídia quando as jogadoras  figuram em papeis tradicionais de gênero. É como se o futebol feminino só pudesse existir com jogadoras atraentes, sem levar em conta que o futebol masculino não existe somente graças a David Beckham, Cristiano Ronaldo e Kaká”, argumentou Ângelo.

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