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Copa 2018

Desempenho da seleção na Copa pode ajudar alguém nas eleições?

Manifestante pede impeachment de Dilma em 2016 - Julio Cesar Guimaraes/UOL
Manifestante pede impeachment de Dilma em 2016 Imagem: Julio Cesar Guimaraes/UOL

Daniel Lisboa

Colaboração para o UOL, em São Paulo

11/03/2018 04h00

"Pula, sai do chão, contra o aumento do busão". 

O grito de viés futebolístico ecoou nas ruas do Brasil em junho de 2013. Um comercial de automóvel teve o refrão "Vem pra rua, porque a rua é a maior arquibancada do Brasil" "usado" por manifestantes na mesma época.

Eles saíram às ruas nas chamadas "Jornadas de Junho". Assim ficou conhecida a onda de protestos que começou em São Paulo, se espalhou pelo país e entrelaçou futebol e política, na opinião do historiador da USP Flávio de Campos.

O pesquisador é coordenador do Ludens (Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas sobre Futebol e Modalidades Lúdicas) e conversou com o UOL Esporte sobre a seguinte questão: a próxima Copa do Mundo poderá interferir de alguma maneira nas eleições presidenciais deste ano?

2014 ajudou a “desintegrar" PT

Campos relembra os acontecimentos de 2013 para defender sua posição. Para ele, tal influência é plausível mesmo que não existam respostas exatas para a pergunta.

“Ninguém tinha a popularidade da Dilma em abril de 2013. Aí vêm as Jornadas de Junho, o processo de inauguração dos estádios para a Copa das Confederações, e começa a acontecer um deslocamento da gestualidade e vocalidade dos estádios para as ruas”, diz Campos. 

O pesquisador cita os cânticos que abrem esta reportagem, e o fato de muita gente nas ruas então usar o "padrão Fifa” como paradigma para as exigências, como exemplos de tal deslocamento. 

“Esse entrelaçamento (de Copa com política) causou um baita desgaste no consórcio político em torno do PT. E abriu fendas e contradições da sociedade brasileira que foram operacionalizadas pelo grupo atualmente no poder”, avalia o especialista.

Tamanho desgaste não levou à derrota de Dilma Rousseff nas eleições de 2014. Mas Campos ressalta que a vitória da petista foi apertada. E que, durante a Copa daquele ano, quem assistiu tranquilamente aos jogos da seleção nos estádios foram os candidatos de oposição.

“O Eduardo Campos e o Aécio (Neves) foram juntos, inclusive. De camiseta verde e amarela. Já a Dilma não podia aparecer que mandavam ela para aquele lugar”, diz o historiador. “De certa forma, aquela torcida verde e amarela que ´vestiu` a oposição foi às ruas depois. Compôs essa torcida que bateu panela, pediu impeachment e está viva até hoje.”

Posicionamento de jogadores pode interferir

Em 2018, o encontro entre Copa do Mundo e eleições acontece em um cenário sem as muitas particularidades do torneio passado. Mas, para Campos, isso não evita que um evento novamente influencie o outro.

“Não me parece que o desempenho da seleção irá interferir diretamente”, diz ele. “O que me chama a atenção, porém, é uma certa politização dos atletas, dirigentes e treinadores. Uma politização perigosa, porque à direita e conservadora. Até mesmo fascista.”

O especialista lembra as declarações de voto em Jair Bolsonaro feitas por Felipe Melo, do Palmeiras, e Jadson, do Corinthians. E a intenção de Ronaldinho Gaúcho concorrer ao senado por Minas Gerais pelo mesmo partido do deputado.

“Isso é ruim porque eles são formadores de opinião”, avalia Campos. “Botam água no moinho de discursos machistas, truculentos, que ferem os direitos humanos básicos.”

Apesar de as grandes estrelas da seleção atuarem na Europa, e não terem histórico de envolvimento político até aqui, tal possibilidade não está, na opinião de Campos, descartada.

Uma grande atuação da seleção na Copa poderia estimular, por exemplo, figuras altamente midiáticas como Neymar e Daniel Alves a se posicionarem a favor de um candidato específico.

Protesto 2013 - Felipe Dana/AP - Felipe Dana/AP
Policiais enfrentam manifestantes no Rio de Janeiro em 2013
Imagem: Felipe Dana/AP
“E eu não os culpo se isso acontecer. O nível da política feita no Brasil hoje, à esquerda e à direita, é tão rasteiro que todo mundo se sente à vontade para dar uma opinião”, diz o especialista.

“Copa nunca foi pauta para o eleitor”

Ronaldo Helal, outro especialista na relação entre futebol, comportamento e cultura, tem opinião oposta a de Campos. Os dois, inclusive, já debateram sobre o tema por meio de artigos em jornais.

“Todos os dados indicam que a correlação entre Copa e resultado de eleições é nenhuma”, afirma o sociólogo. “Tenho contato com pessoas que estudam o comportamento do eleitor, e o que eles me dizem é que nunca o resultado da seleção virou pauta na intenção de voto.”

Helal lembra que, em 1998, Fernando Henrique Cardoso foi reeleito em primeiro turno mesmo com a traulitada que a França aplicou no Brasil na final. Já em 2002, a seleção ganhou o penta, mas quem venceu nas urnas foi Lula, candidato da oposição. E o PT se manteve no poder mesmo com derrotas do Brasil em 2006 e 2010.

“Quando dizemos que a Copa influencia o eleitor, estamos chamando o eleitor de boboca, dizendo que ele não sabe votar”, diz o sociólogo. “O cara vota a favor, ou contra, de projetos sociais, do Bolsa Família. Não de acordo com o resultado da seleção.”

Para Helal, mesmo o uso político da seleção de 70 pela ditadura militar não alterou os rumos do país. Ele acredita que nada teria mudado mesmo com uma eventual derrota daquele time. “Tivemos eleições indiretas em 1972 e 1974 e o MDB (partido de oposição à ditadura) ganhou.”

Eleições e Copa juntas atrapalha

A posição do sociólogo é compartilhada por Thiago Vidal, gerente do Núcleo de Análise Política (NAP) da Prospectiva Macropolitica, em Brasília. “Acho que não existe uma relação direta, e os resultados das últimas Copas e eleições mostram isso.”

Vidal acredita ser mais provável uma interferência da Copa no processo político do que no resultado das eleições. Isso porque o Congresso, que já costuma ter um recesso não-oficial em junho por conta das festas de São João, provavelmente ficará ainda mais esvaziado por políticos que assistirão aos jogos ao invés de votar projetos.

O especialista aponta também os problemas acarretados pelo fato de, desde 1994, as eleições sempre caírem em anos de Copa do Mundo. “Tira o foco do debate político, atrapalha bastante.  Acho que isso poderia ser revisto.”

Dilma na abertura da Copa - Eduardo Knapp/Folhapress - Eduardo Knapp/Folhapress
Dilma ao lado de Joseph Blatter e Michel Temer na abertura da Copa 2014
Imagem: Eduardo Knapp/Folhapress
Correlação imprevisível 

Para o jornalista, e blogueiro do UOL Esporte, Juca Kfouri, “essa é a pergunta que vale dez milhões (se a Copa influencia o resultado das eleições)”. “Acho que não existe uma relação direta, embora acredite que a vitória em 94 ajudou o Fernando Henrique”.

Kfouri imagina que, naquele ano da morte de Ayrton Senna, uma derrota do Brasil talvez levasse mais eleitores enfastiados com o status quo a considerarem o voto em Lula. “Acho que a vitória do Brasil, somada ao Plano Real estar dando certo, deu um estímulo à vitória do Fernando Henrique”.

Em 2018, entretanto, Kfouri considera temerária uma previsão feita agora. “Não tem jeito: é esperar para ver.”

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