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Garrincha e Mazzola escutam música em toca-disco portátil na concentração

Garrincha e Mazzola escutam música em toca-disco portátil na concentração

27/06/2008 - 07h56

Com 'coração verde-amarelo', Mazzola luta para apagar rótulo de traidor

Rodrigo Farah
Em São Paulo
Mazzola é lembrado por muitos como o jogador que traiu o Brasil depois de ser campeão do mundo para se 'exilar' na Itália. É justamente essa imagem que o piracicabano José João Altafini, como é chamado, tenta apagar atualmente. Depois de uma carreira vitoriosa com a seleção canarinho e com a Azzurra, ele destaca com veemência que seu coração sempre foi e sempre será "verde-amarelo".

Após atuar pelo Palmeiras por dois anos, Mazzola foi chamado para defender a seleção brasileira em 1958. Mesmo com 19 anos, foi titular e teve ótimo desempenho na estréia da Copa do Mundo: ele deixou o campo como o destaque da seleção depois de marcar dois gols na vitória por 3 a 0 sobre a Áustria. A atuação, no entanto, não foi suficiente para mantê-lo no time, e o técnico Feola decidiu tirá-lo da equipe para a entrada de Vavá, titular na reta final do torneio.

Logo após retornar do Mundial, Mazzola acertou sua transferência para o Milan. Pouco tempo depois, virou ídolo por lá e aceitou o convite para defender a seleção italiana na Copa do Mundo de 1962. Enquanto isso, no Brasil, ele foi massacrado pela imprensa em uma reação que recorda com grande rancor: "Quem defende outra seleção não é um traidor", esbravejou.

Depois de passar por anos de glórias na Itália e se tornar o terceiro maior artilheiro da história do Campeonato Italiano (ao lado de Giuseppe Meazza) com 216 gols, Mazzola vive dias de tranqüilidade como comentarista no país. A trabalho, o ex-jogador presenciou ao vivo a Eurocopa na Austría e Suíça, de onde concedeu por telefone a entrevista ao UOL Esporte. Mesmo com as visitas anuais ao Brasil, Altafini fala com saudades da época que vestia a camisa canarinha e do grupo que abriu o caminho de títulos da seleção mais vitoriosa do mundo.

Confira os principais trechos da entrevista:

UOL Esporte - Como a seleção brasileira deixou o país antes da Copa do Mundo? Quais eram as expectativas e como era a pressão sobre o elenco na época?
Mazzola:
O Brasil estava completamente desacreditado. Depois da triste derrota em 50 e depois de perder em 54, ninguém levava fé no nosso time. Como tinham poucos meios de comunicação na época, isso prejudicava ainda mais, pois o interesse da população não era o mesmo antes da Copa. Quando viram o grupo em que estávamos, com Inglaterra, União Soviética e Áustria, todos no país acreditaram menos ainda na seleção. Era o "grupo da morte".

UOL Esporte - Os jogadores se viam como favoritos ao título? Quando perceberam que iam faturar o Mundial?
Mazzola:
Não posso dizer que antes da Copa nós acreditávamos que seríamos os campeões. Estávamos desiludidos e até com uma pressão baixa, pois ninguém esperava muito de nós. Depois de empatar com a Inglaterra, achávamos que ia ser mais difícil. Mas logo depois ganhamos da União Soviética e percebemos que podíamos ir até o fim. Foi ali que soubemos que seríamos os campeões.

UOL Esporte - O senhor era um dos mais novos do grupo brasileiro, com apenas 19 anos. Quem eram seus melhores amigos no elenco?
Mazzola:
Todos eram amigos no grupo. Era um ambiente alegre e, por mais difícil que seja de acreditar, ninguém tinha problema com ninguém lá dentro. Como tinha apenas 19 anos, ficava perto dos mais novos, como o Pelé, que tinha 17. Mesmo assim, todos eram unidos. O Djalma Santos era um grande amigo também, e sempre ouvia muito o Nilton Santos, muito mais experiente.

UOL Esporte - Como o senhor se sentiu depois de perder a vaga entre os titulares mesmo fazendo dois gols na estréia contra a Áustria?
Mazzola:
Sou uma pessoa com pés no chão. Depois de fazer os dois gols, estava satisfeito com o que estava rendendo. Na verdade, acabei torcendo o tornozelo e não estava 100% para jogar. Não era tão fácil se recuperar como hoje. Por isso, não joguei tão bem com a Inglaterra e depois do empate o Feola precisou revisar o time. Por isso ele colocou o Vavá.

Voltei a jogar contra o País de Gales e acho que foi minha melhor atuação. Fiz um gol de bicicleta muito bonito, que foi anulado pelo juiz de maneira errada. Apesar disso, fui o primeiro a considerar que o Vavá estava com condições melhores e era mais experiente. Ele entrou muito bem e isso foi fundamental para a conquista da Copa do Mundo. Quem poderia garantir que se eu continuasse o Brasil seria campeão?

UOL Esporte - Depois de se transferir para o Milan, o senhor virou ídolo na Itália, mas também já era um ídolo no Brasil. Por que se naturalizou italiano?
Mazzola:
Nessa época, eu recebi muitas críticas de todos os lados. Hoje gostaria de perguntar àqueles jornalistas o que eles acham desse monte de brasileiros que atuam por outras seleções. Hoje em dia essa prática é comum e os jogadores não são massacrados como eu fui. Quem defende outra seleção não é um traidor. Eu sou brasileiro e meu coração é verde-amarelo. Não é por ter outro passaporte que não sou brasileiro.

UOL Esporte - E quando o Brasil enfrenta a Itália, de que lado fica?
Mazzola:
Torço pelo Brasil sempre e todos na Itália sabem disso. Estava comentando a final da Copa do Mundo nos Estados Unidos e todos viram como eu comemorei a vitória nos pênaltis. Foi algo inesquecível.

UOL Esporte - Depois de conquistar o título na Suécia, os jogadores brasileiros viraram heróis. Qual foi melhor coisa que aconteceu com o senhor em seu retorno ao país?
Mazzola:
Nossa conquista foi parecida com o que fizeram os bandeirantes no interior do Brasil. Nós abrimos as portas para todos os mundiais vencidos pelo país. A festa da chegada foi algo emocionante. Desde quando nos aproximamos da costa, vieram aviões da Força Aérea nos escoltar. Mas na verdade a festa começou em Portugal, nossa primeira escala da volta. Demos volta no estádio em Lisboa e fomos muito celebrados. Depois, fomos para Recife e Rio de Janeiro. Isso sem falar que todos os jogadores foram homenageados em suas cidades, o que depois virou comum.

UOL Esporte - Daquela época, alguns jogadores já morreram e outros estão com a saúde debilitada. Como o senhor sente essas ausências e quais lembranças guarda daquele grupo?
Mazzola:
Fico em uma tristeza só por causa disso. Justamente no outro dia estava pensando em como vejo pouco meus ex-companheiros. Alguns deles é até mais fácil de ver. Já outros, é mais difícil. Como moro na Itália complica mais ainda. O Pelé, por exemplo, que eu via freqüentemente, não vejo há alguns anos.

UOL Esporte - Antes de ir para a Itália, o senhor teve uma grande fase no Palmeiras. Que lembranças guarda do clube? Ainda acompanha o time?
Mazzola:
Meu coração é verde. Minha passagem pelo Palmeiras foi curta, mas foi muito marcante. Queria ter jogado mais pelo time, pois me dá muita emoção lembrar essa época. Tive uma identificação muito boa com a torcida e é até engraçado. Fiquei surpreso com isso já que não fiquei muito tempo por lá. Continuo seguindo o Palmeiras. Vi que eles ganharam o Paulista com o Luxemburgo e fiquei muito contente.

UOL Esporte - O que acha da atual seleção brasileira? Além do preparo físico, quais são as diferenças do time de 58 para o atual?
Mazzola:
Hoje em dia os jogadores da seleção são verdadeiros atletas, têm mais tecnologia e melhor alimentação. O futebol evoluiu por ser mais rápido. Mas se o Pelé jogasse hoje faria misérias no campo ainda. Mesmo com a situação delicada do Brasil no momento, acredito que o time tem jogadores espetaculares da mesma forma como tínhamos na época. Temos o Kaká, o Ronaldinho, o Adriano e o Pato, que já mostrou do que é capaz na Itália. Acredito que time pode ser até mesmo comparado ao nosso e ao de 70.

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