Russos querem mostrar seu lado carinhoso. Mas esbarram na própria frieza
Em uma das últimas fileiras no alto da arquibancada o homem se levanta, ergue a bandeira vermelha e solta um grito para todo mundo ao redor. O russo é indecifrável, mas não é difícil perceber o humor do rapaz. Ele está bravo e dava uma bronca daquelas em seus compatriotas. Na fileira de baixo, um jovem menino se esforça no inglês para traduzir. "Ele gritou: ‘se levantem e gritem Rússia'. É uma motivação".
Os vizinhos até veem a movimentação, mas quase ninguém dá bola. Sem apoio e até com algum olhar atravessado do assento de cima, ele volta ao seu lugar consternado.
No primeiro gol, logo aos 12 minutos, e no segundo, aos 43 do primeiro tempo, eles até se abraçaram e gritaram o nome de Gazinsky ou Cherisev, que balançaram as redes. Mas, entre os dois momentos de barulho, vários de silêncio tomaram conta do Luzhniki. A Arábia Saudita nem poderia reclamar por jogar fora de casa, já que nem vaias, tão comuns no Brasil quando o adversário pega a bola, incomodaram. Apenas uma ou outra, bem tímida, quando a bola demorava a ser reposta em lance de falta ou lateral eram ouvidas.
O estádio não estava tomado de faixas, como nos acostumamos a ver no Brasil em 2014. Mas as bandeiras fizeram sua parte com a cores do país e um urso, que é o símbolo do país, desenhado. Para quem, em 2010, sofreu com as vuvuzuelas na África do Sul e, em 2014, com as cornetas no Brasil, dessa vez ganhou descanso para os tímpanos.
E olha que não eram só russos nas arquibancadas. O estádio estava lotado de mexicanos, que no domingo fazem sua estreia na Copa contra a Alemanha, brasileiros entoando o bom e velho ‘Mil gols, só Pele’, e colombianos, já conhecidos pela animação. Ainda assim, ninguém tirou o Luzhniki do chão. Para não sermos injustos, no segundo tempo houve pelo menos quatro vezes a tradicional ‘Ola’, já com a Rússia tranquila.
E é também um jeito de ser russo essa coisa de não demonstrar muitas emoções. No futebol e na vida. "Na minha casa, na frente da TV, eu fico louco. Mas aqui eu sou mais contido. Eu frequento isso aqui desde pequeno e é a primeira vez que volto depois da reforma. É um sonho", conta o Jovem Vladimir Crystianov, de 19 anos, que, ao ser perguntado como se escreve seu home, não titubeia. "Igual ao do presidente", diz orgulhoso.
O xará famoso, aliás, protagonizou uma das únicas cenas de expressividade na estreia. Quando foi anunciado e apareceu no telão, foi ovacionado. As bandeiras russas logo se hastearam e as cores vermelho e azul tomaram conta do estádio. “Rússia, Rússia”, ecoou o Luzhniki.
Como nunca é só futebol, aquele momento também não era. A sensação era de um orgulho nacional para mostrar para o mundo uma nova Rússia. Ou uma Rússia longe dos estereótipos. "As pessoas acham que na Rússia tem ursos na rua. Isso não somos nós. A Copa é importante para mostrar isso para o mundo", diz o torcedor Alexei Golanov.
O maior país do mundo terá os próximos 31 dias para mostrar que não é o país dos ursos na rua, nem dos espiões, nem da máfia, nem dos vilões dos filmes de James Bond. Pelas ruas de Moscou, você não vai ver os inimigos do vídeo game, nem Ivans Dragos, aquele temido lutador soviético que quase matou Rocky Balboa nos cinemas.
"Eu gostaria de mostrar a Rússia para os outros países não como ela é representada. Mas a Rússia de dentro, a alma russa verdadeira. Nós somos coração. Esses rótulos afetam meus sentimentos. Sempre tem personagens que são inimigos. E em geral as pessoas só conseguem ver esses que são inimigos. Mas pelo menos tem um cara que é muito inteligente, não tem papel principal e, por exemplo, é um cientista que cria alguma coisa e ajuda a resolver o problema. Mas não o principal", diz Egor – que não conseguiu fazer seu sobrenome ser entendido.
As amigas Nadezhda e Olga também esperam que a Copa do Mundo possa mudar essa imagem. “O Mundial vai ser bom para que as pessoas da América do Sul e do Norte e da África vejam a Rússia de forma diferente. A Rússia é calorosa e gosta de receber pessoas. Isso é importante, porque as pessoas vão postar nas redes sociais e através das redes sociais os outros vão conhecer mais a Rússia e mudar a opinião sobre o nosso país”, dizem, esperançosas.
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