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Copa 2018

Efeito Ramadã? Seleções islâmicas vivem queda física no início da Copa

Giménez marcou, aos 44 minutos do segundo tempo, o gol da vitória uruguaia sobre o Egito - Darren Staples/Reuters
Giménez marcou, aos 44 minutos do segundo tempo, o gol da vitória uruguaia sobre o Egito
Imagem: Darren Staples/Reuters

Gabriel Carneiro

Do UOL, em São Paulo

16/06/2018 04h00

Os três gols marcados pela Rússia no segundo tempo da goleada por 5 a 0 sobre a Arábia Saudita e o gol do Uruguai para vencer o Egito por 1 a 0 sendo anotado aos 44 minutos do segundo tempo têm um ponto em comum: a queda física e o aumento da fragilidade defensiva destas seleções no fim das partidas. O que poderia ser visto como simples coincidência na verdade é compreendido pelas estatísticas da primeira rodada da Copa do Mundo e por um fator externo pouco destacado na preparação para o torneio: o Ramadã vivido pelas seleções predominantemente islâmicas entre 16 de maio e 14 de junho.

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Nono mês do calendário islâmico, o Ramadã orienta seus adeptos que façam jejum durante o dia, sendo permitida a alimentação antes de o sol nascer e após o pôr do sol. As fortes restrições na alimentação são vistas pela fé islâmica como uma espécie de auto-sacrifício com objetivo de purificação, mas têm consequências no desempenho físico de seus praticantes. O período de privação terminou no dia de abertura do Mundial, mas a readaptação à normalidade ainda tem efeito no corpo dos jogadores.

"Provavelmente há algumas alterações fisiológicas esperadas, como diminuição de glicogênio muscular e hepático e dependendo da intensidade e temperatura do ambiente no horário do jogo uma possível desidratação", relata Érica Fernanda Gonçalves de Oliveira da Silva, nutricionista do centro de medicina esportiva do Hospital 9 de Julho. 

A perspectiva mencionada pela especialista ao UOL Esporte também tem sido debatida internacionalmente, em veículos como CNN, Huffington Post e The Guardian. A primeira publicação, aliás, apresentou uma entrevista de Roel Coumans, técnico da seleção da Austrália e antigo comandante da Arábia Saudita. Na época em que dirigia a seleção saudita, Coumans relembra que as últimas rodadas das Eliminatórias poderiam garantir classificação antecipada à equipe, mas uma derrota justamente em meio ao Ramadã atrasou o objetivo e fez a vaga ser conquistada no sufoco, após três meses.

"Se você tem baixa ingestão de energia, o que espera? O corpo tem o suficiente para cerca de 45 minutos a uma hora e isso foi exatamente o que vimos em nossa apresentação (derrota por 3 a 2 para a Austrália com gol decisivo dos adversários marcado no segundo tempo). Eu apenas expliquei aos jogadores após a partida: finja que você está dirigindo no deserto e daqui 100 km haverá um oásis. Se você colocou gasolina para apenas 50 km como espera que vá chegar? Eles entenderam", relatou Coumans.

Rússia x Arábia Saudita - Christian Hartmann/Reuters - Christian Hartmann/Reuters
Arábia Saudita pouco atacou no segundo tempo contra a Rússia: finalizou apenas uma vez
Imagem: Christian Hartmann/Reuters

Em 2018, a Rússia goleou a Arábia Saudita na abertura da Copa do Mundo com gols marcados aos 11 e aos 42 do primeiro tempo, aos 25, 46 e 49 da etapa complementar. A queda física da seleção saudita também é vista nas estatísticas: o time teve 4% a menos de posse de bola no segundo tempo e chutou ao gol dos russos só uma vez, enquanto no primeiro tempo havia finalizado quatro vezes. A Rússia chutou cinco bolas no primeiro tempo e oito na segunda metade da partida. Na ocasião, os jogadores da Arábia Saudita estavam há cerca de 14 horas sem alimentação, pois o sol nasceu antes de 4h e a partida foi às 18h, considerando o fuso horário.

No dia seguinte, a partida entre Egito e Uruguai ocorreu após o Ramadã, então os jogadores já podiam se alimentar livremente. A seleção sul-americana venceu por 1 a 0 com um gol marcado aos 44 minutos do segundo tempo, quando os africanos tentavam superar uma queda física. Não houve tempo para readaptação, como alerta Antonio Herbert Lancha Jr., mestre e doutor em nutrição pela Universidade de São Paulo (USP): "é preciso ter o atleta com reserva de carboidrato, para que comece a competição sem prejuízo. Depois vem a readaptação, e aí vão conseguir equiparar. Se for muito bem feita, os atletas não sentem".

Érica Oliveira, por outro lado, também acredita nos efeitos positivos do Ramadã, mesmo com a ponderação da parte física: "o desempenho de um atleta depende de vários fatores que vão muito além de nutrientes e hidratação (...) O Ramadã significa controle mental e espiritual e os efeitos disso do ponto de vista psicológico e mental são muito expressivos. Existem atletas que se sentem mais confiantes, com melhor concentração e sem sentir o decréscimo fisiológico esperado podem jogar até melhor que em períodos fora do jejum. Tudo deve ser individualizado. É possível, com preparação, minimizar o tempo de recuperação e equiparação de desempenho contra quem não fez o Ramadã."

A Copa do Mundo de 2018 é a mais muçulmana da história, com sete seleções de maioria ou boa parte islâmica: Arábia Saudita, Egito, Irã, Nigéria, Marrocos, Senegal e Tunísia, além de jogadores de outras seleções adeptos da religião, como Sami Khedira e Mesut  Ozil (Alemanha), Sadio Mané (Senegal), Marouane  Fellaini (Bélgica) e Granit Xhaka (Suíça). 

A Nigéria joga neste sábado, às 16h, contra a Croácia.

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