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Concha acústica do Pacaembu ganha frase para campeões e queima de fogos

Concha acústica do Pacaembu ganha frase para campeões e queima de fogos

30/06/2008 - 07h55

Heróis mundiais desembarcam na maior festa já vista no país

Do UOL Esporte
Em São Paulo*
Apesar do céu nublado, São Paulo amanheceu alegre como nunca. Houve trabalho apressado até o meio-dia, e depois a metrópole laboriosa, trepidante e enérgica, de 3 milhões de pessoas, parou, ansiosa, em feriado espontâneo, à espera do avião que traria os campeões mundiais de futebol.

O percurso de Congonhas ao Pacaembu, por uma sucessão de vias totalizando 17 quilômetros. Nas janelas dos edifícios apinhava-se gente. Só a tardezinha o cortejo saiu de Congonhas e foi saudado por mais de um milhão de criaturas felizes.

Foguetes, bombas, balões, chuvas de papel picado, fantasias, dança nas ruas, bandas de música e cordões. Tudo para aclamar os jovens que, com faro, perícia e disciplina, fizeram pela primeira vez, o Brasil campeão mundial de futebol.

Antes da chegada do avião que conduzia os jogadores, a grande massa humana compacta permaneceu na expectativa e, a cada anuncio da chegada do "Constelation", todos se comprimiam.

Entre os presentes estava dona Cecília Ramos de Miranda, esposa do médio Zito: "Infelizmente não pude ir até o Rio de Janeiro para abraçar meu marido. Estou ansiosa por revê-lo e cumprimentá-lo afinal conquistou tão brilhantemente a taça Jules Rimet".

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Outra figura no aeroporto era Flávio Costa, atual técnico da Portuguesa e comandante da seleção que se sagrou vice-campeã mundial em 1950. "Não poderia deixar de comparecer ao desembarque dos craques. Foi um triunfo espetacular da alta categoria de nosso futebol." Sobre Djalma Santos, seu pupilo na Lusa, acrescentou: "Ele teve a felicidade de ser lançado na última partida e contribuir decisivamente para a conquista, a ponto de ser incluído na seleção do certame."

Tão logo o avião pousou, populares invadiram a pista. Generalizou-se a confusão. Somente após muito trabalho dos policiais, que chegaram a empregar violência, foi possível o desembarque dos jogadores, com o Sr. Paulo Machado de Carvalho à frente, conduzindo a taça Jules Rimet.

O primeiro entrevistado foi Oreco, que não teve oportunidade no time titular. O lateral corintiano palestrava sobre a maneira de seguir para a própria residência, quando foi abordado. "Um fator capital para o sucesso da seleção brasileira foi a orientação muito boa que tiveram os jogadores.", destacou o papel da comissão técnica liderada por Vicente Feola.

No mesmo carro de bombeiros em que se entrava Oreco, tomou lugar o preparador físico da seleção, Paulo Amaral: "Foram eles os verdadeiros heróis da batalha." O terceiro integrante do veículo era o médio Zózimo, outro valor que não chegou a jogar na Suécia. O banguense, lacônico em suas declarações, voltou rapidamente a atender aos pedidos de autógrafo: "Logramos a conquista da tão ambiciosa taça."

Em outro carro estavam os médios Orlando e Dino, satisfeitos e recebendo o carinho que o imenso público. Perto dali estava Djalma Santos, que jogou somente na decisão e o fez com grande classe, merecendo amplos elogios da crônica internacional. "A vitória é de todos, e todos estamos jubilosos com o triunfo", declarou.

O último que conseguimos ouvir foi o capitão Bellini, assim mesmo somente por alguns instantes: "As partidas foram lutadas, e os adversários grandemente interessados na vitória. Nossa fibra, entretanto, foi magnífica."

O que se viu depois foi a maior festa popular já registrada em São Paulo. Uma alucinação coletiva. Um brado uníssono. Pelos ares, um verdadeiro tiroteio de entusiasmo espoucou. Formidáveis avalanches humanas se precipitavam sobre os carros que conduziam os jogadores. Aqui e acolá, carros alegóricos vinham dos bairros.

O AVIÃO ATRASA

A hora aprazada para chegada, já se notavam manifestações de ansiedade incontida, tanto por parte da enorme massa humana postada na área fronteira do aeroporto, como também na área de operações onde se encontravam as autoridades. Esta última, tomada ainda por complicados aparelhos de transmissão pertencentes a todas as emissoras de rádio e televisão, desde possantes veículos especiais de transmissão externa até às câmeras de televisão e de filmagem.

Fotógrafos e jornalistas circulavam por entre as autoridades, que comentavam a expectativa. A cada avião de grande porte que se aproximava de Congonhas, ouvia-se um brado uníssono percorrendo a multidão.

Os relógios marcavam 16h25, quando o "Constellation" da Panair aterrissou em Congonhas. Imediatamente romperam-se os cordões de isolamento e uma parte da massa humana postada na pista somou-se às autoridades, numa sôfrega disputa por um lugar à porta do aparelho. Feito o "táxi", o avião e à sua porta assomaram o capitão da equipe nacional e o chefe da delegação, empunhando o cobiçado troféu Jules Rimet.

O povo explodiu em vivas e gritos, enquanto que a escada não podia ser encostada à porta do avião, por falta de uma brecha. Somente depois de cinco minutos é que ela foi colocada junto ao aparelho e, nesse mesmo instante, antes que os craques conseguissem descer, um grupo escapado à força da contenção da guarda invadiu-a, rumando para a porta do aparelho.

NOS OMBROS DO POVO

Afinal, a muito custo, conseguiram descer os jogadores e os membros da delegação até o carro de bombeiros estacionado na pista. Muitos foram levados nos braços do povo. Mais de quinze minutos foram necessários para que os jogadores chegassem aos seus lugares nas diversas viaturas do Corpo de Bombeiros, engalanadas, que os transportariam pelas ruas da cidade.

Não se divisava mais nenhum jogador dentro do avião, e a multidão não deixava as proximidades da escada, à espera dos craques que não haviam descido, ainda. Esclareceu-se, depois, que diversos jogadores não haviam vindo para São Paulo, Castilho, Nilton Santos, Joel, Garrincha, Didi, Moacir e Dida haviam permanecido na Capital da República. Os outros jogadores cariocas (Bellini, Orlando, Zózimo, Vavá e Zagalo) já se achavam alojados nos carros de bombeiros.

Em São Paulo o que se viu foram cenas parecidas com as testemunhadas no dia anterior na capital do país, onde o povo se apinhou desde cedo do aeroporto do Galeão até o palácio do Catete. Antes ainda houve festa na passagem dos heróis nacionais em Recife e Lisboa.

Em um Rio enlouquecido, o comércio cerrou as portas ao meio-dia, e as repartições públicas tiveram facultativo o ponto. A impaciência dos foliões cariocas só se acalmou com aeronave, escoltada por uma quadrilha de caças a jato da FAB, sobrevoando a cidade.

E este virou um país empunhando bandeirolas que ondulam em um vento verde-amarelo.

* Texto baseado nas reportagens publicadas pelo jornal "Folha da Manhã" nos dias 3 e 4 de julho de 1958

Hospedagem: UOL Host