Topo

Copa 2018

Técnico que reergue a Espanha foi demitido de 1º emprego após 11 jogos

Giancarlo Giampietro

Colaboração para o UOL, em São Paulo

11/06/2018 04h00

Se a primeira impressão realmente fosse aquela que ficasse, Julen Lopetegui, 51, jamais seria escolhido para tentar reerguer a seleção espanhola rumo à Copa da Rússia-2018.

Em seu primeiro trabalho como técnico de futebol, Lopetegui não resistiu à pressão em Madri. E, não, não estamos nos referindo aos galácticos do Real, mas ao modesto Rayo Vallecano. Detalhe: o clube estava na Segunda Divisão espanhola, pela temporada 2003-04. Aquele que era para ser um projeto de dois anos durou apenas 11 jogos.

“É uma lástima porque a diretoria confiava muito nele. Era um projeto para dois anos, mas vendo que a equipe não reagia e que não pode cair mais, com toda a dor no coração decidimos por sua demissão” afirmou o gerente Álvaro Ruiz Mateos, à época.

O espanhol de Asteasu, no País Basco, havia se aposentado como jogador na temporada anterior, já como terceiro goleiro do mesmo Rayo, rebaixado. Em sua carreira debaixo das traves, diga-se, passou mais tempo na Segundona do que na Liga. Mas não é que fosse desconhecido.

Copa, Barça e Real
Dez anos antes de sua desastrada introdução à função de treinador, Lopetegui viveu sua melhor fase como porteiro, como dizem por lá. Fechando o gol pelo Logroñes, descolou até uma convocação para a Copa de 1994. Era um dos reservas de Zubizarreta.

O mesmo Zubizarreta que ele tentaria substituir na volta do Mundial, contratado pelo Barcelona. No final, acabou perdendo a disputa com Carles Busquets, pai do volante Sergio, hoje um dos destaques de sua seleção espanhola. Não ajudou também que tivesse levado logo cinco gols em sua estreia, pela Supercopa contra o Zaragoza, em pleno Camp Nou. Foi uma derrota incrível por 5 a 4.

Mesmo que não tenha feito nem dez jogos pelo Barça em três anos, sua passagem foi proveitosa de outra forma. Foi lá em que teve contato com Johan Cruyff, enorme influência. Sem contar o volante Pep Guardiola.

Uma curiosidade: Lopetegui já havia jogado pelo Real Madrid. Mas fez ainda menos pelos "merengues". De modo que ninguém queimou nenhuma camisa quando assinou com o arquirrival catalão. Foi pelo time B do Real, aliás, que deu continuidade a sua carreira de treinador, de 2008 a 2009, cinco anos depois de sua demissão pelo Rayo Vallecano.

Afirmação?

Thiago Alcântara - Espanha - Jon Nazca/Reuters - Jon Nazca/Reuters
Thiago Alcântara foi um dos garotos projetados por Lopetegui na base
Imagem: Jon Nazca/Reuters

Lopetegui ficou pouco tempo lidando com os jovens do Real. Seu trabalho chamou a atenção e lhe valeu um convite para dirigir as seleções de base da Espanha em 2010.

Enquanto o time de cima ganhava tudo, ele replicou com os garotos aquele estilo de jogo, com posse de bola e deslocamentos constantes em campo: virou a escola espanhola. Ao conquistar o Europeu sub-19 em 2012 e o sub-21 em 2013, encorpou seu currículo e ganhou cartaz.

O torneio sub-21, em especial, valeu boa atenção. Ele tinha em sua equipe nomes como Thiago Alcântara, Isco, Koke e Carvajal, quatro atletas que seriam titulares na goleada histórica por 6 a 1 sobre a Argentina, em março, em Madri.

Mais um tropeço

Casemiro - Porto - AP Photo/Matthias Schrader - AP Photo/Matthias Schrader
Cotação de Casemiro (dir.) subiu com Lopetegui, mesmo sem títulos
Imagem: AP Photo/Matthias Schrader

Entre o brilhante trabalho com as revelações espanholas e o início de trabalho com a seleção principal, deu tempo para Lopetegui levar mais um tombo.

Em 2014, ele foi contratado com fanfarra pelo Porto. Contrariando os questionamentos da imprensa local sobre seu currículo um tanto nebuloso, o presidente Jorge Nuno Pinto da Costa (no cargo desde 1982...) e sua diretoria previam uma passagem virtuosa. O sucesso do espanhol com jovens condizia com os planos do clube.

Só durou duas temporadas, no fim. Mesmo administrando o maior orçamento da história do Porto (cerca de 115 milhões de euros, com acréscimo de 22 milhões na folha salarial do elenco), Lopetegui não ganhou nada. Saiu com uma marca nada gloriosa, diga-se: foi com ele que Pinto da Costa viu o maior jejum de títulos de sua presidência.

Por outro lado, o “Dragão” faturou alto com a venda de atletas valorizados nesse trabalho. Entre eles, Casemiro, que, emprestado pelo Real Madrid, jogou tanta bola em Portugal que o gigante espanhol precisou pagar para tê-lo de volta.

Renascença

Lopetegui - estreia pela Espanha - AP Photo/Geert Vanden Wijngaert - AP Photo/Geert Vanden Wijngaert
Lopetegui orienta Espanha em estreia contra a Bélgica, em setembro de 2016
Imagem: AP Photo/Geert Vanden Wijngaert

O sucesso financeiro não o livrou da demissão. Assim como o insucesso em campo não impediu que voltasse à federação espanhola em 2016 para ocupar a vaga do aposentado Vicente Del Bosque. Foi um cargo bastante concorrido, mas seu contato com a atual geração pesou.

Não era uma missão tão simples assim. Primeiro o peso de substituir Del Bosque, uma figura histórica. Depois, lidar com a queda de produção de uma equipe eliminada na primeira fase do Brasil 2014 e pelas oitavas de final da Eurocopa. Para alguém que já havia quebrado a cara tantas vezes na carreira até chegar à elite, porém, aquela era uma decisão fácil.

De Lopetegui, até agora, o torcedor ainda não tem do que reclamar. Entre eliminatórias e amistosos, já são 18 jogos pela Fúria. Invicto, com 13 vitórias e 5 empates. Para Tite, entre tantos possíveis candidatos de primeiro escalão ao título, a Espanha está entre as favoritas.

Ao assumir a seleção, o espanhol não prometeu nada de drástico. “Não vamos fazer uma revolução, mas uma evolução”, disse, confiante. “Há vários jogadores no auge. Aproveitaremos tudo o que foi feito de bom. Mas o futebol não pára e, ainda que esteja muito orgulhoso do passado, olha sempre o presente e o futuro.”

Está aí uma frase que serve tanto para a seleção espanhola nos últimos dez anos como para o próprio Lopetegui e sua trajetória sinuosa que pode ver, em junho e julho, uma grande conquista. Ou, quem sabe, um novo tropeço.

Copa 2018