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Copa 2018

"Isso é muito Black Mirror": como as pessoas assistirão à Copa no futuro?

Óculos para realidade virtual: tecnologias existentes já permitiriam grande imersão numa partida de futebol - Divulgação
Óculos para realidade virtual: tecnologias existentes já permitiriam grande imersão numa partida de futebol Imagem: Divulgação

Daniel Lisboa

Colaboração para o UOL, em São Paulo

05/02/2018 04h00

Em uma Copa do Mundo não muito distante, talvez você verá, com muita nitidez, o que o goleiro do seu time está fazendo enquanto os companheiros estão no ataque.

Também conseguirá acompanhar, como se estivesse em campo, aquela troca de provocações entre atacante e zagueiro antes de um deles acabar expulso. Quase tudo o que acontece no estádio estará igualmente ao seu alcance.

Dar uma desculpa ao chefe para ir a um jogo definitivamente será uma má ideia: ele não apenas poderá te flagrar em um canto escondido da arquibancada como, fazendo uma leitura labial, entender perfeitamente que você está se gabando por tê-lo enganado.  

Parece ficção científica, mas não é. Em rápido desenvolvimento, tecnologias que já existem hoje têm potencial para revolucionar a maneira como alguém assistirá a uma partida de futebol. Realidade virtual, realidade aumentada, 3D, transmissão em alta definição e câmeras 360° são as principais delas.

A Fifa inclusive já divulgou que, pela primeira vez, todos os 64 jogos da Copa do Mundo serão gravados em 4K e terão produção otimizada por meio da tecnologia HDR (High Dynamic Range). Na prática, isso permitirá a transmissão de imagens com altíssimo grau de definição.

Do "Pokémon Go" para os estádios

“Com várias câmeras multi ângulo transmitindo um jogo de futebol, e a possibilidade de ´pular` de uma para outra, será possível acompanhar uma partida por um ângulo diferente, por exemplo, que o do seu vizinho”, diz, sobre o futuro, Antonio Carlos Sementille, professor da Faculdade de Ciências e livre docente em Interfaces Avançadas da UNESP (Universidade Estadual Paulista).

O professor explica as diferenças entre as tecnologias. “A realidade virtual usa um ambiente tridimensional totalmente gerado por computador, permite que o usuário faça uma imersão nessa simulação. Isso depende de equipamentos especiais, como óculos, capazes de exibir essa realidade criada pelo computador e recriar os movimentos da pessoa nesse mundo. É preciso que o usuário seja capaz de interagir com os elementos virtuais.”

É para garantir essa completa interação, diz Sementille, que a realidade virtual usa o que é chamado de “avatar”, ou seja, um “representante” do usuário na realidade virtual. “É como o cursor do computador. Ele é uma espécie de avatar 2D.”

Já a realidade aumentada acrescenta informações geradas por computador ao mundo real. O game “Pokémon Go”, que recentemente fez sucesso introduzindo os famosos bichinhos em cenários reais para que as pessoas os caçassem, é o exemplo mais conhecido dessa tecnologia.

Blogueiro Ruslan Sokolovsky jogando "Pokémon GO" em uma igreja ortodoxa russa - Reprodução - Reprodução
Realidade aumentada, sucesso com "Pokémon Go", pode chegar ao futebol
Imagem: Reprodução
Tecnicamente, a realidade virtual não seria aplicável a uma transmissão futebolística. Isso só aconteceria se, por meio de uma “avatar”, os espectadores tivessem a capacidade de interferir na partida, o que, convenhamos, teria um potencial gigantesco para causar confusões. 

O potencial das câmeras 360°

“Porém, há algo interessante a respeito dos vídeos 360°. Uma câmera normal filma apenas aquilo que está em sua perspectiva. Já algo gravado em 360° permite que a pessoa mude de frame para frame, câmera para câmera", diz Sementille. 

Ou seja: você não poderá, por meio de um “avatar”, evitar com um carrinho o gol do adversário. Mas, em um estádio com câmeras 360° em número suficiente para captar todo o ambiente ao redor, será possível ver tudo o que acontece durante o jogo. Uma imersão quase completa.

Some isso às possibilidades da realidade aumentada. Usando os equipamentos adequados (um óculos, celular ou, quem sabe, uma lente de contato especial ao estilo Black Mirror), o torcedor, de casa ou no estádio, poderá saber tudo sobre um jogador em tempo real. Você olha para o zagueiro e surgem informações sobre ele: está cansado? Em quais times jogou? Está pendurado?

Outra possibilidade é usar seu dispositivo de realidade aumentada para, por exemplo, conferir as decisões da arbitragem com uma linha de impedimento virtual só sua. A ideia de um estádio lotado de torcedores com esse recurso pode parecer pavorosa para os árbitros, mas é de se imaginar que, neste caso, eles também estejam munidos de tal tecnologia.

“Estamos falando de algo que já é tecnicamente possível hoje”, diz Sementille. “Claro que, neste caso, você precisaria estar munido de um aparelho com capacidade para acessar a nuvem e processar todas essas informações em tempo real.”

O cenário perfeito

O professor acredita que o fato de a FIFA estar investindo na qualidade das transmissões mostra que a entidade e o mercado conhecem muito bem o potencial do futebol, e o da Copa do Mundo, para o futuro dessas tecnologias. A estrutura prometida pela entidade para cada partida da Copa da Rússia é de 37 câmeras por jogo, incluindo oito câmeras 4K por partida, oito câmeras 1080p, oito câmeras super lentas, duas ultra motion, uma câmera aérea pendurada por cabos e uma cineflex embutida em um helicóptero, entre outros equipamentos.

O mundo ideal para um amante do futebol seria o seguinte: assistir, com acessórios que permitem uma “imersão” na transmissão, a uma partida da Copa do Mundo com imagens em ultra definição, transmitidas por uma grande quantidade de câmeras 360°, enquanto a realidade aumentada traz todo tipo de informação sobre a partida em tempo real.

Entretanto, para que essas tecnologias se tornem viáveis comercialmente, e se popularizem, é preciso que todos os equipamentos e acessórios necessários para usufrui-las estejam acessíveis ao público. Não podem ser apenas gadgets caríssimos apresentados em feiras de tecnologia. 

Além disso, as empresas responsáveis pela criação das tecnologias, do conteúdo, e as responsáveis por transmiti-los, precisam estar em acordo. As televisões 3D, por exemplo, não decolaram em parte porque de nada adianta ter um aparelho com essa tecnologia se há muito pouco conteúdo produzido para assistir nelas.

PSG 360° - Reprodução YouTube - Reprodução YouTube
Vídeo 360° de partida do Paris Saint-Germain
Imagem: Reprodução YouTube
Megaindústrias têm que se entender

“A TV está historicamente cada mais imersiva”, diz Marcelo Zuffo, especialista em meios eletrônicos interativos da USP (Universidade de São Paulo). “O problema é a falta de vontade e o imobilismo do setor de radiodifusão no Brasil. Existe um vácuo de conteúdo para essas novas tecnologias”, acredita Zuffo. 

O especialista revela que tentou, sem sucesso, testar algumas tecnologias imersivas durante a Copa do Mundo no Brasil. “Falamos com várias empresas. Nossa ideia era distribuir uma ´nuvem` de câmeras 360° em pontos estratégicos do estádio, com um aplicativo que permitia aos usuários mudarem de uma para a outra”. O projeto não vingou principalmente por questões burocráticas.

O UOL Esporte entrou em contato com a assessoria de imprensa da Globo, único canal aberto detentor dos direitos de transmissão da Copa da Rússia no Brasil, para saber como a emissora pretende utilizar a tecnologia disponibilizada pela Fifa, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem. 

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