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Copa 2018

Vodca na Rússia é como futebol no Brasil: paixão antiga que está diminuindo

Felipe Pereira

Do UOL, em São Petersburgo (Rússia)

15/06/2018 04h00

É comum ouvir que o Brasil é o país do futebol. Ainda que seja difícil ficar indiferente à Copa do Mundo, é inegável que o encanto pela seleção diminuiu nos últimos anos. Pesquisa publicada pelo Datafolha na segunda-feira (12/06) apontou que 53% dos brasileiros não tinham interesse pelo Mundial. Na Rússia, justamente a sede do torneio, acontece algo semelhante com uma bebida muito famosa: a vodca.

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Ainda que não existam pesquisas, há pessoas que não aprovam a bebida e a cultura criada ao seu redor. A impressão que se colhe ao conversar com alguns russos é a de que eles estão trocando a tradição de mais de mil anos por concorrentes europeus como o uísque - algo semelhante à geração Playstation, que gosta mais do Barcelona do que de Corinthians ou Flamengo (e outros times brasileiros). 

Outra similaridade entre futebol e vodca é que a parcela da população que gosta desta cultura é expressiva. Mesmo sendo minoria, a porcentagem daqueles que se importa com a Copa no Brasil é quase a metade da população. Em um país de 200 milhões de habitantes, a influência do esporte na sociedade é substancial.

A vodca também tem esta característica. Ela está tão associada ao estilo de vida russo que torcedores de vários países chegam ao bares de São Petersburgo querendo experimentar a bebida. “Os turistas chegam e pedem uma garrafa inteira. Querem fazer algo que nós fazemos”, conta.

Dmitriy Yacikman diz que perfil de consumo de álcool na Rússia está mudando - Felipe Pereira - Felipe Pereira
Imagem: Felipe Pereira

Mesmo sem dirigir um bar tradicional, ele espera vender 40% mais vodca durante a Copa. Justifica que turistas têm tendência a experimentar a cultura local. Ocorre que o consumo provoca efeitos colaterais que uma parcela da sociedade não aceita mais.

Resistência a vodca

Lia Geldman, 31 anos, não gosta de vodca nem da associação da bebida ao país em que nasceu. Reclama que, no imaginário das pessoas, a Rússia é um lugar onde bêbados colocam um urso dentro do carro. Ela sustenta que aprovar a vodca seria concordar com uma idolatria infantil a algo que faz as pessoas se comportarem da pior maneira possível.

As queixas de Lia atingem gente como Fedor Shuvalov, 35 anos. Ele é do perfil de homem que promete beber enquanto for vivo e fala que vai a uma festa para caçar mulher. “Meu plano sempre é sair para beber, encontrar mulheres e depois beber com elas. Se tudo der certo, terminamos fazendo sexo. O problema é que no meio do caminho muitas vezes acontece alguma coisa que me desvia do objetivo.”

Fedor Shuvalov diz que sai para beber e buscar sexo - Felipe Pereira - Felipe Pereira
Imagem: Felipe Pereira

Fedor é frequentador do que os russos chamam de bar soviético. São estabelecimentos com decoração que remontam a décadas atrás e atraem homens retrógrados. Aliás, os russos têm bares com diferentes perfis. Existem até alguns dedicados a receber pessoas tristes. Também há, mas em menor quantidade, aqueles não oferecem vodca ou outras bebidas fortes.

Com óculos com armação de madeira e calça colada, Grigoriy Solntsev, 28 anos, é da ala modernosa da Rússia. Dono de bar e uma hamburgueria, ele não vende vodca ou qualquer outra bebida forte. "Aqui só vende cerveja. Eu não acho que perco dinheiro assim."

Russos aprendem a beber desde cedo

Assim como uma criança cresce em meio a cultura do futebol, os russos têm na vodca algo que passa de geração para geração, explica Georgiy Farbess, 23 anos. Ele está abrindo um bar na rua mais boêmia de São Petersburgo e ensina que existem duas maneiras do primeiro gole acontecer. “Você dá um jeito de comprar uma garrafa com os amigos quando está longe dos pais, ou está numa festa de família e os avós ou tios ficam bêbados demais e dão vodca aos adolescentes”.

Georgiy conta que a idade mais comum de começar nas bebidas mais fortes é em torno de 15 anos, mas tem muita gente precoce na Rússia. Ainda mais em cidades pequenas, onde, de acordo com ele, bebe-se muito mais.

Svjatoslav Vlasenkov, 25 anos, repete histórias que outros russos também relataram e que fazem entender porque a bebida é tão popular. Ele afirma que além de oferecer vodca, os mais velhos associam o consumo a horas de lazer com família e amigos. Também transmitem todo um ritual que inclui acompanhamento de comidas fortes e/ou gordurosas. O rapaz deixa escapar que os russos também apelam para garrafa em horas de tristeza porque são educados de que ela é uma boa companheira para os dias difíceis. Svjatoslav também conta que no inverno se bebe para esquentar e no verão para celebrar o sol. Resumindo, sempre existe um motivo para beber.

Sergey Luguiyanou (e) e Konstantin Oshepkoviz bebem Coca batizada antes do jogo da Rússia - Felipe Pereira - Felipe Pereira
Imagem: Felipe Pereira

Bebidas importadas viram concorrentes

Os times brasileiros eram unanimidade entre quem gostava de futebol até os campeonatos internacionais começarem a passar na televisão na década de 1980. Dmitriy Yacikman, que conhecemos em um karaokê, usa o mesmo raciocínio para falar da concorrência que vodca está enfrentando na Rússia.

O discurso dele é que, até a década de 1980, o regime soviético era bastante fechado e as opções, escassas. Sem falar que havia campanha contra elementos culturais do ocidente. Mas o colapso da União Soviética permitiu a entrada de outras bebidas que aguçaram a curiosidade dos russos. "As pessoas ainda gostam muito de bebidas fortes, tanto que, das bebidas que chegaram a partir de 1990, o uísque é a que mais vende. As pessoas ainda querem sentir aquele calor do álcool, só que com sabores diferentes”.

Sergey Luguiyanou, 27 anos, e Konstantin Oshepkoviz, 25 anos, são prova disso. No dia da abertura da Copa perambulavam pelas calçadas de São Petersburgo com uma bandeira da Rússia e uma garrafa de Coca-Cola batizada. “Tem uísque junto, quer?”, ofereciam a qualquer pessoa que trocasse duas palavras com eles.

Como o amor à vodca ainda persiste, surge um custo na saúde dos russos. Um estudo do Centro de Pesquisa sobre o Câncer mostra que uma em cada quatro mortes de homens antes dos 55 anos ocorre por consequência da vodca.

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