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Mauricio Stycer

Choro de brasileiros em campo também marcou a seleção na Copa de 1958

Pelé e Garrincha na final da Copa de 1958, na Suécia, em foto histórica de Luiz Carlos Barreto - Reprodução
Pelé e Garrincha na final da Copa de 1958, na Suécia, em foto histórica de Luiz Carlos Barreto Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

25/06/2018 07h01

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Gotemburgo (Suécia), 11 de junho de 1958. Brasil e Inglaterra jogam pela segunda rodada da fase de grupos da Copa do Mundo. Com marcação forte, os ingleses seguram o ímpeto dos brasileiros. Quando conseguem chegar perto do gol, Didi, Vavá e Mazzola esbarram no goleiro Mc Donald. Por volta dos 20 minutos do segundo tempo, o atacante do Palmeiras fica diante do goleiro, mas perde o gol feito. Abalado, chora em campo. O zagueiro Bellini, capitão da equipe, se aproxima de Mazzola e dá um tapa no atacante. Ele se recompõe, mas não muito. O jogo termina sem gols e o atacante é o primeiro a deixar o campo. No vestiário, chora novamente. O capitão Bellini explica para os demais jogadores o tapa que deu em campo: “Esta atitude dele estava prejudicando o time”.

José Altafini, o Mazzola, tinha 19 anos na Copa de 58. Na semana da partida contra a Inglaterra, a imprensa havia divulgado que o Milan, da Itália, havia feito uma proposta milionária ao Palmeiras por seu passe  e ele estava praticamente negociado. Na partida seguinte, quatro dias depois, contra a União Soviética, Mazzola deu lugar a Pelé, então com 17 anos. Foi a estreia do jogador do Santos em uma Copa do Mundo.

Esta história é considerada muito significativa pelo jornalista Fábio Mendes, que reconstituiu a trajetória da seleção de 1958 no livro “Campeões da Raça” (Shuriken, 272 págs., R$50), recém-lançado. “O fato ocorrido na partida contra a Inglaterra é permeado de ironia: justamente quando os negros eram acusados de ‘amarelar’ nas partidas mais tensas, o desequilíbrio emocional veio de um dos atletas mais alvos do elenco, inclusive com ascendência europeia”, escreve Mendes.

O livro retrocede a 1950, para lembrar que a culpa pelo “Maracanazo”, a derrota para o Uruguai na final, foi colada em três jogadores negros, Barbosa, Bigode e Juvenal. Ao longo de toda aquela década, mostra o autor, um preconceito forte era insinuado ou, eventualmente, abertamente mencionado em textos de jornais e conversas no meio do futebol: “Há muito tempo se falava, aqui e lá fora, que a seleção brasileira estava destinada a fracassar porque os seus maiores craques – em sua maioria negros e mestiços – não tinha estrutura psicológica para superar adversidades. Ou seja, para essas pessoas, um time escurecido era incapaz de aguentar o tranco”.

A não escalação de Djalma Santos, Pelé e Garrincha na estreia da Copa de 58 reforça a impressão, segundo Mendes, de que a comissão técnica da seleção brasileira não confiava em seus atletas negros ou mestiços. No time que vai a campo contra a Áustria há apenas um negro, Didi – o seu eventual substituto, Moacir, também era negro. É verdade que Pelé estava em recuperação final de uma contusão, mas não havia dúvidas de que Garrincha era superior a Joel e que Djalma Santos estava mais preparado para a competição do que De Sordi.

Segundo Luiz Carlos Barreto, então repórter e fotógrafo da revista "O Cruzeiro", a não escalação de Garrincha e Pelé foi determinada pelo supervisor da seleção, Carlos Nascimento, e obedecia a um plano traçado dois anos antes. "O teor do relatório era exatamente isso: onde existisse um jogador negro e um branco, mesmo que o negro fosse melhor, o titula tinha de ser um branco", diz Barreto a Mendes no livro.

Segundo o autor de “Campeões da Raça”, o jornalista Paulo Planet Buarque disse a Djalma Santos, na concentração da seleção, na Suécia, que “havia o entendimento por parte de alguns dirigentes e jornalistas brasileiros de que os jogadores negros não reuniam condições psicológicas para jogar partidas importantes”.

O lateral direito da Portuguesa só seria escalado na final. Com dores musculares, o titular De Sordi foi vetado pelo médico da seleção na véspera do jogo decisivo, contra a Suécia. Segundo alguns relatos, o jogador também estava extremamente nervoso, sem condições emocionais de jogar. Mesmo disputando apenas a final, Djalma Santos foi considerado o melhor lateral direito da Copa de 58.

No dia 29 de junho, contra a Suécia, atuando com Gilmar, Djalma Santos, Bellini, Orlando e Nilton Santos; Zito e Didi; Garrincha, Vavá, Pelé e Zagallo, o Brasil seria campeão do mundo pela primeira vez ao bater a Suécia por 5 a 2. Ao final da partida, ficou famoso o registro de outro choro: Pelé, autor de dois gols na partida, não aguentou a emoção. Altamente compreensíveis, as lágrimas do garoto de 17 anos se tornaram um dos símbolos da epopeia.

Mauricio Stycer