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Iranianos "desafiam a morte" e o regime nos bares da Rússia

Torcedor do Irã, Ali bebe e fala mal do regime sem medo - Felipe Pereira
Torcedor do Irã, Ali bebe e fala mal do regime sem medo Imagem: Felipe Pereira

Felipe Pereira

Do UOL, em São Petersburgo (Rússia)

14/06/2018 21h00

Primeiro dia de Copa e o bar está lotado. Conversas animadas, risadas altas e copos cheios em todas as mesas. Inclusive na que está tomada por torcedores do Irã. E daí que é o último dia do ramadã?

O comportamento adotado em São Petersburgo, por acaso a cidade mais boêmia da Rússia, vai contra tudo que as leis iranianas estabelecem. Desde a criação da República Islâmica, em 1979, a interpretação dada ao alcorão prevê 80 chicotadas para consumidores e vendedores de álcool. O código penal do país ainda estipula possibilidade de pena de morte para quem for flagrado três vezes.

Zahra Alizade, 33 anos, está num grupo de dez iranianos. Nem todos bebem, mas quem quer o faz livremente. Ela explica que não estão agindo assim por estarem fora de casa. Ressalta que em Teerã, capital do país e cidade onde mora, é a mesma coisa.

“Você não sai na rua bebendo uma garrafa de vinho ou cerveja, mas em casa, longe dos olhos das pessoas, todo mundo bebe. Existem vários locais em que é possível encontrar álcool”, conta.

A torcedora concorda que a imagem internacional do país é de um local severo com quem bebe, mas diz que é uma imagem distorcida. A afirmação é comprovada por estudos médicos. O congresso mundial sediado justamente no Irã em 2014 apontou um milhão de consumidores de álcool no país. No ano seguinte, o governo inaugurou 150 centros de desintoxicação.

Zahra bebe com os amigos sem se preocupar com o ramadã - Felipe Pereira - Felipe Pereira
Zahra bebe com os amigos sem se preocupar com o ramadã
Imagem: Felipe Pereira

Este não era o único bar com iranianos bebendo. No outro lado da rua, Ali Khandan, 32 anos, tomava sua cerveja em frente a uma placa que sugeria “beber como um punk”.  Ele endossa as palavras de Zahra e revela os detalhes de um mercado negro de álcool no Irã.

“Você pega o telefone e aparece um carro na sua casa. Abre o porta-malas e tem um shopping de bebidas para escolher. As pessoas bebem e comem porco. Os iranianos são os piores islâmicos do mundo”, diverte-se em relatar.

Governo sabe que pessoas bebem

Ali acrescenta que o governo sabe que tudo acontece e não tem força para tomar providências porque o povo não apoiaria medidas violentas. Explica que as pessoas não têm medo de qualquer retaliação porque é um hábito aceito pela sociedade.

Ele viu, de longe, todas estas mudanças acontecerem. Mora na China há oito anos e afirma que nas visitas anuais que faz percebe regras sobre álcool, carne de porco e véu das mulheres sendo cada vez menos respeitadas.

O torcedor conta que, antes de sair do Irã, já era assim. Acrescenta que a liberação fica cada vez mais concreta. Ali diz que quando as pessoas são flagradas bebendo não recebem qualquer punição. Os casos geralmente terminam em propina, já que os policiais recebem um salário baixo e o país está com a economia enfraquecida. “Ninguém tem medo de morrer porque pode resolver tudo com suborno”.

Prova de que o comportamento dos iranianos é quase ocidental é que ele aceita tirar foto sem medo, assim como Zahra fez. As mesas em que ambos frequentavam eram ocupadas por iranianos que vivem em lugares tão diferentes como Canadá, China, França e Rússia. Todos tinham os mesmos costumes frente a bebida.

Ali e Zahra também contam que a interpretação do alcorão ajuda na popularidade do futebol no Irã. Correr atrás de uma bola é uma das poucas coisas que um garoto sem dinheiro pode fazer. Eles sabem até provocar. "Não queremos ser o Brasil desta Copa e tomar 7 a 1" foi uma brincadeira feita mais de uma vez.

O bom humor não combina com a imagem criada do povo de maioria persa. Sim, eles não são árabes e não gostam da confusão que a maioria faz. Sempre se repete que Copa é uma oportunidade para aprender outras culturas. Os iranianos querem que as pessoas desaprendam o que pensam que eles são.

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