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Garrincha e Djalma Santos abraçam Pelé após gol durante a Copa da Suécia

Garrincha e Djalma Santos abraçam Pelé após gol durante a Copa da Suécia

26/06/2008 - 07h32

Garrincha só dá paz na concentração quando fica na reserva

Rodrigo Bertolotto
Em São Paulo
Ele contava com 24 anos, mas parecia que tinha dez a menos, tantas eram suas brincadeiras com os companheiros de delegação e suas travessuras nas cercanias da concentração sueca. Só mesmo a reserva nos dois primeiros jogos da Copa de 1958 para acalmá-lo um pouco. Mas a saída da lista dos titulares não tinha nada a ver com o comportamento fora dele.

Além de colocar apelido nos colegas (Bellini era "Marta Rocha"; Zagallo, "Caspinha"; Castilho, "Boris Karloff"; e Zito era "Chulé"), Garrincha vivia o dia inteiro pegando e soltando as pessoas, gritando "teje preso" e "teje solto".

"O Garrincha era um garotão. Tinha uma mentalidade de alguém de 14 anos. Só queria brincadeira. Brigavam com ele, mas ele estava pouco ligando", lembra Zagallo sobre o colega de seleção e Botafogo.

As peraltices do ponta eram maiores no bosque e lago no entorno da concentração, localizada na cidade Hindas, perto de Gotemburgo. Seu comportamento era de um adolescente no cio.

"Não passava mulher nenhuma que ele perdoasse, nem freira", brinca Pepe. E Zagallo reforça: "Ele era um atirado com as mulheres, para ele tudo estava bom."

Escaldados pelos excessos das Copas de 1950 e 1954, a missão nacional criou um regulamento disciplinar com 40 itens, que os jogadores tiveram que ler e assinar. Entre eles, estava só tomar o café da manhã já barbeado. Outro: nada de andar de cueca, toalha, pijama ou sandália pelos corredores do hotel.

A maioria dessas regras, porém, foi driblada por Garrincha. Portando o uniforme de viagem da seleção, não se podia fumar ou usar outros adereços do enxoval oficial. Pois uma foto clássica mostra Garrincha de cigarro em uma mão e chapéu na cabeça (um presente para seu amigo que não entrava na bagagem).

As restrições para evitar o contato com as liberais jovens suecas também eram fortes. As 28 empregadas do hotel Tourist foram trocadas por funcionários homens. As escapadas, só na folga, ou seja, nos dias posteriores aos jogos. Mas os jogadores se viravam para dar conta de tanta tentação, afinal, as jovenzinhas lançavam pedrinhas nas janelas para marcar encontros no bosque vizinho à concentração. Depois, elas até apresentavam a família, com direito a sessão de sauna com toda a parentela.

Pelé foi abordado por uma. Didi se aventurou com outra no lago, mas o affair acabou com o barco virando e a moça tendo de levá-lo até a margem (ele não sabia nadar). Muitas nunca tinham visto um negro na vida. Por isso, os mais assediados eram Zózimo, Moacir, Didi, Djalma Santos e Pelé. Mas o mestiço Garrincha não ficou para trás, principalmente, na horinha livre entre o jantar e a ida para o quarto.

O mais curioso é que, apesar do rigor da delegação, o hotel escolhido ficava próximo a uma ilha de nudismo que no verão europeu virava uma colônia de acampamento para celebrar a liberdade sexual dos suecos, na qual virgindade, por exemplo, não era tão valorizada como no Brasil pré-revolução sexual dos anos 60.

Os jogadores brasileiros chegaram até a comprar binóculos para poder avistar as loiras altas em pêlo nos acampamentos de verão onde ficava pública a liberdade sexual da Suécia.

Além dos binóculos, Garrincha comprou um rádio que ficaria famoso por uma anedota, desta vez contada por Pepe: "O Mário Américo, massagista, chegou para ele e disse: porque você vai levar para o Brasil um rádio que só fala sueco? Resultado, o Garrincha revendeu o rádio de 60 dólares para o Mário por 30." Mesmo com esse episódio, Pepe desmente a idéia de que Garrincha era dotado de pouca inteligência. "O Garrincha era bem inteligente, mas uma pessoa simples, humilde."

O alvoroço de Garrincha na concentração só diminuiu quando ficou sabendo que Joel entraria na ponta direita no jogo de estréia. Titular nos treinos durante toda a preparação, ele foi sacado contra a Áustria porque temia-se o meio-campo de quatro jogadores do rival. Um disciplinado e aplicado Joel foi escalado para compor o meio com Dino, Didi e Zagalo.

No segundo jogo, novamente Garrincha estava fora. Desta vez por outro motivo. A notícia que o lateral-esquerdo inglês Slater era desleal e tinha lesionado já dois rivais na temporada fez o técnico Vicente Feola tirá-lo de novo da equipe. Garrincha, porém, não entendeu a situação e chegou a pedir para ser dispensado. Mazzola confirma seu jeito de ser: "Garrincha era o mais direto de todos no grupo. Falava o que pensava e não se importava."

Tudo mudou de figura com a partida contra a URSS. Para enfrentar o chamado "futebol científico" dos soviéticos, de muito preparo físico e do ouro olímpico em 1956, entrariam Pelé e Garrincha.

O botafoguense foi logo mostrando seus dribles acrobáticos: com 25 segundos de jogo já tinha aplicado alguns deles nos marcadores Kuznetzov, Krijveski e Voinov, e mandado uma bola na trave. O Brasil ganhou por 2 a 0, com 18 chances de gol e Garrincha como o melhor em campo. "Eu estava com fome de bola", resumiu o ponta, que ganhou o bicho de US$ 50. No dia seguinte, os jornais de todo mundo se perguntavam como aquele jogador não tinha disputado os dois primeiros jogos, com títulos como "O melhor reserva do mundo".

Para as quartas-de-final, diante do País de Gales, o pai de Garrincha foi convidado para acompanhar o jogo no gabinete do presidente Juscelino Kubitschek. Conta-se que entrou com seu usual punhal na cintura e recusou o uísque oferecido. Depois do 1 a 0, seu Amaro festejou regado a cerveja na volta para a localidade de Pau Grande, distrito de Magé.

Frente a França, pelas semifinais, Garrincha driblou três para fazer o primeiro gol brasileiro na vitória por 5 a 2. Nesse jogo, sua vítima foi o defensor Lerond. Na decisão, a anfitriã Suécia abriu o placar, mas, graças a dois cruzamentos de Garrincha para Vavá, o Brasil virou e acabou vencedor com 5 a 2.

A volta triunfal teve escalas em Londres, Paris, Lisboa, e Recife antes de chegar ao Rio. Os familiares dos atletas foram arregimentados pela revista O Cruzeiro, que promoveu o desvio do cortejo para sua sede, onde seu Amaro tomou um pileque. Depois da festa oficial, Garrincha liderou uma caravana até Pau Grande, onde pagou a conta da bebida para toda a vizinhança e passou uma noite de bebedeira com os amigos Swing e Pincel. Já estava ali sua biografia de gols e goles.

Colaboraram Renan Prates e Rodrigo Farah

Hospedagem: UOL Host