Árbitro de vídeo chega à Copa, mas sua existência já está ameaçada

Há pouco mais de um mês, o chefe de arbitragem da Fifa, o suíço Massimo Busacca, participou do Congresso da Associação Internacional de Imprensa Esportiva, em Bruxelas. Antes de começar sua palestra, perguntou à plateia, formada na maioria por jornalistas, quem ali era a favor da tecnologia. Quase todos levantaram a mão.
Foi uma maneira que o ex-árbitro encontrou de introduzir o tema que dissecaria naquela manhã e que, para muitas pessoas, ainda causa desconfiança: o uso do árbitro de vídeo (VAR, na sigla em inglês de video assistant referee) no futebol e, principalmente, na Copa do Mundo. O maior torneio esportivo do planeta terá, na Rússia, a partir de quinta-feira (17), pela primeira vez a imagem como aliada para corrigir erros de arbitragem. Algo que está longe de ser unanimidade.
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"Na Copa do Mundo, não será um experimento [o VAR]. Não haverá mais erros escandalosos. Se você não tem o VAR, muitas vezes você não tem a possibilidade de corrigir um erro claro", disse Busacca em sua explanação.
A Fifa não trata o VAR como um teste porque ele já esteve em outras quatro competições organizadas pela entidade, desde 2016: dois mundiais de clubes (2016 e 2017), o Mundial sub-20 de 2017 e a Copa das Confederações, também em 2017 – desde março passado faz oficialmente parte das regras do futebol, após aprovação da IFAB, o órgão independente que define as regras do esporte.
Mesmo assim, informalmente membros da entidade admitem que será sim um teste e decisivo: se houver no Mundial problemas no uso da tecnologia, comunidades que já se posicionam contra, principalmente na Europa, poderão dificultar ainda mais a disseminação do uso do vídeo no futebol.
Como vai funcionar
Serão quatro profissionais analisando as imagens por partida. A principal função, chamada pela Fifa de VAR, é do árbitro de vídeo principal, que terá comunicação direta com o juiz de campo e quem, de fato, vai definir se um lance precisa ser verificado. Este terá acesso a todas as câmeras espalhadas pelo estádio (33 no total).
O chamado AVAR2 (Árbitro de Vídeo Assistente 2) ficará exclusivamente atento às câmeras de impedimento (duas exclusivas da Fifa). Essa também é considerada uma função chave para a entidade, que não quer erros nesses tipos de lance se resultar em gol.
Os demais profissionais, o AVAR1 e o AVAR3, analisarão outras câmeras em auxílio ao árbitro de vídeo principal. O 1 se concentra na transmissão principal do jogo e avisa ao principal se algo anormal ocorrer que necessite revisão. O 3 ficará atento às imagens de TV, e auxiliará na comunicação do VAR principal com o número 2, que estará atento aos lances de impedimentos.
A Fifa definiu que montará uma base em Moscou, dentro do IBC (centro de transmissão), para que os profissionais de vídeo fiquem (e deu o nome de VOR, sigla em inglês para Video Operation Room, em tradução a Sala de Operação de Vídeo). Ou seja, os auxiliares que verão as imagens não estarão nos estádios, e a comunicação com o juiz de campo será feita por rádio. Com os profissionais da Fifa estarão quatro operadores de replay.
Os 64 jogos da Copa da Rússia terão o VAR, que poderá ser usado para tirar dúvidas em casos de impedimentos, se o pênalti foi dentro ou fora da área, se o cartão vermelho dado diretamente foi justo e para identificar atletas que mereçam ser advertidos em casos de confusão, por exemplo, ou uma falta em que o árbitro não viu exatamente quem cometeu. A decisão final, seja se o VAR será usado ou se uma decisão de campo pode ser modificada, vai ser sempre do árbitro de campo.
Em situações que necessitem de interpretação, a orientação da Fifa é que o árbitro de campo vá até a lateral do campo e tenha acesso ao vídeo editado pelos operadores que estarão no VOR. Por exemplo: se houve falta de um atacante em lance que originou gol, ou um jogador que interfira em posição de impedimento também em lance que saia o gol. Lances que não necessitem interpretação, como impedimento, se foi falta dentro ou fora da área ou identificação de atleta devem ser analisados pelo VAR e avisado ao árbitro de campo. Desse modo a Fifa quer evitar que o jogo fique parado por muito tempo.
Interpretação
A Uefa (União Europeia e Futebol), que hoje em dia vive em conflito com a Fifa (por vários motivos), entre eles o VAR, ainda não tem planos de colocar a regra em seu principal torneio, a Liga dos Campeões. O mesmo vale para a Premier League, que organiza a elite do Campeonato Inglês, a competição nacional mais rica do planeta. Primeiro querem confirmar que haverá mais benefícios do que ainda mais dúvidas na utilização do árbitro de vídeo, e a Copa do Mundo pode ser um divisor disso, para o bem ou para o mal.
"Se, por qualquer motivo, a decisão a ser tomada não for a melhor possível, é possível que ocorra o descrédito do árbitro de vídeo durante a Copa, o que seria muito ruim", disse Manoel Serapião Filho, responsável pela implantação do VAR na CBF.
São duas as principais polêmicas sobre o uso da tecnologia: primeiro que pode haver uma longa parada do jogo para análise das imagens, principalmente se o árbitro principal precisar se dirigir à beira do gramado para avaliar o lance. Isso ocorrerá somente em lances interpretativos, como se um determinado atleta fez falta de ataque em jogada de gol, o que leva ao segundo questionamento: lances interpretativos, hoje em dia, já causam divisão de opinião mesmo com dezenas de câmeras no estádio. E provavelmente continuarão dividindo opiniões, portanto mesmo a imagem, nesses casos, pode não corrigir um erro.
"Sou contra essa possibilidade de o árbitro ir até a beira do campo para analisar um lance interpretativo. Se um lance não foi óbvio, não foi claro, continuará assim quando o árbitro olhar e a polêmica pode se manter. Não será bom para tecnologia isso", disse Serapião.
Para ele, os árbitros de vídeo deveriam ter o mesmo status dos assistentes (os populares bandeirinhas): se um auxiliar de campo avisa o árbitro sobre um lance, normalmente ele o escuta. "Deveria ser o mesmo com o árbitro de vídeo. Ele está lá com a imagem, é uma equipe. Se ele falar que foi pênalti, ou gol, o árbitro de campo deveria acatar, apesar de a decisão final ser sempre dele".
Num dos primeiros jogos Fifa em que a tecnologia foi usada, a vitória de 3 a 0 do Kashima Antlers sobre o Atlético Nacional no Mundial de Clubes de 2016, o árbitro húngaro Viktor Kassai, considerado um dos melhores do mundo, se atrapalhou todo ao marcar um pênalti para os japoneses. Primeiro pela demora em pedir a análise das imagens (o jogo continuou por minutos até ser interrompido). Ao confirmar que houve a falta, anotou a penalidade que ajudou na vitória do Kashima, só que houve outro problema, não identificado pelos assistentes de vídeo: o jogador que sofreu a falta estava impedido.
Para tentar minimizar erros, a Fifa decidiu que árbitros de campo experientes estarão responsáveis pelo vídeo na Copa do Mundo. Foram convocados 13 exclusivamente para a função, entre eles o brasileiro Wilton Pereira Sampaio, 36, considerado um dos melhores de campo no país. Como apenas os 13 não darão conta de todas as partidas, alguns dos 36 árbitros de campo e auxiliares convocados para os 64 jogos também atuarão como auxiliar de vídeo – entre eles outro brasileiro com experiência na função, Sandro Meira Ricci.
"O árbitro de vídeo, no conjunto, será um benefício para a Copa do Mundo. Vai legitimar o resultado, porque apesar dos lances de interpretação não teremos gol em impedimento, gol de mão, pênalti claro não marcado. Serão menos polêmicas", disse Serapião.
Alguns países, como Portugal, Itália e Alemanha, adotaram o árbitro de vídeo em seus principais campeonatos, e a avaliação é positiva apesar de constatação dos problemas que podem ocorrer na Copa, como demora para análise das imagens e problemas em lances interpretativos. No Brasil, a maioria dos clubes da Série A vetou a tecnologia no Brasileiro 2018 por causa do alto custo, que seria cobrado deles, mas também para que fossem realizados mais testes.
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