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Cavadinha de Hakimi é símbolo da vitória dos imigrantes e da África na Copa

Sabiri comemora com Hakimi após a classificação de Marrocos às oitavas da Copa do Mundo - Shaun Botterill/Getty
Sabiri comemora com Hakimi após a classificação de Marrocos às oitavas da Copa do Mundo Imagem: Shaun Botterill/Getty

Rodrigo Mattos

Colunista do UOL, em Doha

07/12/2022 04h00

Classificação e Jogos

A cavadinha de Hakimi no último pênalti diante da Espanha gerou uma explosão no Estádio Education City que se irradiou por Marrocos, por capitais europeias e por toda a África. Era o triunfo do time zebra, da ex-colônia, do povo vivendo nos subúrbios do velho continente, de quem sofre preconceito.

A relação conflituosa entre Espanha e Marrocos sempre foi um pano de fundo para a partida, ainda que não fosse tratada diretamente pelos jogadores. Antes do jogo, redes sociais espanholas tinham uma hashtag incentivando "porrada nos mouros".

Lembremos que os mouros, muçulmanos, dominaram boa parte do território espanhol por séculos até serem expulsos em guerra sangrenta. E atualmente, com a migração, os marroquinos representam uma população significativa em capitais europeias, inclusive a Espanha. Não por acaso Hakimi, autor do último gol, é nascido em Madri, filho de faxineira. Preferiu jogar por Marrocos na Copa, o que gerou reações contrariadas europeias.

O time marroquino é também só o quarto país africano que chega às quartas de final da Copa. Uma nova classificação o tornará o único do continente na semifinal de um Mundial. O meia-atacante Sabiri, um dos batedores de pênalti, é outro exemplo da diáspora marroquina: foi para a Alemanha com três anos, nem fala francês praticado em Marrocos, mas se vê como africano e árabe.

"Claro, quando era jovem, eu assistia ao jogo Gana e Uruguai e torcia por Gana como se fosse meu país. Porque sei que é África. Os times europeus são os melhores, os africanos são sempre zebra. É como estamos nesse torneio, como zebra, estamos tentando ser os melhores", contou Sabiri.

O jogador, no entanto, não vê como importante o fato de a vitória ser contra a Espanha porque a realidade da diáspora marroquina se estende a todos os países da Europa. E ignora comentários racistas.

"Não faz diferença. Na Bélgica, há bastante gente. Basicamente, há marroquinos em todos os lugares. Na Alemanha, há muitos marroquinos", disse.

Exatamente por isso que as celebrações se estenderam por vários países. No vestiário, após a classificação, os jogadores ficaram assistindo a vídeos de comemorações pelo mundo.

"Claro, porque fizemos história. Futebol para Marrocos é incrível. Hoje, assistimos a vídeos da festa nas ruas, crianças, pessoas idosas. Fizemos pessoas felizes. Hoje, vimos o vídeo com todos os marroquinos festejando", descreveu o atacante Boufal.

A própria torcida dominante no estádio Education City explica-se pela migração marroquina. Há um grande número de pessoas com origem no país vivendo no Qatar. Na porta do estádio, houve confronto com o batalhão turco de policiais pelas tentativas desesperadas de invadir o estádio para assistir às oitavas de final.

Dentro, a arena estava tomada do vermelho, e não era o espanhol. Dos dois lados, no meio do campo, no primeiro, no segundo andar, os marroquinos eram maioria. E gritavam mais alto, eram organizados com cultura de estádio, com tambor, com coordenadores, uma arena inteira vaiando espanhóis a cada toque na bola.

Foi até curioso assistir à torcida europeia festejar que as cobranças de pênaltis seriam do lado que eles estavam para logo em seguida ver a torcida africana tomar o estádio de apupos a cada cobrança rival. O próprio técnico Luis Enrique admitiu que os torcedores marroquinos tiveram peso na disputa de pênaltis.

No momento derradeiro, Hakimi escolheu bater com uma cavadinha o último pênalti. Exatamente como o uruguaio Loco Abreu cobrou o penal que desclassificou Gana na Copa de 2010.